DESIGUALDADES SOCIAIS E ACESSO SELETIVO AO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL NO PERÍODO 1994-2001


1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é identificar quais são as concepções (crenças, opiniões, atitudes, compreensão) de professores de ciências do 3o ciclo de formação de duas escolas da rede municipal de ensino de Belo Horizonte que implantaram ou estão implantando o projeto pedagógica Escola Plural e de seus alunos sobre a avaliação da aprendizagem proposta nesse projeto e quais são as práticas de avaliação desses professores.

Este artigo baseia-se no trabalho de pesquisa que teve sua origem em nossa preocupação com as dificuldades em relação à implementação do projeto pedagógico “Escola Plural” pela rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Como uma proposta curricular, com tão forte apelo social, pode enfrentar tanta polêmica? E o tópico avaliação foi escolhido para a pesquisa, por constituir, como mostraremos, uma das dificuldades na implementação da proposta.

Lançada no final de 1994, na administração do prefeito Patrus Ananias, a Escola Plural constitui um marco na história da educação em nosso Estado. Construída a partir das ricas e variadas experiências e do material existente nas várias escolas da rede municipal (total de 175 escolas, com cerca de oito mil professores e 180 mil alunos), a própria pluralidade das propostas deu nome ao projeto: Escola Plural. Nesse projeto, duas inovações chamaram logo a atenção: a divisão das turmas em ciclos de formação e uma nova lógica no sistema de avaliação. A nova proposta curricular (Projeto Político Pedagógico – Caderno Zero) baseia-se em quatro grandes núcleos: 1) os eixos norteadores, 2) a reorganização dos tempos escolares, 3) os processos de formação plural e 4) a avaliação. Na perspectiva da garantia do direito à educação, o tempo de permanência do aluno no ensino fundamental foi ampliado de 8 para 9 anos, com a constituição de três ciclos de formação: 1° ciclo (infância), dos 6 aos 8 anos; 2° ciclo (pré adolescência), dos 9 aos 11 anos e 3° ciclo (adolescência), dos 12 aos 14 anos. O programa foi proposto ao conjunto das escolas municipais com o objetivo de implantar o 1° e o 2° ciclos já no ano seguinte (1995), ficando o 3° ciclo para ser implantado em 1996.

Em sua concepção de avaliação o projeto pedagógico Escola Plural propõe que a avaliação deva ser contínua, enquanto permanente no processo de aprendizagem do aluno, desenvolvendo-se por meio de avanços, dificuldades e possibilidades; dinâmica, na utilização de diferentes instrumentos e na reflexão dos seus resultados em que inclui a participação dos alunos, dos pais e de outros profissionais e investigativa, já que visa levantar e mapear dados para a compreensão dos processos de aprendizagem do aluno, oferecendo subsídios para os profissionais refletirem sobre a prática pedagógica que vêm realizando. Além disso, ao aluno devem ser dados a oportunidade e o incentivo de se auto-avaliar, buscando levantar não só o caminho percorrido para chegar às suas respostas e aos seus resultados, como também as evidências do que conseguiu aprender para, a partir delas, reconhecer as superações que precisam ser conquistadas.

Ao entender a educação como um direito, no projeto da Escola Plural a avaliação não é entendida como forma de classificar, excluir, aprovar ou sentenciar. Na nova proposta, a avaliação tem que incidir sobre os aspectos globais do processo, inserindo tanto as questões ligadas ao processo de aprendizagem como as que se referem à intervenção do professor, ao projeto curricular da escola, à organização do trabalho escolar, à função socializadora e cultural, à formação das identidades, dos valores, da cultura, da ética.

A implementação da nova proposta tem sido lenta e fruto de muita polêmica: desde o seu começo, ao entusiasmo de alguns se contrapõem a desconfiança, a insegurança e mesmo a resistência de boa parte da comunidade, preocupada com a mudança. E foi aí que surgiu a idéia de fazer a pesquisa: por que uma proposta tão ousada não ser adotada por todos? Por que tanta resistência, principalmente por parte dos professores?

De acordo com ampla pesquisa (Dalben et al., 2000) a questão da avaliação é, talvez, o maior obstáculo à implementação do projeto. Se bem aceita nos aspectos diagnóstico, contínuo e coletivo, a troca do enfoque quantitativo pelo qualitativo deixou muitos professores receosos de perder o controle sobre os processos de aprendizagem, certamente por não compreenderem bem o novo sentido da avaliação escolar, problema que se acentua principalmente no terceiro ciclo. A própria autora, em outro trabalho relata: “... o fato de a Escola Plural acabar com as notas escolares significou para a comunidade em geral estar desprezando, também, o conteúdo escolar, assim como abolir o processo de reprovação significou abolir a possibilidade de aprender.”. (Dalben, 1998:195). Sabe-se, também, das dificuldades que os processos de mudança, principalmente os mais radicais, enfrentam por causa das tendências conservadoras das pessoas envolvidas: “a tradição, força que nos precede e induz à repetição de ações cotidianas, é conseqüência direta dos problemas que ela resolve, ou do comodismo diante do que não se quer resolver, ou diante das incertezas quanto aos resultados positivos das mudanças”. (Dalben, 1998:248). Essa informação confirma que, de fato, um dos pontos básicos de dificuldade da nova proposta está na avaliação, daí a razão por que consideramos conveniente situar nossa pesquisa nesse núcleo da proposta.

Outro registro da pesquisa é o de que a implementação da proposta encontrou muito mais aceitação entre os professores do 1o e 2o ciclos que, em sua grande maioria, perceberam as vantagens de um sistema de avaliação contínuo e formativo, funcionando como diagnóstico para o professor e o aluno, orientando as práticas e promovendo um incremento no ensino e na aprendizagem. No 3o ciclo, talvez pelo enfoque epistemológico, com um ensino centrado em conteúdos mais específicos, o que traz dificuldades maiores para a avaliação, fica difícil a definição de novos parâmetros de observação. De qualquer forma, também no 3o ciclo, muitos professores consideram que o sistema de avaliação tornou-se muito mais abrangente e que a avaliação diagnóstica, valorizada pela Escola Plural, buscando trabalhar os erros dos alunos, é muito positiva.

Citem-se, ainda, como dificuldades encontradas pelos professores: a inexistência de um currículo definido (com o desconhecimento do que deve ser avaliado); a substituição das notas, com a busca de um enfoque mais qualitativo e a polêmica causada pela decisão de não “reprovar” o aluno. Se a nova proposta, como já foi dito, é bem recebida em grande parte de sua concepção como avaliação contínua, diagnóstica, coletiva, qualitativa, a decisão de não reter o aluno encontra muita resistência, que em geral se apoia na dúvida do que fazer com o aluno que, apesar dos maus resultados, tem o direito de continuar em frente, o que é ainda mais questionado quando se trata do final de um ciclo. Outra questão é a perspectiva de “aprovação” do aluno sem qualquer forma de envolvimento nas atividades e mesmo sem a freqüência regular às aulas (Como lidar com alunos infreqüentes, que quase nunca vêm à escola, que só comparecem em eventos especiais?).

Essa proposta de avaliação tem provocado, como já mencionamos, muitas resistências principalmente por parte dos professores. Essas resistências, acreditamos, podem ter sua origem no não entendimento da proposta da Escola Plural por parte dos professores, alunos, pais e comunidade em geral ou mesmo nas dificuldades encontradas pelos professores nas tentativas de implementação, em geral bastante acentuadas, principalmente nas primeiras turmas. Acreditamos que, pesquisando as concepções, ou seja, as opiniões e crenças, a compreensão e o entendimento, as atitudes e práticas dos professores sobre a avaliação da aprendizagem, encontraremos sinais para entender melhor as razões para essas resistências.

A questão central para a qual buscamos respostas, que é o objeto do trabalho, é:

“Quais são as concepções (crenças, opiniões, atitudes, compreensão) de professores de ciências do 3o ciclo de formação de duas escolas da rede municipal de ensino de Belo Horizonte que implantaram ou estão implantando a proposta pedagógica Escola Plural e de seus alunos sobre a avaliação da aprendizagem proposta nesse projeto e quais são as práticas de avaliação desses professores?”.

Essa questão mais geral foi desdobrada nas seguintes questões mais específicas, os “subproblemas” da pesquisa:

  • Quais são as concepções dos professores sobre o que é avaliação da aprendizagem e sobre as funções da avaliação  na escola?
  • Qual é o grau de conhecimento e entendimento desses professores sobre a proposta de avaliação da Escola Plural?
  • Como a avaliação vem-se realizando na prática, isto é, o que os professores realmente fazem quando avaliam seus alunos?
  • Como os professores utilizam os resultados da avaliação?
  • Quais são as concepções dos alunos sobre as funções da avaliação da aprendizagem que fazem e seus efeitos na aprendizagem?
  • Qual é, na visão dos professores e de seus alunos, a possibilidade de realizar a avaliação proposta no contexto escolar e quais as dificuldades encontradas?

Ao responder a essas questões, pretendemos tentar validar as seguintes hipóteses sobre as origens das dificuldades de implementação do projeto Escola Plural:

  • A implementação da proposta pode ser dificultada por uma falta de entendimento ou por uma atitude negativa por parte dos professores e alunos que são os verdadeiros executores da proposta.
  • As razões para a dificuldade de implementação podem ser de natureza técnica: falta de equipamento, condições mínimas de funcionamento da escola.

Ao fixar o universo da pesquisa em duas escolas, acreditamos estar compatibilizando a viabilidade do trabalho de pesquisa com o mínimo de informação: um número maior de escolas poderia torná-la muito demorada. A escolha do 3.o ciclo deve-se ao fato de ser esse o ciclo de maior dificuldade de implementação da proposta, em que é maior o nível de resistência (Dalben, 2000). Quanto à definição por professores de ciências, justificamos a escolha por ser a área em que atuamos e, portanto, com a qual temos maior intimidade, não só com as metodologias de ensino como também com as formas de avaliação da aprendizagem.
            Dadas as limitações de tempo e de recursos de que dispomos não é nossa intenção, nesse trabalho, estabelecer “juízo de valor” sobre a proposta pedagógica da Escola Plural, até pela própria polêmica que sua implementação provocou, não só no meio acadêmico, como na comunidade em geral. O que pretendemos, reiteramos aqui, é buscar nas concepções sobre a avaliação da aprendizagem, e em sua prática, “pistas” para tentar entender a polêmica.

2. METODOLOGIA

     Como campo para a pesquisa, definimos —a partir de contatos com as instâncias administrativas da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, CAPE e CPP{1}— duas escolas: a Escola Municipal Paulo Mendes Campos (que chamaremos escola 1) e a Escola Municipal Aurélio Pires (que chamaremos escola 2), que possuem o terceiro ciclo de formação, onde acompanhamos o trabalho docente de professores de ciências (duas em cada escola), durante um período de três meses. Na definição do “terreno” para a pesquisa, buscamos escolas onde a implementação da proposta estivesse adiantada, já que nesse caso esperávamos encontrar professores mais envolvidos com a mudança. A definição por professores de ciências e do terceiro ciclo, como já dito, deveu-se a razões práticas: nossa intimidade com a área e o fato de ser o ciclo de maior dificuldade da implementação da proposta.

Na condução da pesquisa a principal estratégia desenvolvida foi a observação participante já que, nessa técnica, a coleta de dados fica facilitada por ser feita na interação social real e não em situações artificialmente construídas. Na condição de participantes, pudemos desempenhar um papel particular na cultura estudada, principalmente pelo fato de sermos da “área”. Segundo Mazzotti (2001), a observação participante é uma das técnicas mais utilizadas pelos pesquisadores qualitativos, e sua importância é atribuída à valorização do instrumental humano, característica da tradição etnográfica. Mas a observação participante é apenas uma das abordagens que se usam nas pesquisas de terreno e deve ser complementada por outros métodos. Em nossa pesquisa, utilizamos, ainda, questionário para os alunos, entrevistas com professores, grupos focais de alunos e análise de documentos.

O questionário com 74 itens, contemplando dados socioeconômicos do aluno e dados sobre a relação do aluno com a escola e a avaliação da aprendizagem, foi construído a partir de "brainstorm" com três turmas (uma de cada etapa do ciclo) da primeira escola pesquisada e pré-testado em uma das turmas, sendo aplicado a todas as turmas observadas (num total de 359 alunos, 207 da primeira escola e 152 da segunda). O objetivo do questionário era levantar as opiniões dos alunos, sua visão sobre a escola e os professores, já que são eles os principais interessados no processo escolar e um “termômetro” da prática do professor.

As entrevistas (quatro), semi-estruturadas em um roteiro, foram feitas com as professoras envolvidas na pesquisa, duas de cada escola como já foi dito e registradas em fitas e com transcrições para análise posterior. O objetivo das entrevistas era conhecer as opiniões das professoras sobre o projeto Escola Plural, suas concepções sobre avaliação e as dificuldades na implementação do projeto, opiniões muitas vezes não explicitadas em suas atitudes, e compará-las com as informações (fatuais) obtidas através da observação participante e da análise de documentos.

Os grupos focais (dois), também semi-estruturados, foram feitos com alunos voluntários (um de cada turma), num total de sete alunos em uma escola e seis na outra. A exemplo das entrevistas, os grupos focais foram gravados, com transcrições para análise.
Finalmente, para a análise de material, utilizamos os documentos escritos: provas, roteiros de atividades, fichas de acompanhamento, instrumentos que fazem parte do sistema de avaliação, recolhidos durante a observação e que constituíram outros indicadores para a pesquisa.

3. PERFIL DAS PROFESSORAS E DOS ALUNOS

Quadro 1.  Comparativo dos alunos das duas escolas (em porcentagens)

 

 

Escola 1

Escola 2

Sexo

Masculino
Feminino

52
48

51
49

Raça

ou cor

Branca
Morena
Preta
Outra

42
54
1
3

21
77
1
1

Número de repetências

Nenhuma
Uma
Duas ou mais

85
14
1

76
18
6

Idade

11
12
13
14
15
16
17

-
12
29
33
19
7
-

4
26
28
24
11
6
1

Exerce atividade remunerada

23

28

Pai não concluiu ensino fundamental*

15

43

Renda familiar menor que R$400,00*

13

32

(*) Não considerando as respostas “não sei”.

Pode-se dizer que as professoras observadas têm um perfil semelhante, todas formadas em Ciências Biológicas: na escola 1, a professora P11{2} formou-se há 7 anos na UFMG, tem 6 anos de magistério, trabalha apenas na rede municipal, onde está há 5 anos, começou o curso de especialização no Cecimig mas não conseguiu terminar, optando por ter filho; a professora P12 formou-se na PUC há 11 anos, fez curso de especialização na área de Biologia também na PUC, está no magistério há 10 anos, trabalha com Ensino Médio na rede estadual e está na rede municipal há 6 anos.

Na escola 2, a professora P21 é formada pela UFMG há 15 anos, fez especialização no Cecimig em ensino de Ciências (1997), trabalha também na rede particular e está há 11 anos na rede municipal; a professora P22 graduou-se na UFMG, tem 12 anos de magistério, trabalhou algum tempo na rede estadual e na rede particular, leciona há seis anos na rede municipal, apenas no Ensino Fundamental.
Em relação aos alunos, a diferença que chama a atenção é a de nível socioeconômico, escola 2 com um nível mais baixo, o que a observação participante já apontara. No quadro 1, são apresentados alguns dados comparativos.

4. RESULTADOS

Utilizamos os dados levantados na pesquisa para buscar construir as respostas para os seis subproblemas apresentados: a partir delas, propomos uma resposta para o problema colocado para este trabalho buscando, assim, chegar a uma conclusão que constituirá o seu fechamento.

4.1. Subproblema 1

            Para avaliar as concepções das professoras sobre o que é avaliação da aprendizagem e sobre as funções da avaliação na escola, utilizamos, como já foi dito, a observação participante, as entrevistas e a análise dos documentos recolhidos durante a pesquisa. As entrevistas, para a avaliação deste subproblema, trouxeram uma grande contribuição: como nós já prevíamos, muitas opiniões e crenças das professoras, não explicitadas na observação, puderam ser conhecidas. A seguir, fazemos uma avaliação individual de cada professora para, a partir da comparação entre elas, buscar uma resposta para o subproblema.

Para a professora P11, a avaliação “... é uma forma importante para você dar uma noção pra ele do que o aluno é hoje... do que ele é daqui a um ano ou um mês... mas é preciso que ele sinta que tá havendo um avanço, né?...”; acredita na avaliação como um retorno, para o professor e para o aluno de que está havendo crescimento, servindo assim para o aluno “... ter um diagnóstico do que tá sendo o trabalho dele dentro de uma escola.” (auto-avaliação) e também para o professor (“a gente tem sempre condição de fazer mais do que a gente faz, né?”). Acredita, também, na avaliação como instrumento para jogar o aluno “pra frente”, principalmente aqueles mais fracos que são incentivados por um elogio em algo que acertou: essa fala confirma a observação do seu trabalho em sala, onde percebi sua preocupação permanente em incentivar os avanços dos alunos. Ao falar do aspecto selecionador da avaliação, ela afirma “eu acho que eu não sou contra a retenção, entendeu?... mas não acho que ela só justifica, cê tem que ver a história do aluno naquele ambiente que ele tá...”.

Na fala da professora P12, percebemos uma forte identificação de avaliação como prova (ou teste), o que fica explícito quando afirma: “eu voltei com a avaliação de uns tempos para cá na escola plural, que eu não avaliava... e acho que o resultado foi bom...”, referindo-se aí ao uso de provas. A mesma professora afirma: “... acho que o aluno de uma maneira geral... até nós... eu na faculdade tinha uma matéria que o professor não dava prova... a gente não estudava, hoje eu sei a falta que a matéria me faz...”. Outro dado revelado pela entrevista é a importância dada pela professora à nota, afirmando que “falar que é nota é mais que um conceito e que o referencial nota “ainda é importante”, que “nota é uma palavra mágica”. Essa fala, registramos aqui, confirma uma  observação de sala de aula em que na proposição de um trabalho ela afirma, com ênfase, que o trabalho “vale 100 pontos”. Falando sobre o uso da avaliação ela afirma que avalia o aluno para “saber aonde que a dificuldade é maior”, “em que nível que ele tá, de onde que você pode partir”. E sobre a questão da reprovação, ela diz ser favorável, afirmando que “seria alguns poucos alunos que não são alfabetizados e que estão dentro da escola ou que tão indo na escola só para ganhar bolsa-escola”.

Na opinião da professora P21, a avaliação serve “... pra eu perceber se tá ocorrendo, dentro do processo de aprendizagem, uma evolução no conhecimento dele...”, constituindo-se também uma maneira “de conhecer o menino melhor, né?... (...)... então a gente consegue perceber o processo de aprendizagem dele, mas não é só esse contato do dia-a-dia, né?... que a gente consegue avaliar se ele tá aprendendo... então eu preciso de alguma coisa mais concreta, né?... que é o caso da avaliação escrita...”. Uma outra colocação espontânea da professora foi com a auto-avaliação do trabalho docente, quando afirma “... é, a gente fala de avaliação só do aluno, né?... e às vezes eu fico muito preocupada com a minha avaliação... a forma que eu tô trabalhando, a minha atitude com o aluno.”. Sobre os comentários que sempre coloca nos exercícios avaliativos, ela afirma acreditar que constituem um incentivo para os alunos, que passam a se cobrar mais e que muitos “voltam pra justificar porque que ele foi mal naquela avaliação...”. Quanto ao uso da avaliação como agente de seleção, ela afirma: “... eu acho que retenção, da forma que era antigamente... isso não pode retornar... o menino ficava retido por dois pontos... mas, eles não têm maturidade pra não ser cobrados... eles fazem trabalhos que eles tão com vontade, eles fazem os trabalhos se tiverem numa fase boa... então eu acho que isso tem que ser repensado, né?...”.

Para a professora P22, a avaliação “é a uma maneira que você tem de tá vendo, né?... com quem você está trabalhando, conhecendo a realidade desses alunos e também saber o quanto eles estão assimilando aquilo que você está passando pra eles...”. Afirma que na avaliação de seus alunos usa diversos instrumentos, o que a observação confirma, mas que “não conseguiria trabalhar sem a prova”. Sobre os usos da avaliação ela diz  “avaliação pra mim serve pra tá, tanto, né?... vendo como é que esse aluno tá seguindo, o que ele aprendeu... o que ele não aprendeu, enfim, como que ele tá andando... pra você também como professor... porque através da avaliação você vai saber onde, né?... que você conseguiu alcançar, o que ficou faltando... então através dessa avaliação você consegue captar isto tudo... pelo menos um pouco disso eu consigo...”. Quanto à retenção do aluno, ela afirma achar complicado o aluno ficar “retido por pouca coisa” mas que defende a retenção em alguns casos, “exceção e não regra”, num processo que deve envolver “todo mundo”.

Considerando os depoimentos, alguns fatos que pudemos verificar foram: a preocupação em “perder” a possibilidade do uso da avaliação como critério de seleção, todas as professoras de certa forma defendendo a retenção; e a importância do uso da nota, que seria um incentivo ao bom aluno além de constituir-se em um “referencial” mais importante para avaliar o que o aluno aprendeu. De modo geral, exceto por uma fala da professora P22, todas parecem acreditar na nota como uma referência melhor. Devemos, no entanto, deixar claro que não percebemos relação entre uso de provas e notas como uma forma de exercício de poder que sabemos ser tradicional nessas formas de avaliação.

Dessa forma, acreditamos poder afirmar que é forte, ainda, entre as professoras, a identificação da prova ou teste com a avaliação da aprendizagem na escola e que entre suas funções podem citar-se: conhecimento da situação do aluno, diagnóstico, monitoramento da aprendizagem, auto-avaliação para o aluno e para o professor.

4.2. Subproblema 2

A verificação do grau de conhecimento e entendimento das professoras sobre a proposta de avaliação da Escola Plural, de que a observação participante já dera algumas pistas, ficou facilitada após as entrevistas: todas as professoras se posicionaram com muita clareza e, assim, utilizando o mesmo método do subproblema 1, avaliamos cada professora e, em seguida, propomos uma resposta para a questão.

A professora P11 afirma: “... eu vou te falar sinceramente... não entendo!... Não entendo por que... é... eu já li, não vou falar que eu li todo o material da Escola Plural, tá?... mas eu li muita coisa... é, mas eu não consigo entender essa questão é... não vou falar que eu concordo com a bomba, não... eu não consigo entender você ter um número de professores, ter uma carga horária, ter as salas da forma que é colocada... o espaço físico... e esses alunos que não conseguiram é... um certo é... não é nem conhecimento, né?... um certo envolvimento, um certo amadurecimento que não tenha profissionais disponíveis para fazer um trabalho com esses alunos... eu acho isso a palavra que eu falo é uma “sacanagem”, entendeu?...”. Afirma que a proposta é interessante, mas que não é exeqüível na prática, que para sua implementação, dentro do que ela prega, precisava de profissionais “... outros tipos de profissionais, precisava de um psicólogo, precisava de um psicopedagogo, precisava de pessoas... que muitas vezes a dificuldade que nós temos na escola é... não é nem cognitiva do aluno, mas é de um certo envolvimento dele, uma certa interação... ele... é como se ele não tivesse cabendo na escola... ele não está preparado pra aquilo, entendeu?...”.

A professora P12 pareceu-me ainda mais veemente, talvez por sua postura mais conservadora, ao afirmar: “... eu acho com toda sinceridade que a própria prefeitura tá perdida nesse processo avaliativo da escola plural... nem sabe o que ela quer; nem o Miguel Arroyo, eu acho, sabe o que ele queria com isso... e também trabalhar com o ser humano é isso mesmo... nas cabeças são todos diferentes, cada um entende de uma maneira diferente... eu trabalho em duas escolas na prefeitura que têm processos avaliativos diferentes, né?... então eu acho que a própria prefeitura não sabe ainda o que ela quer e o que ela pretende fazer com a ficha... além de tirar a nota ...”. Afirma que falta consenso entre as escolas, “falta uma linha única de trabalho”, “tem escola que não entende a ficha da outra, não sabe interpretar, não sabe aonde que coloca o menino... que série, turma que o menino tá... eu percebo essa dificuldade até na gente mesmo... na escola, que não tem um ano seguido que a gente trabalha com a mesma ficha.”.

A professora P21 afirma que fez vários cursos na prefeitura, pois já estava na rede à época do lançamento e que na verdade ela acha que “... já era plural, aquele professor é... que conversava, que dava atenção aos alunos, que tinha uma relação com eles... pra perceber que não é só o conteúdo que ele tem que desenvolver... ele precisa de desenvolver um monte de outras coisas, principalmente a questão da... do raciocínio lógico, que não tem nada a ver com a ciência, né?... então eu acho que ele precisa disso”. Mas afirma também: “... a gente leu vários cadernos que a prefeitura... mandou pra escola,... é... a única coisa que eu acho que a gente não entende é... como é que a prefeitura quer que a gente avalia... a gente na verdade tá na tentativa...”. E, ainda,: “eu não entendo como é que... a escola plural deseja essa avaliação... então eu acabo sendo um pouco tradicional, né?... eu acho que essa parte da questão avaliativa não ficou clara na escola plural, principalmente pro aluno...”.

E a professora P22, mais nova na rede municipal, afirma “... bom, eu não estudei muito a respeito da Escola Plural, não... mas a prática que a gente tem, infelizmente eu não sou totalmente a favor... claro que eu acho que tem um lado positivo, sem dúvida, mas também, né?... tem o lado negativo, que muitas vezes é difícil de estar trabalhando com ele... (...)... o positivo... é que não era justo um aluno que tinha um bom desempenho e uma... uma certa dificuldade em um ou dois conteúdos e tá retido por causa disso... ok?... (...)... só que por outro lado, este mesmo aluno, às vezes, ele entra numa turma que o pessoal, né?... no geral tá todo mundo dentro da faixa, mas ele tá muito defasado, ele às vezes não sabe nem... ler, né?” (P22).

Devemos registrar que esses depoimentos de certa forma nos surpreenderam, não pelo pouco conhecimento ou pouco entendimento da proposta, mas pela “rejeição” que parecem indicar à nova forma de avaliação: como já foi dito, a observação do trabalho das professoras, em seu dia-a-dia nas salas de aulas, se sugeria alguma forma de discordância em relação à proposta, de forma alguma poderia sugerir tal índice de “rejeição”.

E, respondendo ao subproblema proposto, podemos afirmar que é baixo o grau de conhecimento e entendimento das professoras observadas sobre a proposta de avaliação da Escola Plural.

4.3. Subproblema 3

A verificação de como a avaliação vem se realizando na prática foi feita, principalmente, por meio da observação participante. Um fato marcante que a observação mostrou e que nos impressionou bastante foi que todas as professoras apresentam um relacionamento muito bom com as turmas, com um destaque para a professora P11: talvez por seu jeito maternal de conciliar “energia” e “doçura”, os alunos têm com ela uma relação que vai muito além do aspecto profissional, demonstrando muita afetividade; todas elas, no entanto, com postura de franco acolhimento, o que, acredito, constitui a base para uma avaliação que se pretende de fato formativa. Outra característica interessante que registramos é a boa impressão causada pela preocupação de todas elas em combinar as atividades da vida escolar de cada aluno e de cobrar o que foi combinado.

A avaliação da aprendizagem dos alunos, como já foi dito, mostrou outras características formativas, os aspectos qualitativos prevalecendo sobre os quantitativos (apesar de acreditarem na nota como referencial melhor!), boa variabilidade de técnicas usadas por todas as professoras, com instrumentos diversos, sendo que as provas ou testes individuais (chamados exercícios avaliativos ou atividades avaliativas) são corrigidos sem preocupação de nota e os resultados aparecem em forma de número de acertos, sempre com comentários das professoras. Em muitas ocasiões, percebemos grande preocupação em voltar às questões erradas pelos alunos: achei interessante um comentário da professora P22, ao devolver uma dessas provas, que uma determinada questão provavelmente fora mal trabalhada, já que quase todos a erraram; feito o comentário, ela voltou ao assunto de que a questão tratava e em seguida construiu, em diálogo com a turma, a resposta que esperava dos alunos (final de ciclo). Também é muito utilizado o para casa por todas as professoras que quase sempre o corrigem (o que os alunos confirmam no questionário, nas duas escolas).

Com relação aos conhecimentos prévios dos alunos, o que pudemos inferir das observações feitas é que não parece existir, por parte das professoras, uma preocupação em usar esses conhecimentos para, a partir deles, ajudarem os alunos a construir os novos; por outro lado, observei grande respeito das professoras pelas opiniões dos alunos, mesmo quando o conhecimento prévio manifestado discordava até do senso comum e os próprios colegas criticavam o erro.

Também a participação das professoras nos trabalhos coletivos das escolas nos pareceu boa, com destaque para a escola 2, onde ela se mostrou maior: pode-se dizer, no entanto, que nas duas escolas existe, nos momentos coletivos, grande preocupação com  a aprendizagem dos alunos, com a avaliação dessa aprendizagem, com os aspectos a serem avaliados, o que, na nossa opinião, explica a dificuldade em se chegar a uma “ficha de registros” definitiva. Outra indicação que buscávamos era sobre a relação entre o uso da avaliação e a autoridade do professor: como já dito, não nos pareceu uma questão problemática, não percebemos indicadores fortes de uso da prova como um instrumento de poder por parte das professoras (força de convencimento, ameaça contra indisciplina ou falta de envolvimento) ou mesmo da escola, apareceu mais com a idéia de uma auto-avaliação, uma “avaliação na primeira pessoa”, além de informação para professoras e escolas.

Outro dado relevante em que as entrevistas corroboram a observação é quanto às dificuldades apresentadas por alguns alunos, é grande a mobilização das professoras em tentar resolvê-las e, com todas elas, pudemos dar uma contribuição: em geral, quando percebíamos uma dificuldade localizada ou mesmo a possibilidade de enriquecer alguma informação, nos oferecíamos para ajudar o que era sempre bem recebido. Ao final do processo, com todas as professoras, isso ficou rotineiro.

Um fato que nos chamou a atenção foi a pequena preocupação que percebemos, em todas as professoras observadas, em registrar as ocorrências de sala de aula. Talvez isso possa ser conseqüência do fato já anotado de cada professora conhecer (pelo nome) cada um de seus alunos; de qualquer forma e talvez também por minha própria preocupação com registros, achamos um fato preocupante: uma avaliação formativa tem de ser também informativa e, para isso, dispor de todas as informações possíveis sobre todos os alunos é fundamental. E essa é, também, uma das recomendações da proposta de avaliação da Escola Plural.

A análise dos documentos, confirmando dados da observação e mesmo das entrevistas, mostra que, em geral, é grande a preocupação das professoras com a variabilidade de técnicas de avaliação: além do livro didático que pareceu ser referência para todas as professoras e roteiro para o conteúdo, grande quantidade de material extra (alguns xerocados, outros mimeografados, para nossa surpresa até mimeógrafo a álcool, na escola 2), uso do laboratório (na escola 2), explicações feitas pelos alunos, muita atividade em grupo. 

Comparando as práticas de avaliação das professoras e a proposta nova verifica-se de forma bastante clara que, mesmo desconhecendo “textualmente” o conteúdo da proposta, as professoras parecem intuir seus três momentos: a avaliação inicial, a avaliação contínua e a avaliação final.

No que diz respeito à avaliação inicial, a observação evidenciou a preocupação das professoras com o caráter verdadeiramente diagnóstico da avaliação, explicitado também nas entrevistas: faltou, e de fato não esperávamos encontrar, uma preocupação maior em identificar os “conceitos prévios” dos alunos. Em relação ao que defende a avaliação contínua, a prática observada se aproxima, também, bastante da proposta, exceto em relação aos registros, o que já foi relatado. Finalmente, em relação ao momento avaliação final, as práticas observadas parecem responder bem às questões “Para quê?”, “O quê?” e “Quando?”, mas não à questão “Como?”: se percebemos preocupação com a “observação”, o mesmo não se pode dizer em relação a “registros e interpretação da produção dos alunos em que utilizam os conteúdos aprendidos e vivenciados”. Outra coisa que faltou: instrumentos formais para a auto-avaliação dos alunos.

Concluindo, em relação ao subproblema proposto, a pesquisa sugere que as concepções explicitadas pelas professoras não coincidem plenamente com suas práticas: elas afirmam acreditar que o referencial nota é mais inteligível que o conceito ou ficha de avaliação, mas na prática o que pudemos observar foi uma avaliação muito mais próxima da lógica da regulação das aprendizagens, mais uma diagnose para tomada de decisões que uma busca de seleção e discriminação.

4.4. Subproblema 4

            Para a verificação de como as professoras utilizam os resultados da avaliação, o principal instrumento de coleta de dados foi, mais uma vez, a observação participante; sendo que utilizamos também dados das entrevistas. Sabemos que uma das preocupações de uma avaliação com intenção formativa é a utilização dos resultados que se vão obtendo ao longo do processo; essa preocupação nos pareceu presente no trabalho de todas as professoras, durante o período de observação e, também nesse caso, as falas das professoras nas entrevistas confirmaram os dados da observação.

Como já foi dito em comentários sobre os subproblemas anteriores, pareceu ser preocupação de todas as professoras buscar solução para as dificuldades percebidas, inclusive ao reclamar da falta de condições (tempos e espaços extras) para resolver os problemas mais sérios, as dificuldades mais localizadas. De qualquer forma, percebemos, repetimos aqui, uma preocupação grande em “ajudar” os alunos com mais dificuldades; as atividades de avaliação formal recolhidas pelas professoras, ao serem devolvidas aos alunos, eram sempre corrigidas e comentadas em sala e observei que sempre levavam, ao lado do número de acertos ou do conceito, um comentário encorajador: todas as professoras pareceram-nos preocupadas com a auto-estima dos alunos e, em função disso, generosas nos elogios e parcimoniosas nas críticas aos erros; os bons resultados sendo incentivados, os maus resultados tratados com cuidado, nunca com ameaças. Outro dado: as questões das provas com índice maior de erro eram sempre alvo de atenção maior nos comentários, muitas vezes com nova explicação pormenorizada do assunto.

Importante ainda registrar que nos grupos focais com os alunos foi possível identificar essa preocupação das professoras, na opinião dos alunos, com os resultados e o depoimento a seguir é uma evidência disso: “... assim... quando os alunos não vão muito bem, aí eles corrigem... falam que não tá... é... eles perguntam o que não tá entendendo e tudo...” (A26){3}. Registramos também que esse reconhecimento foi mais explícito na escola 2, onde os alunos demonstram uma relação de mais proximidade com a escola e parecem atribuir-lhe não só uma importância maior como uma qualidade maior. Como resposta ao subproblema proposto, o que podemos afirmar é que os resultados da avaliação parecem estar colocados a serviço da aprendizagem dos alunos: os que avançam mais, sendo elogiados; os que avançam menos, encorajados a tentar ir além e sendo ajudados nessa tentativa.

4.5. Subproblema 5

Para verificar as concepções dos alunos sobre as funções da avaliação da aprendizagem na escola e seus efeitos na aprendizagem, utilizamos, como foi dito, além da observação participante, o questionário e os grupos focais.

Iniciada a análise dos dados do questionário da escola 2, pudemos verificar a confirmação de alguns fatos (importância das notas na opinião dos alunos, atenção das professoras ao “para casa”) já obtidos na coleta de dados da escola 1. Outro destaque, na análise dos dados do questionário da escola 2, é que todos os indicadores de nível socioeconômico e cultural confirmaram o que já fora constatado na observação participante: as escolas apresentam diferença no nível socioeconômico e cultural; com elevados valores para o c2 (chi quadrado){4} o nível da escola 1 é maior do que o da escola 2. Como já foi dito, isso pode ser considerado uma indicação da validade do instrumento e a observação do quadro comparativo (Quadro 1) é uma confirmação desse fato.

Com relação à avaliação da aprendizagem, parece claro, para os alunos (como já fora verificado para as professoras), não apenas a sua importância, mas o alto grau em que todos a concebem. Nos itens do questionário que cobram a opinião dos alunos sobre a importância da avaliação da aprendizagem, o Quadro 2 mostra, em percentuais de respostas válidas, para o universo pesquisado, essa importância. É importante registrar aqui que as proporções de respostas para estes itens, quando comparei as duas escolas, apresentaram valores muito baixos para o c2, o que favorece a hipótese nula de que as proporções das respostas dos dois grupos são iguais; em função dessa realidade, na análise deste subproblema, considerei os alunos das duas escolas como um só grupo.

Quadro 2 . Importância da avaliação da aprendizagem na escola,
na opinião dos alunos (percentuais de resposta)

Nas questões seguintes, assinale, para cada item: CT (concordo totalmente), CP (concordo em parte) ou NC (não concordo)

 

CT

CP

NC

37) Verifica o conhecimento do aluno.

73

26

1

38) Avalia o que o aluno sabe e o que não sabe.

70

29

1

39) Mede a capacidade para ir em frente.

66

26

8

40) Mostra onde o aluno aprendeu mais e menos.

60

34

6

41) Serve para corrigir os erros.

65

32

3

42) Indica em que o aluno precisa melhorar.

85

12

3

Essa importância foi confirmada nos grupos focais como se verifica nos depoimentos seguintes:

“... acho que a importância da avaliação é pro... assim pros professores ou até mesmo os pais... vem mostrar o progresso do aluno na escola... se tem dificuldade, aonde está esta dificuldade... assim se precisar de outros caminhos pra poder desenvolver aquele ponto...” (A11);

“... é... só completando o que os dois falaram, quase a mesma coisa... é que... é fundamental... prova e teste pra sabê se o aluno aprendeu ou não...” (A21).

Outro fato que aparece em destaque é a importância atribuída pelos alunos, na avaliação da aprendizagem, ao uso de provas e testes: eles não só acham que são instrumentos válidos; para a grande maioria dos alunos, provas e testes são os instrumentos mais importantes e isso fica claro quando se verifica que mais de 80% dos alunos concordam totalmente com o seu uso e menos de 1% (apenas dois em 359 alunos) declara não concordar com a sua utilização.       

Essa importância atribuída pelos alunos às provas foi reiteradamente confirmada na observação participante: nos dias de “prova”, pudemos observar a preocupação dos alunos em não faltar (num registro feito na escola 2, anotamos num dia de prova que aquele era o primeiro dia em que toda a turma estava presente). E, durante os momentos em que os alunos se dedicavam às provas, observamos muitas vezes o mais absoluto silêncio, em todas as turmas, situação surpreendente principalmente quando se considera a faixa etária desses alunos.

Da análise feita, podem-se destacar mais dois fatos, já anotados na pesquisa citada (Dalben, 2000): a preferência pelo uso da nota, em vez do conceito, e a resistência forte contra a “não-retenção”.

A preferência pelo uso da nota, que representa também a opinião das professoras, aparece bem mais forte na opinião dos alunos: o banco de dados mostra claramente (Quadro 3, em percentuais de resposta) que eles tendem a responder favoravelmente aos itens que enaltecem o uso de nota; essa tendência não aparece nos itens mais “neutros” e, no caso do item colocado com a intenção de condenar o uso de notas (item 56), verifica-se que a tendência se inverte completamente.

Quadro 3. Opinião dos alunos sobre o uso de notas nas avaliações
O que você acha do uso de notas nas avaliações? (percentuais de resposta)

Nas questões seguintes, assinale, para cada item: CT (concordo totalmente), CP (concordo em parte) ou NC (não concordo)

 

CT

CP

NC

49) É uma boa forma de testar os conhecimentos.

76

18

6

50) É bom para o aluno se auto-avaliar.

80

17

3

51) Estimula o aluno a estudar.

70

27

3

52) Verifica o que o aluno aprendeu.

73

24

3

53) Serve para classificar os alunos.

44

40

16

54) O resultado ruim pode humilhar o aluno.

35

25

40

55) A nota baixa pode desanimar o aluno.

34

36

30

56) Pode discriminar as pessoas.

14

21

65

A questão da “não-retenção”, considerada problemática para todo o grupo pesquisado, apresenta, no caso dos alunos, importância ainda maior; é grande a coincidência de opiniões em torno da idéia de “justiça”: muitos afirmaram achar um absurdo alguém que não estudou, não dedicou, não fez nada, ser aprovado ao final do ano. Os depoimentos abaixo, extraídos dos grupos focais, evidenciam o fato:

“... eu não acho correto o aluno vagabundar o ano inteiro e chega no final do ano e passar...” (A13);
“... eu não sou contra a Escola Plural, eu sou contra é a não-retenção...” (A11).

Finalmente, achamos importante destacar que, no caso dos dados do questionário, além da convergência nas proporções de respostas quando se comparam as duas escolas, verifica-se também convergência quando se separa o grupo por sexo ou por etapa do ciclo: os testes estatísticos mostram que as proporções de respostas não apresentam diferenças significativas. E respondendo ao subproblema proposto, pode-se afirmar que as concepções dos alunos sobre as funções da avaliação guardam uma forte relação com a lógica da excelência: nas concepções dos alunos deve ser função da avaliação selecionar e discriminar, a reprovação sendo o “castigo” para quem não fez a sua parte.

4.6. Subproblema 6

Para verificar como é, na visão dos professores e de seus alunos, a possibilidade de realizar a avaliação proposta no contexto escolar e quais as dificuldades encontradas utilizamos a observação participante, as entrevistas e os grupos focais. O que avaliamos é que tanto na visão das professoras quanto na dos alunos, a possibilidade de realizar a avaliação proposta pela Escola Plural no contexto das escolas pesquisadas parece problemática: e aqui, também, os dados obtidos através das entrevistas e dos grupos focais surpreenderam os pesquisadores já que mostraram que as concepções dos sujeitos envolvidos extrapolam em muito as expectativas estabelecidas a partir da observação participante.

Entre as professoras, e, ao definir nosso problema, já prevíamos isso, as dificuldades podem ser explicadas tanto pelo pouco entendimento e conhecimento da proposta, que já foi mostrado, como pela falta de condições em implementá-la, tão bem traduzida na fala da professora P11, citada na análise do subproblema 2.

Também entre os alunos, a nova proposta não tem muitos defensores: mesmo aqueles que vêem ganhos na Escola Plural sempre colocam restrições e, em geral, a questão mais séria é, de novo, a não-retenção. Os depoimentos abaixo mostram bem essa rejeição.

“... eu acho que é... eu também sou a favor... tem que tê bomba (risos)... tipo assim... podia voltá a escola tradicional e pegando o aspecto bom da escola plural... que é a socialização... aí podia juntar o útil ao agradável... fazê uma escola plutradicional (risos)” (A16);
“... eu concordo com o que eles três falaram, porque eu também acho... que o único fraco da escola plural é não ter a retenção, eu gostaria que tivesse a retenção... (...)... que ficava muito mais claro pra gente... a gente tem que estudar se não a gente vai ficar mesmo, aí a gente ia se ferrar... aí eu queria que aqui também tivesse a retenção pra gente pensá... colocar na cabeça que a gente tinha que estudar mesmo, se não a gente ia ficar para trás mesmo... ia ficar atrasado.” (A22).

Concluindo, pode-se afirmar que, na visão dos professores e de seus alunos, é difícil realizar a avaliação proposta no contexto escolar: no caso dos alunos, a nova “lógica” agride convicções arraigadas; no caso das professoras, acrescenta-se a isso, além do pouco conhecimento que têm da proposta, as dificuldades técnicas: o sistema não propicia condições para a sua implementação.

5. CONCLUSÃO

Terminada a fase de análise dos dados e a avaliação dos subproblemas colocados, três fatos chamaram nossa atenção, por se mostrarem cada vez mais caracterizados: primeiro, a importância atribuída pela maioria dos sujeitos da pesquisa ao uso de provas e testes como instrumento de avaliação da aprendizagem dos alunos; segundo, esses sujeitos acreditam que o uso da nota, mais que o conceito, deve ser incentivado: parece que a interpretação da nota é mais fácil; por último, a resistência quase unânime à questão da não-retenção.

Entre as professoras parece haver uma certa convergência, no que diz respeito à concepção de avaliação: se a lógica da excelência, como é chamada por Perrenoud (1999) já mudou claramente para uma busca maior da regulação da aprendizagem (o que é coerente com a proposta da Escola Plural) e a mudança dos aspectos quantitativos para os qualitativos não parece tão problemática, a questão da não-retenção definitivamente não está resolvida.

No caso dos alunos, cujas posições são mais conservadoras, a questão é ainda mais séria: é quase unânime a posição contrária à não-retenção, a idéia parece aquela já anotada por Dalben (2000) de que a perspectiva do castigo (reprovação) seria um incentivo para o envolvimento nos estudos e garantia para a aprendizagem. Além disso, a não-retenção é vista por muitos deles como uma forma de impunidade em relação a uma atitude delituosa, a “vagabundagem”. De qualquer forma, já se falou nas dificuldades encontradas por toda proposta de mudança: Perrenoud (1999, p.10) afirma que “nada se transforma de um dia para outro no mundo escolar, que a inércia é por demais forte, nas estruturas, nos textos e sobretudo nas mentes, para que uma nova idéia possa se impor rapidamente.”.

Um fato corroborado pela pesquisa foi a questão da não-retenção; confirmando a pesquisa citada (Dalben, 2000), aí se localiza o principal nó dificultador da implementação. Outro fato que aparece em destaque é a insegurança de alguns professores quanto à assessoria por parte dos órgãos da Secretaria Municipal de Educação: os que acreditam na proposta não vêem condições para a sua efetiva implementação.

Não vimos, durante a observação participante, nem obtivemos a partir dos outros métodos de coleta de dados, qualquer indício de situação que contestasse o conhecimento que já tínhamos do contexto: surpreendeu-nos, apenas, o nível de importância atribuído à avaliação da aprendizagem, principalmente por parte dos alunos.

Mesmo sem querer tomar partido sobre a questão colocada da não-retenção, lembramos aqui que recentes pesquisas sobre “Escolas Eficazes” (Cotton, 1995, por exemplo): destacam, com muita clareza, entre as muitas características das escolas eficazes, a importância de se evitar a “retenção” do aluno: a preocupação deve ser em se buscarem programas especiais para os casos especiais. Se, como propõe a própria autora, deve-se ter cuidado em seguir receitas prontas, é nossa opinião que se deve ter mais cuidado ainda em seguir o senso comum, não embasado em conhecimento estabelecido a partir de pesquisa. Talvez, também sejam ainda pouco conhecidos os efeitos positivos da vivência de cada idade de formação, sem interrupção, assim como a força socializadora e formadora do convívio entre alunos da mesma idade.

Concluindo, queremos registrar que o mais importante, no entanto, é que o resultado da pesquisa tenha algum significado. De acordo com Mazzotti y Gewandsznajder (2001:159), “a significância de um estudo pode ser demonstrada indicando sua contribuição para a construção do conhecimento e sua utilidade para a prática profissional e para a formulação de políticas.”. Caso a pesquisa traga contribuição relevante para um desses três domínios, e é isso que esperamos, todo o esforço dispensado na execução da tarefa estará totalmente recompensado.

 

 

Referencias bibliográficas

Belo Horizonte - Secretaria Municipal de Educação. Cadernos da Escola Plural (diversos)

BRASIL/MEC (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais. Documento introdutório. Brasília.

Cotton, Kathleen (1995). Effective Schooling Practices: A Research Synthesis 1995 update.  Portland: NW Regional Educational Laboratory. School Improvement Research Series, 37.

Dalben, Angela I.L. De F. (1998). Avaliação escolar: um processo de reflexão da prática docente e da formação do professor no trabalho. (Tese de Doutorado). Belo Horizonte:  FAE/UFMG.

Dalben, Angela I.L. De F. (2000). Avaliação da implementação do projeto pedagógico Escola Plural.  Belo Horizonte: GAME/FAE/UFMG,.

Luckesi, Cypriano C. (1997). Avaliação da aprendizagem escolar. 6ªed. São Paulo: Cortez.

Mazzotti, Alda J.A. y Gewandsnajder, F. (2001). O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa.  São Paulo: Editora Pioneira.

Perrenoud, P. (1999). Avaliação - da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas.  Porto Alegre: ArtMed.

 

 

{1} O CAPE (Centro de Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação) e a CPP (Coordenação de Política Pedagógica) são órgãos da Secretaria Municipal de Educação.

{2} As professoras serão identificadas neste trabalho pelo símbolo PXY, em que X identifica a escola e Y a ordem em que a professora nos foi apresentada. Assim P21 identifica a primeira professora da escola 2. De forma semelhante serão identificados os alunos.

{3} Seguindo critério já citado, A26 é o aluno da escola 2, identificado pelo número 6.

{4} Teste de independência para determinar associação de variáveis.