3EM – EFICÁCIA ESCOLAR NO ENSINO DA MATEMÁTICA, UM PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO


1. INTRODUÇÃO

O projecto de investigação Eficácia Escolar no Ensino da Matemática (3EM) tem como principais objectivos: a estimação do efeito-escola e identificação dos factores intra-escolares que contribuem para a melhoria da qualidade da Educação em termos dos resultados escolares em Matemática e do processo ensino-aprendizagem. Segue metodologicamente a linha de investigação em Eficácia Escolar, definindo Escola Eficaz como aquela que consegue o desenvolvimento integral de todos e de cada um dos seus alunos, mais do que seria esperado, tendo em consideração as suas características (conhecimento prévio, situação social, cultural e económica) ao entrar na escola (Mortimore, 1992; Ferrão et al., 2005). O projecto 3EM é da responsabilidade da Universidade da Beira Interior (UBI), concretamente do Departamento de Matemática e do Departamento de Psicologia e Educação e conta com o co-financiamento do Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior e da Fundação Calouste Gulbenkian.

Trata-se de um estudo longitudinal, no qual a recolha de dados se realiza no início e no final de cada ano lectivo. A população alvo é definida pelos alunos do 1º, 2º e 3º ciclos do Ensino Básico da região da Cova da Beira (concelhos de Covilhã, Fundão e Belmonte). Os níveis de ensino envolvidos no estudo no ano lectivo 2005/6, e que compõem o 1º coorte de alunos, foram os 1º, 3º, 5º, 7º e 8º anos. No ano lectivo 2006/7 procedeu-se ao acompanhamento destes alunos e entrou para o estudo um novo coorte do 1º, 3º, 5º, 7º anos de escolaridade.

A viabilidade do projecto depende integralmente da colaboração das escolas onde o trabalho de campo foi realizado. Essa colaboração foi institucionalizada através da celebração de protocolo entre a UBI e os Conselhos Executivos de Agrupamento de Escolas e de Escolas da região da Cova da Beira, onde funciona o 1º, 2º e 3º ciclos do Ensino Básico. Foi reservado o direito aos Encarregados de Educação de autorizarem os seus educandos a participar no estudo. Essa autorização foi comprovada por documento escrito. Adicionalmente, a Comissão Nacional de Dados de Pessoais decidiu pela não legalização e registo previstos na Lei nº67/98 dada “a natureza despersonalizada do tratamento,..., na medida em que não permite a identificação dos inquiridos”, considerando que a metodologia adoptada na recolha e tratamento dos dados assegura as medidas de segurança previstas no artº 15 daquela lei.

2. POPULAÇÃO E AMOSTRA

A distribuição do número de alunos na população alvo no ano lectivo 2004/5 segundo o ciclo é 3418 (1º ciclo), 1709 (2º ciclo) e 2602 (3º ciclo). A distribuição dos alunos do 1ºciclo na população alvo por tipo de turma é o seguinte: 62,5% dos alunos estudam em turmas simples{1} e os restantes em turmas mistas{2}. Após a análise da distribuição dos alunos do 1º ciclo por escolas e por turmas, verificou-se a necessidade de proceder a algumas exclusões dada a natureza longitudinal do estudo, que conduziram à redução da população alvo. Deste modo, foram excluídas as escolas com turmas simples onde não existiam em funcionamento turmas em todos os níveis de ensino e as escolas com turmas mistas com menos de 10 alunos. A aplicação destes critérios de exclusão reduz a população alvo do 1º ciclo, mas em termos de magnitude, o impacto destas restrições não é expressivo; a população estudada reduz-se a 83% da população alvo nas escolas com turmas simples e a 92% da população alvo nas escolas com turmas mistas.

O processo de amostragem adoptado em cada um dos ciclos é diferente, mas apresenta pontos em comum, nomeadamente a estratificação da população por Concelho e a amostragem por conglomerados. Assim, no 1º ciclo a população foi estratificada por Concelho e por tipo de turma, e no 2º e 3º ciclo as sub-populações foram estratificadas por Concelho. A selecção das turmas em cada escola fez-se de forma aleatória sistemática a partir da listagem ordenada das turmas fornecida pela escola.

A taxa de respostas global (n observado/n previsto) foi de 81%. O dimensionamento da amostra foi realizado para tolerar perdas entre 15% e 20% da amostra inicial, pelo que se pode considerar que esse objectivo foi alcançado e que o plano amostral foi bem sucedido (Vicente, 2006). O número de alunos da amostra observada para o 1º coorte é como segue: 309 alunos no 1º ano, 327 alunos do 3º ano, 306 alunos do 5º ano, 287 alunos do 7º ano e 248 alunos do 8º ano. Devido à ausência de três alunos do 7º ano e um aluno do 8º ano de escolaridade na data de realização do teste de matemática, excluiremos estes quatro alunos da análise que iremos realizar no âmbito deste trabalho. A amostra de alunos observados que compõe o 2º coorte é a seguinte: 382 alunos no 1º ano, 399 alunos do 3º ano, 360 alunos do 5º ano e 305 alunos do 7º ano. No quadro seguinte pode observar-se a participação dos alunos por Agrupamento/Escola.

Quadro síntese do número de alunos envolvidos no estudo, por Agrupamento/Escolas


Agrupamentos/Escolas

Amostra Observada

1ª Aplicação
(Inicio do Lectivo 2005/6)

2ª Aplicação
(Final do Lectivo 2005/6)

3ª Aplicação
(Inicio do Lectivo 2006/7)

4ª Aplicação
(Final do Lectivo 2006/7)

Pedro Álvares Cabral

185

188

361

352

Pêro da Covilhã

200

192

424

418

Teixoso

95

93

238

243

A Lã e a Neve

101

100

223

219

Entre Ribeiras

92

92

182

172

Tortosendo

166

162

356

330

Serra da Gardunha

190

185

365

365

João Franco

188

178

384

377

Terras do Xisto

41

39

110

106

Eugénio de Andrade{3}

22

22

79

78

ES/3 Campos Melo

35

34

47

43

ES/3 Quinta das Palmeiras

135

128

199

176

ES/3 Frei Heitor Pinto

27

24

62

54

Totais

1 477

1 437

3 030

2 933

Para além da participação dos alunos pudemos contar também com a colaboração dos professores de 1º ciclo e professores de matemática dos 2º e 3º ciclos, que leccionam às turmas que compõem a amostra. Tal como para os alunos, a recolha de dados realizou-se no início e no final de cada ano lectivo, através de questionários construídos para o efeito. No início do ano lectivo 2005/6 colaboraram no estudo 100 professores (60 de 1º ciclo, 13 de 2º ciclo e 27 de 3º ciclo), 9 dos quais entregaram o questionário em branco. Dos 101 professores que preencheram o questionário proposto no final do mesmo ano lectivo, 6 entregaram-no em branco. A diferença verificada entre o número inicial e final de professores que se encontram a participar no estudo para o 1º coorte de alunos (ano lectivo 2005/6), é justificada pelo facto de um professor que leccionava duas turmas ter sido substituído por dois professores distintos, um para cada uma delas.

3. INSTRUMENTOS APLICADOS

O processo de recolha de dados junto dos alunos foi realizado pela aplicação de testes de matemática, de instrumentos psico-cognitivos, nomeadamente a Escala da Percepção do Auto-conceito Infantil (PAI), a Escala Colectiva de Nível Intelectual (ECNI), o Self Description Questionnaire (SDQ-I), a Bateria de Provas de Raciocínio Diferencial (BPRD), de questionários sobre os antecedentes escolares e características socio-económicas e de questionários de processo ensino-aprendizagem.

A qualidade e a selecção dos itens de avaliação que melhor se adequam aos objectivos visados e às características da população em estudo ficaram asseguradas pela realização de uma fase de pré-testagem dos instrumentos e posterior análise dos dados. No 1º e 2º ciclo o pré-teste realizou-se no final do ano lectivo de 2004/5 com um conjunto de alunos do 1º, 3º e 5º anos. Relativamente ao 3º ciclo, o pré-teste de 7º e 8º anos foi aplicado aos alunos do 8º e 9º anos, respectivamente, no início do 2º período do ano lectivo de 2005/6{4}. No que diz respeito aos testes de matemática foram testados 40 itens seleccionados, para cada nível de ensino, de modo a representar os conteúdos programáticos/área temática na proporção do tempo que lhes é dedicado durante o ano.

Os instrumentos psico-cognitivos foram aplicados colectivamente e uma única vez por ano lectivo. Excepcionalmente para os alunos 1º ano, optou-se pela aplicação individual do instrumento ECNI, tendo em consideração as dificuldades, diagnosticadas na fase de pré-testagem dos instrumentos, inerentes a uma aplicação colectiva junto de alunos tão jovens.

A participação dos professores ocorreu pelo preenchimento de questionários de natureza contextual, sobre as suas características individuais e as características da escola, e de processo ensino-aprendizagem.

De seguida, será apresentada a descrição de cada um dos instrumentos aplicados quer aos alunos, quer aos professores que fazem parte do estudo.

3.1. Testes 3EMat

3EMat designa o conjunto de testes desenvolvidos para medir as competências dos alunos do Ensino Básico em Matemática, assunto tratado na Matriz de Referência de Matemática do projecto de investigação 3EM (2005). Esta matriz, é um documento que visa identificar os princípios que orientam a definição e a construção dos instrumentos de medida da aprendizagem da Matemática nos 1º, 2º e 3º ciclos do Ensino Básico. É constituído por descritores cujo objectivo final é estimar o desempenho em Matemática. Tais competências, associadas cada uma a um descritor específico da Matriz de Referência, estão presentes, de forma consensual, nos currículos nacionais Os testes 3EMat são constituídos por itens de resposta fechada, retirados aleatoriamente do banco de itens do projecto 3EM - BI-3EMat{5}. Estes testes têm como propósito a obtenção da estimativa da competência desenvolvida em Matemática no Ensino Básico, designada por desempenho, tentando garantir a comparabilidade espacial e temporal dos resultados. Na composição de cada teste foi assegurada a representatividade de todos os conteúdos programáticos previstos no currículo nacional, tendo em conta o peso de cada um e a complexidade das tarefas propostas. Os testes dos 3º, 5º, 7º e 8º anos contêm itens de 2º, 4º, 6º e 7º ano, respectivamente, o que permitirá a criação de uma escala vertical do desempenho a Matemática. O teste do 1º ano é composto por 30 itens sendo a sua aplicação individual, com uma duração média de 30 minutos. A aplicação dos testes dos 3º e 5º anos, cada uma com 30 itens, é colectiva e têm uma duração média de 50 minutos. As provas dos 7º e 8º anos são compostas por 33 itens divididos em duas partes, sendo uma delas realizada com a ajuda de calculadora. A sua aplicação é colectiva e está prevista para 90 minutos. A escolha dos itens que compõem cada um dos testes é baseada nos resultados do processo de calibração dos itens (Ferrão et al., 2006).

3.2. Escala Percepção do Auto-conceito Infantil (PAI)

A PAI é o nome de um instrumento desenvolvido por Sánchez y Escribano (1999a e 1999b) destinado à avaliação do auto-conceito de crianças entre os 3 e os 9-10 anos de idade (pré-primária e 1º ciclo do ensino básico). Trata-se de um instrumento de medida de fácil aplicação e correcção, com uma forma masculina e uma forma feminina. A aplicação pode ser tanto individual como colectiva, neste último caso em pequenos grupos, de oito a dez crianças. As instruções são acessíveis e os seus 34 itens são de resposta dicotómica, constituídos por figuras, em que algum dos actores, menino ou menina, realizam uma actividade que se pode considerar representativa de um auto-conceito positivo e representativa de um auto-conceito negativo, evitando os limites da linguagem escrita das crianças desta idade. Compreende um constructo geral, composto por dez dimensões, características do auto-conceito neste escalão etário da educação infantil e primeiro ciclo do Ensino Básico: autonomia, sentimento e independência; segurança, confiança em si mesmo na realização das tarefas; desportos e valia na competição; família, como se sente na relação com a família; escola/aula, numa actividade há pouco iniciada; social, o relacionamento social da criança; afectividade, como se sente geralmente (triste, alegre, etc.); auto-valorização, sentido competência própria; aspecto físico, aparência física; sentimento de possessão, de amigos, objectos, etc.

Após o trabalho de adaptação deste instrumento juntos dos alunos dos 1º e 2º ciclos da Cova da Beira, aos quais se realizou a pré-testagem dos instrumentos, optou-se por retirar o item 4 da prova, que além de uma correcção baixa com o total da escala, apresenta difícil compreensão por parte dos alunos (Loureiro et al., 2007).

3.3. Escala Colectiva de Nível Intelectual (ECNI)

A ECNI foi originalmente construída em França, por Pierre Benedetto, em 1965 (Échelle Collective de Niveau Intellectuel), sendo utilizada num inquérito psico-socio-pedagógico sobre a população escolar francesa de idades compreendidas entre os 6 e os 13 anos completos. A aferição desta escala à população portuguesa foi realizada com uma amostra de cerca de 3000 sujeitos, estratificada por idade, sexo, nível escolar, residência e meio socio-cultural, sendo representativa da população escolar do 1º e 2º ciclos do Ensino Básico (Miranda, 1982, 1983), e utilizada como uma medida de funcionamento cognitivo. A ECNI é uma bateria de testes de aptidões para medida compósita da aptidão geral, de aplicação colectiva e tipo papel e lápis, organizando-se em quatro níveis sucessivos: caderno I, destinado a alunos do 1º ano; caderno II, a alunos do 2º e 3º anos; caderno III, a alunos do 4º ano; e caderno IV, relativo aos alunos do 5º e 6º anos). A bateria dissocia aspectos verbais e não-verbais do funcionamento cognitivo, sendo composta por 7 sub-testes: Vocabulário, Compreensão de Frases, Matrizes, Um Elemento Diferente, Séries, Diferenças e Inclusão em Classe. Os 7 testes são comuns aos 4 cadernos, com excepção do “Um Elemento Diferente”, que não figura no caderno I. A resposta aos itens é dada no próprio caderno, por escolha múltipla, de entre seis alternativas, das quais só uma é correcta (Loureiro et al., 2006b).

3.4. Self Description Questionnaire (SDQ-I)

O SDQ-I (Marsh, 1988; Faria e Fontaine, 1990) tem por base uma definição de auto-conceito relativamente consensual, que considera o auto-conceito como a percepção que o sujeito tem acerca de si-próprio, incluindo as atitudes, sentimentos e cognições acerca das capacidades, competências, aparência e aceitabilidade social próprias. A estes aspectos juntam-se sete características que completam a definição e a ajudam a compreender, mostrando-nos o auto-conceito como uma realidade organizada e estruturada, multifacetada, hierarquizada, estável, desenvolvimental, avaliativa e diferenciável (Shavelson, Hubner & Stanton, 1976, Shavelson & Bolus, 1982, Faria e Fontaine, 1990). Trata-se de um instrumento de aplicação colectiva, constituído por 72 itens distribuídos por oito sub-escalas, que permitem aceder a quatro resultados globais: auto-conceito total, auto-conceito académico, auto-conceito não-académico e auto-conceito total. As sub-escalas são as seguintes: Competência Física e Desportiva, Aparência Física, Relação com os Pares, Relação com os Pais, Leitura / Domínio verbal, Matemática, Assuntos Escolares em Geral, Auto-conceito Global.

Da adaptação portuguesa (Faria & Fontaine, 1990) cabe destacar em primeiro lugar a oportunidade, dada a exiguidade de instrumentos dirigidos a escalões etários do Ensino Básico, e depois a qualidade da opção dado o referencial teórico do instrumento original a que aludimos anteriormente de forma sucinta. A versão portuguesa foi construída com recurso ao método da reflexão falada, garantindo-se a adaptação ao contexto cultural português. Do processo resultou a alteração da escala de avaliação que passou de 5 para 4 pontos: “Concordo totalmente”, “Concordo moderadamente”, “Discordo moderadamente” e “Discordo totalmente”. O número original de itens foi mantido. A cotação corresponde à soma do resultado em cada item, contando com a inversão dos itens formulados na negativa (Loureiro et al., 2006a).

3.5. Bateria de Provas de Raciocínio Diferencial (BPRD)

A BPRD (Almeida, 1986;1992) é um conjunto de testes cuja fundamentação radica na perspectiva cognitivista da inteligência, dando relevo à compreensão de processos cognitivos importantes para a resolução de problemas e para o processamento da informação e, subsequentemente, para o desempenho escolar. A BPRD (Almeida, 1992) aparece na sequência da aferição para a população portuguesa dos testes de Raciocínio Diferencial (TRD) de Meuris (1969) e é constituída por cinco testes que avaliam a capacidade de raciocínio segundo diferentes formatos: (1) verbal; (2) numérico; (3) espacial; (4) abstracto; e (5) mecânico. A prova de raciocínio numérico (NR – 30 itens) requer do sujeito muita concentração e um nível elevado de raciocínio analítico, uma vez que aqueles têm de inferir e aplicar relações entre números. Trata-se de uma prova formada por sequências numéricas que podem ser lineares ou alternadas, na qual os sujeitos têm de descobrir a regra de sucessão dos números e aplicá-la para continuar a série. São conteúdos que permitem avaliar a aptidão para lidar com números. O raciocínio abstracto (AR - 35 itens) tem por objectivo avaliar a capacidade de raciocínio puro e é formada por analogias entre figuras sem significado. Os sujeitos têm de apreender as relações entre dois elementos e descobrir uma quarta figura que enquadre a inferência efectuada. É uma prova próxima dos testes clássicos de factor g ou inteligência geral e permite controlar, até certo ponto, a influência de factores culturais no desempenho cognitivo. A prova de raciocínio verbal (VR- 40 itens) é formada por analogias entre pares de palavras e coloca em evidência a capacidade do sujeito para raciocinar de forma analógica. São utilizadas relações semânticas entre palavras e fazem apelo à aptidão verbal e ao raciocínio ou capacidade para estabelecer relações entre elementos. Uma outra prova, a de raciocínio espacial (SR – 30 itens) pretende evidenciar a capacidade de rotação mental e de percepção por reconhecimento de elementos figurativos; para que o sujeito tenha bons resultados tem de possuir uma boa percepção das formas e do movimento das mesmas no espaço. É uma prova que coloca em jogo a capacidade de reflexão e de concentração, bem como de resistência à fadiga. A prova de raciocínio mecânico, constituída por situações-problema, faz apelo a conhecimentos de Física e de Mecânica. Esta prova não faz parte da bateria de provas aplicadas aos alunos que participam no estudo, devido ao tempo disponível para aplicação – 90 minutos. (Simões et al., 2006)

3.6. Questionários aos alunos

Com aplicação prevista para o início do ano, os questionários sobre os antecedentes escolares e características socio-económicas dos alunos foram aplicados no 1º ciclo aos encarregados de educação ou outro elemento responsável pelo aluno. Os questionários de 2º ciclo foram preenchidos pelos próprios alunos com a ajuda da família, se tal fosse necessário. Relativamente ao 3º ciclo foi proposto o preenchimento dos questionários pelos alunos em sala de aula. Os questionários de processo ensino-aprendizagem foram aplicados no final do ano lectivo, em sala de aula, a todos os alunos que fazem parte do estudo.

Os questionários sobre os antecedentes escolares e as características socio-económicas dos alunos são compostos por 21 e 23 questões para os 1º e 3º anos, respectivamente, e por 24 questões para os 5º, 7º e 8º anos. Os questionários de processo ensino-aprendizagem são constituídos por 4 e 12 questões para os 1º e 3º anos, respectivamente, e por 18 questões para os restantes níveis de ensino. Em todos os questionários cada questão é composta por várias alíneas.

3.7. Questionários aos professores
A participação dos professores ocorreu pelo preenchimento de questionários sobre as suas características individuais e as características de escola (no início do ano lectivo), e de processo ensino aprendizagem (no final do ano lectivo). Estes questionários foram construídos tendo por base o primeiro relatório publicado do Projecto 3EM (Ferrão et al., 2005), e têm por objectivo aferir questões relacionadas com as características individuais dos professores e com o processo ensino-aprendizagem. O questionário sobre as características individuais dos professores é constituído por 32 questões. Quanto aos questionários de processo ensino-aprendizagem foram elaboradas duas versões, uma direccionada para os professores do 1º ciclo, com 30 questões, e a outra voltada para os professores de matemática dos 2º e 3º ciclos, contendo 31 questões.

Para os professores do 1º ciclo, a aplicação decorreu em sala de aula, no momento da aplicação das provas aos alunos. No que diz respeito aos professores de matemática que leccionam aos 2º e 3º ciclos, não foi possível estabelecer este tipo de abordagem, uma vez que, a maioria das aplicações dos instrumentos aos alunos não decorreu na aula de matemática. Tendo em conta esta limitação, os questionários foram entregues nos Conselhos Executivos das escolas, que ficaram responsáveis pela sua distribuição, tendo sido posteriormente recolhidos numa segunda passagem pela escola.

4. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA DO 1º COORTE

A caracterização que será apresentada nesta secção diz respeito aos dados recolhidos junto dos alunos e dos seus encarregados de educação, através de questionários sobre os antecedentes escolares e as características socio-económicas dos alunos, e respectivos professores. Algumas variáveis apresentam alguns valores omissos, fruto da não resposta de alguns inquiridos a questões pontuais. Por este motivo, os resultados apresentados são baseados nos casos válidos.

As variáveis analisadas relativamente aos alunos são as seguintes: sexo, tipo de turma no 1º ciclo do Ensino Básico, nível de escolaridade do encarregado de educação, retenção e pré-escola.

4.1. Sexo
A distribuição dos alunos por sexo relevou a predominância do sexo masculino, em todos os níveis de ensino, como se pode observar no gráfico seguinte.

Gráfico 1.  Distribuição dos alunos por sexo segundo nível de ensino

4.2. Tipo de turma no 1º ciclo do Ensino Básico
            Há medida que se progride no nível de ensino verifica-se um decréscimo (de 34 pontos percentuais entre os 1º e 8º anos) na percentagem de alunos que frequentam ou frequentaram turmas simples. Como podemos observar nos gráficos 2 e 3, para os 5º e 7º anos a frequência em turmas mistas excede em cerca de 12% a frequência em turmas simples. No 8º ano de escolaridade esta diferença é ainda mais evidente, apresentando valores na ordem dos 34%. No questionário direccionado aos alunos do 3º ciclo optou-se pela adição de uma terceira opção de resposta “Não me lembro”, dada a distância temporal que separa os dois ciclos de ensino. De facto, esta nova categoria representa, em média, cerca de 27% das respostas obtidas.

Gráfico 2 e 3. Distribuição dos alunos por tipo de turma no 1º ciclo segundo nível de ensino

4.3. Nível escolaridade do encarregado de educação

Para todos os níveis de ensino, verifica-se que a moda do nível de escolarização dos encarregados de educação se fixa no 2º ciclo do Ensino Básico. Os encarregados de educação dos alunos que frequentam o 1º ano são os que apresentam níveis de escolarização mais elevados (20% possuem como grau académico o “Ensino Superior” e 21% o “Ensino Secundário”). O gráfico 4 mostra, também, que a percentagem de encarregados de educação que completaram o 1º ciclo do Ensino Básico aumenta há medida que avançamos no nível de ensino, variando de 14%, para o 1º ano, a 20%, para o 8º ano. Por outro lado, a percentagem de encarregados de educação que não completaram o 1º ciclo revelou-se pouco significativa (2,4% para o 1º ano; 2,2% para o 3º ano; e 0,4% para os restantes níveis de ensino).

Gráfico 4. Nível de escolaridade do encarregado de educação segundo nível de ensino

De uma maneira geral, a frequência de turmas simples no 1º ciclo está associada a níveis mais elevados de escolarização dos encarregados de educação. Pela análise do gráfico 5 é simples comprovar esta tendência para os 1º, 3º e 7º anos. No caso particular do 5º ano assiste-se a uma distribuição igualitária pelas categorias, “Ensino Superior” e “3º ciclo do Ensino Básico”. Para os alunos que frequentam o 8º ano de escolaridade, verifica-se que 29% dos seus encarregados de educação apresentam como nível de escolarização o 2º ciclo e cerca de 23% declaram possuir habilitações ao nível do 3º ciclo do Ensino Básico.

Gráfico 5. Percentagem de alunos que frequentam ou frequentaram turmas simples no 1º ciclo
por nível de escolaridade do encarregado de educação segundo nível de ensino

Relativamente à frequência de turmas mistas, o nível de habilitação com maior representatividade é o 2º ciclo do Ensino Básico, para todos os níveis de ensino. Salienta-se, ainda, que cerca de 21% destes alunos (31% no caso do 3º ano de escolaridade), são provenientes de núcleos familiares onde o encarregado de educação não completou mais do que o 1º ciclo do Ensino Básico.

Gráfico 6. Percentagem de alunos que frequentam ou frequentaram turmas mistas no 1º ciclo por
nível de escolaridade do encarregado de educação segundo nível de ensino

4.4. Retenção
            No gráfico 7, pode observar-se que a percentagem de alunos não retidos diminui há medida que avançamos no nível de ensino (89%, 78%, 71% e 66% para os 3º, 5º, 7º e 8º anos). A retenção de um ou mais anos é mais pronunciada em níveis de ensino superiores, nomeadamente nos 7º e 8º anos, com valores na ordem dos 29% e 33%, respectivamente.

Gráfico 7. Percentagem de retenção dos alunos por nível de ensino

Por outro lado, a taxa de retenção é mais elevada para os alunos que frequentam ou frequentaram turmas mistas, para todos os níveis de ensino, com excepção do 8º ano de escolaridade. A diferença, de cerca de 10 pontos percentuais, observada no 8º ano, entre turmas simples e mistas ao nível da não repetência, pode ser justificada pelo decréscimo da influência do tipo de turma do 1º ciclo nas aprendizagens dos alunos ao longo da sua vida escolar. Os dois gráficos que se seguem reúnem a informação anteriormente descrita.

Gráfico 8. Percentagem de retenção dos alunos por tipo de turma segundo o nível de ensino (3º e 5º anos)

Gráfico 9. Percentagem de retenção dos alunos por tipo de turma segundo o nível de ensino (7º e 8º anos)

A relação entre o tipo de turma e a retenção dos alunos, quando controlada pelo nível de escolaridade do encarregado de educação, mostra que a percentagem de retenção dos alunos do 3º ano, que estudam em turmas mistas, diminui há medida que a qualificação académica dos encarregados de educação aumenta (40%, 32%, 20%, 12% e 6% - percentagem de retenção dos alunos segundo a escala crescente do grau académico dos encarregados de educação: não completou o 1º ciclo; 1º ciclo; 2º ciclo; 3º ciclo do Ensino Básico; Ensino Secundário). No caso particular dos alunos cujos encarregados de educação completaram o Ensino Superior verifica-se uma taxa de retenção de 25%. Salienta-se, ainda, o facto da percentagem de retenção não ultrapassar os 6% para os alunos que estudam em turmas simples.

Gráfico 10. Percentagem de retenção dos alunos do 3º ano por tipo de turma segundo o nível de escolaridade
do encarregado de educação

 

 

 

 

 

 

 

 

De modo análogo, os dados relativos aos alunos de 5º ano apontam para uma diminuição da percentagem de retenção dos alunos, que frequentaram turmas mistas no 1º ciclo, há medida que o grau académico dos encarregados de educação aumenta (100%, 40%, 29%, 33%, 12% - percentagem de retenção dos alunos segundo a escala crescente do grau académico: não completou o 1º ciclo; 1º ciclo; 2º ciclo; 3º ciclo do Ensino Básico; Ensino Secundário). No entanto, a percentagem de retenção dos alunos que frequentaram turmas simples apresenta valores mais elevados, em relação ao 3º ano de escolaridade analisado anteriormente (32%, 25% e 10% dos alunos cujos encarregados de educação completaram o 1º ciclo, o 2º ciclo e o 3º ciclo do Ensino Básico, respectivamente, repetiram de ano), como se pode observar no gráfico que se segue.

Gráfico 11. Percentagem de retenção dos alunos do 5º ano por tipo de turma segundo o nível de escolaridade
do encarregado de educação

4.5. Pré-escola

A frequência da pré-escola prolonga-se, na maioria dos casos (entre 45% e 57%, para os 5 níveis de ensino), por mais de 3 anos. Os valores observados para a não frequência de pré-escola crescem há medida que se avança no nível de ensino, não ultrapassando, no entanto, os 12,5%. Destaca-se ainda o facto da frequência de pelo menos um ano de pré-escola se situar entre os 75% e os 92%.

Gráfico 12. Distribuição dos alunos que frequentaram a pré-escola segundo nível de ensino

No que diz respeito aos professores foram estudadas as seguintes variáveis: sexo, idade, grau académico e experiência docente.

4.6. Sexo

A distribuição dos professores por sexo revela a existência de um maior número de professores do sexo masculino para o 2º ciclo de ensino (54%). Para os outros dois ciclos de ensino é evidente a predominância de professores do sexo feminino (70% para o 1º ciclo e 85% para 3º ciclo).

Gráfico 13. Distribuição dos professores por sexo segundo ciclo de ensino

4.7. Idade

Quanto à idade, pode observar-se no gráfico 14, que 66% dos professores de 1º ciclo apresenta idade superior a 45 anos. Relativamente ao 2º ciclo, esta variável exibe duas classes modais (“30 a 34 anos” e “50 a 54 anos”), representando cada uma 25% dos dados. No que diz respeito ao 3º ciclo, 74% do corpo docente declara possuir idade inferior a 39 anos.

Gráfico 14. Distribuição dos professores por idade segundo ciclo de ensino

4.8. Grau académico

No que diz respeito ao grau académico, a maioria dos professores inquiridos (entre 64,9, para o 1º ciclo, e 87% para o 3º ciclo) apresentam como habilitação mais elevada a licenciatura ou equiparado. Outro dado a destacar é a ausência de professores do 1º ciclo com doutoramento/mestrado. Por outro lado, a percentagem de professores de 2º e 3º ciclo com doutoramento/mestrado não excede os 17%.

Gráfico 15. Distribuição dos professores por grau académico segundo ciclo de ensino

4.9. Experiência docente

Ao nível da experiência docente, 86% dos professores de 1º ciclo declararam possuir mais de 15 anos de serviço. Para o 3º ciclo, a classe modal “de 8 a 15 anos” expressa cerca de 61% dos dados. Os professores mais jovens, com 2 a 7 anos de actividade docente, representam entre 5,4% a 17% dos inquiridos neste estudo.

Gráfico 16. Distribuição dos professores quanto ao número de anos de docência
segundo ciclo de ensino

5. DISCUSSÃO

Tendo em consideração os objectivos deste trabalho, foram apresentados os aspectos metodológicos do projecto, nomeadamente o plano amostral, os instrumentos aplicados para a recolha de dados, a caracterização longitudinal do estudo, a análise descritiva do 1º coorte de alunos, no que diz respeito às suas características pessoais (sexo, trajectória escolar e nível de escolaridade dos encarregados de educação) e respectivos professores. A caracterização dos professores realizou-se por meio de variáveis, tais como: sexo, idade, grau académico e experiência docente.

Os trabalhos de investigação do projecto 3EM têm sido desenvolvidos de acordo com o previsto. Nestes termos, os trabalhos metodológicos em curso versam sobre temas, tais como: a construção do índice socio-económico e cultural no estudo 3EM; a construção de índices de clima de aula, de expectativas do professor, de feedback e reforço das aprendizagens e de prática pedagógica; a inclusão do erro de medida no modelo de valor acrescentado; e a equalização vertical das escalas de desempenho escolar.

Os dados do 1º coorte também estão a ser utilizados no âmbito de dissertações de mestrado e doutoramento para estudar temas tais como: expectativas e desempenho escolar; influência de variáveis cognitivas e socio-cognitivas nos resultados escolares a Matemática; e liderança, clima e participação dos professores.

 

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{1} Turma composta por alunos que frequentam o mesmo nível de ensino.

{2} Turma composta por alunos que frequentam níveis de ensino diferentes.

{3} No ano lectivo 2006/7 o Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade extinguiu-se, fazendo actualmente parte do Agrupamento de Escolas Serra da Gardunha.

{4} O alargamento do projecto 3EM ao 3º ciclo do Ensino Básico foi possível graças ao financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian, decisão tomada em Outubro de 2005.

{5} Hambleton e Swaminathan (1985) definem por banco de itens um número substancial de itens agrupados por objectivos, habilidades ou tarefas, que podem ser usados para construir provas, tendo por finalidade a medição de um factor latente. Dispor de um banco de itens calibrado permite estimar o nível das competências dos alunos a partir de um conjunto pequeno e representativo de itens, possibilitando a realização de avaliações adaptadas às características dos sujeitos pela selecção dos itens que melhor se ajustam ao seu nível.