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AVALIAÇÕES EXTERNAS E ENSINO FUNDAMENTAL: DO CURRÍCULO PARA A QUALIDADE OU DA “QUALIDADE” PARA O CURRÍCULO?

Na década de 90 teve inicio a primeira avaliação nacional em larga escala no Brasil: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - Saeb. A criação de um sistema para avaliar a proficiência dos alunos em língua portuguesa e matemática em nível nacional foi rapidamente seguida pela criação de Sistemas Estaduais de Avaliação.

É possível identificar alguns momentos dentro da consolidação dos Sistemas de Avaliação em Larga Escala no Brasil: o primeiro momento em que foi criado um exame amostral nacional com baixo nível de responsabilização (Saeb); a criação de sistemas estaduais de avaliação ainda frágeis e sujeitos a questões político-partidárias e com problemas de continuidade; o inicio da utilização de técnicas estatísticas mais apuradas; a criação de uma avaliação nacional censitária com resultados por escola (Prova Brasil); a criação de um indicador de desempenho da educação básica (IDEB); a consolidação dos Sistemas Estaduais de Avaliação e criação de índices estaduais de desempenho; o aumento da responsabilização em razão das novas informações disponíveis e dos programas de monitoramento para o alcance de metas de desempenho.

O presente artigo tem por objetivo discutir a relação desse processo com o currículo escolar do ensino fundamental. Desse modo, o texto está organizado em quatro seções das quais a primeira é esta breve introdução, a segunda debate as repercussões da Prova Brasil no currículo escolar, a terceira apresenta a evolução dos sistemas estaduais de avaliação em larga escala e sua relação com o currículo escolar e a quarta traz alguns comentários finais.

1. A PROVA BRASIL E O CURRÍCULO ESCOLAR

A Anresc (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar), popularmente conhecida como Prova Brasil, é uma avaliação censitária aplicada aos estudantes de 5º e 9º anos do ensino fundamental público. A avaliação é realizada a cada dois anos e tem por base conhecimentos, habilidades e competências em Língua Portuguesa com ênfase em leitura e Matemática com foco na resolução de problemas.

A Prova Brasil foi aplicada pela primeira vez em novembro de 2005 e foi concebida com intuito de fornecer dados mais detalhados de modo a complementar as informações já oferecidas pelo Saeb.

O Saeb foi criado com o objetivo de traçar um diagnóstico da qualidade da educação básica e possui matrizes de referência elaboradas a partir de uma síntese de propostas curriculares estaduais, municipais e os PCNs. Assim, buscou-se ter como base a parte comum dos currículos vigentes no país. Os resultados não são calculados para escolas e mesmo em nível individual uma vez que essa avaliação possui caráter amostral. Logo, o Saeb é uma avaliação que promove o diagnóstico, mas não promove responsabilização. Segundo Bonamino e Sousa (2012) por essa razão tem pouca interferência no cotidiano escolar e no currículo.

A Prova Brasil avança no sentido de ampliar o diagnóstico e possibilitar o cálculo de resultados por escolas e a nível individual. A Prova Brasil permite obter resultados médios de desempenho para Brasil, regiões, unidades da federação, municípios e escolas participantes. Logo, expande o alcance do SAEB que, por ter caráter amostral, não permite a responsabilização de professores, gestores e até dos próprios alunos uma vez que não há como separar a influência das políticas estaduais das iniciativas dos gestores municipais e das ações no âmbito da escola.

A responsabilização só pode ocorrer com resultados de avaliações universais que sejam amplamente divulgados e que possam ser calculados por escola. Desta forma, a Prova Brasil permite um olhar ampliado sobre as redes de ensino e gera accountability.

Ao analisar a Prova Brasil, deve-se destacar sua importância como componente do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O índice foi criado com o propósito de tornar possível o monitoramento das escolas públicas brasileiras, permitindo a identificação e o acompanhamento de escolas com baixo desempenho médio de seus alunos. Um sistema educacional que reprova sistematicamente seus estudantes fazendo com que grande parte deles abandone a escola antes do tempo não é desejável. Tampouco pode ser considerado satisfatório um sistema que aprove seus alunos ao mesmo tempo em que permite que estes saiam da escola sem ter adquirido o nível de conhecimento apropriado (FERNANDES, 2007).

Fazia-se necessário ter um indicador que pudesse combinar as informações referentes ao desempenho dos alunos com as de fluxo escolar (promoção, repetência e evasão).  O cálculo do índice se dá por meio da combinação das notas padronizadas da Prova Brasil (indicador de proficiência) e da taxa média de aprovação dos alunos (indicador de fluxo escolar).

Desse modo, a Prova passou a ter uma importante participação na gestão da educação nos estados e municípios: sua utilização pelo governo federal para o acompanhamento e o monitoramento de programas públicos voltados para a educação básica.

Essa é uma ligação indireta com os municípios uma vez que se dá por meio do IDEB. Com o IDEB, os sistemas municipais, estaduais e federal de ensino têm metas de qualidade para atingir. Estipulou-se que o sistema de ensino brasileiro deverá atingir em 2021 um IDEB igual a 6 para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

De acordo com essas metas, cada sistema deverá evoluir partindo de pontos distintos e considerando um esforço maior daqueles que estão em pior situação, a fim de que haja uma melhoria na qualidade da educação e diminuição das desigualdades observadas. A definição da meta de IDEB igual a 6,0 para os anos iniciais do ensino fundamental foi definida tomando-se como padrão de qualidade o desempenho médio dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) no Pisa.

A partir da análise do IDEB, o MEC aumentou os repasses de recursos aos municípios com melhor desempenho por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e, no caso dos municípios com piores resultados ofereceu apoio técnico e/ ou financeiro, são os denominados municípios prioritários. São prioritários 1.822 municípios definidos a partir dos seus IDEBs de 2005 e 2007{1} e os municípios integrantes do GT Capitais e Grandes Cidades. O aporte de recursos se deu a partir da adesão ao Compromisso Todos pela Educação e da elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR). O IDEB é também utilizado como critério para que as escolas sejam consideradas prioritárias para receber assistência técnica e financeira por meio do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola).

Desse modo, o IDEB é atualmente o principal indicador de desempenho da educação básica, utilizado em diversos programas do MEC e mesmo em alguns programas locais.  Por essa razão é importante para os municípios “ter IDEB”. Como um componente do índice é a Prova Brasil, participar da avaliação se torna fundamental para a participação em programas federais.

A nota da Prova Brasil adquire, portanto, um papel que vai muito além da função de ser um instrumento a mais no processo avaliativo, um elemento que permite um olhar mais amplo sobre o sistema educacional, comparações entre escolas da mesma rede e mesmo entre redes. A questão é que devido à importância adquirida pela Prova tem se dado muito valor ao resultado e pouco a sua interpretação e sua possível contribuição para a qualidade da educação. A Prova Brasil, como qualquer avaliação educacional, não é um fim em si mesmo. Caso professores, gestores e formadores não se apropriem dos seus resultados pouco irá contribuir para a melhora da educação.

É nessa perspectiva que se espera que haja interface entre a Prova Brasil e a escola: a perspectiva de ser uma avaliação externa em que são cobradas competências básicas de português e matemática. Isto é, competências que se espera que toda criança que esteja na escola adquira naquele nível de ensino independente de outras componentes curriculares e de especificidades regionais e locais. Logo, os resultados interpretados por meio das escalas de proficiência são um indicador da aquisição ou não de determinadas competências pelos alunos avaliados, o que pode fazer com que um professor ou mesmo toda uma rede de ensino perceba falhas no processo de ensino-aprendizagem, promova a autoavaliação e reveja sua prática/ estratégia de ensino.

Destarte, as principais perspectivas de contribuição da Prova Brasil no que concerne a unidade escolar são a retroalimentação do processo pedagógico e a revisão da política da escola. A retroalimentação do processo consiste em repensar/ modificar práticas em função da autoavaliação promovida pela discussão dos resultados da Prova. Já a contribuição para a política da escola se dá após a reflexão a respeito dos resultados e a incorporação de dados das avaliações externas ao planejamento e aos documentos internos da escola, entre eles, o currículo.

Strasburg (2010) critica a Prova por contribuir para uma já existente hierarquização das componentes curriculares. O Currículo Escolar estabelece um elo entre os princípios e a prática, incluindo tanto a matéria a ser ministrada quanto características regionais. É formado por uma base nacional comum, para o ensino fundamental, contém: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Historia e Geografia, além do ensino de Artes, Educação Física, Língua Estrangeira e, facultativo, Ensino Religioso. Não se devem priorizar componentes curriculares com objetivo de “reforçar” o conteúdo a ser avaliado por avaliações externas. Silva e Lira (2011) analisaram os impactos do IDEB numa escola municipal de Campina Grande no estado da Paraíba e um dos resultados foi de fato a orientação por parte da supervisão da escola para que os professores “deixem de lado” outras disciplinas caso considerem necessário reforçar os conteúdos cobrados pela Prova Brasil.

Como exposto, a matriz de competências da Prova Brasil abrange competências básicas e não deve ser vista como proposta de currículo e nem ser utilizada como tal. A avaliação tem por objetivo promover o diagnóstico, o monitoramento e a responsabilização com objetivo final de promover o aumento da proficiência dos alunos e consequentemente a qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

A interferência da Prova nas práticas de ensino e possivelmente no currículo é natural caso se identifique que competências básicas não estejam presentes no plano de ensino ou não estejam sendo assimiladas de modo satisfatório. O que se espera é que por meio de um currículo que contemple competências básicas, valores culturais, artísticos, especificidades regionais e locais se alcance uma educação de qualidade.

No entanto, alguns estudos identificam o processo em contramão: em busca de melhores resultados na Prova (“qualidade”), algumas redes têm feito alterações em seus currículos e na sua organização escolar como se a aquisição do então considerado básico fosse sinônimo de qualidade da educação. Uma educação de qualidade promove sim a aquisição de competências básicas e nesse sentido a Prova Brasil é um instrumento que pode auxiliar no diagnóstico da qualidade da educação, mas existem outras dimensões a serem contempladas e mesmo a aquisição de outras competências que são essenciais à formação dos alunos.

Vieira e Vidal (2011) analisaram o IDEB e seus impactos na gestão de dez municípios do Estado do Ceará. Realizou-se pesquisa de campo para identificar fatores explicativos dos resultados dos municípios e impactos na política municipal de educação e se identificou oito impactos/ações comuns nos municípios visitados, entre eles a aceitação incondicional do IDEB, uma busca por melhorar o índice municipal e a redução das propostas curriculares as matrizes da Prova Brasil.

Freitas e Ovando (2011) acompanharam avaliações educacionais em municípios sul-mato-grossenses e sua relação com o IDEB municipal.  Ao descrever o processo na cidade de Bonito, apresentam a avaliação feita pela SME da cidade e afirmam que os itens para a composição das provas são construídos com base no referencial curricular, materiais específicos da região e nas matrizes da Prova Brasil. No entanto, as autoras destacam que os dirigentes afirmaram não ser intenção das avaliações próprias o treinamento para as avaliações nacionais.

Pereira e Mori (2011) analisaram a proposta curricular e o desempenho dos alunos da 8ª série do ensino fundamental das escolas estaduais do Paraná na Prova Brasil. Nesse trabalho são apresentadas algumas falas de entrevistados e uma das professoras afirmou que “tenta” trabalhar com a diversidade de textos avaliados pela Prova Brasil, mas não tem “dado conta”. Fica evidente a interferência da Prova no conteúdo ministrado em sala de aula, mas no sentido de expandir o que está sendo ensinado e não na perspectiva reducionista.

Os autores concluíram que a organização curricular é coerente com o que tem sido avaliado na Prova Brasil e ressaltaram que somente ter um currículo em conformidade com as competências básicas cobradas não é garantia de bons resultados uma vez que a qualidade da mediação tem impacto significativo no processo de ensino-aprendizagem.

Silva e Lira (2011) analisaram os impactos da avaliação em Campina Grande e encontraram três efeitos: a implantação de uma reunião de planejamento semanal, a preparação dos alunos para a Prova Brasil e a reformulação de um programa municipal de reforço escolar em função dos resultados do IDEB. Ao considerar que houve aumento do planejamento e reformulação de um programa pode se imaginar que está sendo realizado um trabalho pedagógico com base nos resultados, mas o relato das autoras segue outra direção: nas reuniões de planejamento há orientação para o uso de questões parecidas com as da Prova Brasil, reorganização dos conteúdos, reforço da importância de elevar o IDEB etc. Já o programa reformulado, chamado PAPEII antes oferecia reforço escolar no contraturno aos alunos das escolas municipais. Atualmente, oferece suporte pedagógico apenas para as escolas com baixo IDEB para “focar o esforço do município”.

Almeida, Tenório e Schmitz (2011) avaliam os impactos da aplicação da Prova Brasil na rede escolar do município de Teodoro Sampaio na Bahia e apresentam como resultados a alteração da abordagem de conteúdos, aplicações de avaliações com formato semelhante à Prova Brasil, maior exigência nas avaliações e treinamento para a próxima edição da Prova.

Ovando (2011) analisou os impactos da avaliação nacional em larga escala na política educacional de dez municípios sul-mato-grossenses e ao considerar a dimensão do currículo 60% dos gestores entrevistados afirmaram ter alterado o currículo em função dos resultados da Prova Brasil.

Além das interferências apresentadas, o Saeb e a Prova Brasil promoveram a difusão de uma “cultura avaliativa”, de práticas de responsabilização e a criação de avaliações externas em nível estadual e mesmo local. Atualmente, cerca de catorze estados brasileiros e algumas capitais já possuem sistemas próprios para avaliar as suas redes de ensino, produzindo resultados por escola.

Além disso, as redes já avançaram também na criação de índices locais, influenciadas e incentivados pela criação do IDEB em nível nacional, alguns estados, incluindo Pernambuco (Idepe), Amazonas (Ideam), São Paulo (Idesp), Ceará (IDE-Alfa), Rio de Janeiro (Iderj), e os municípios do Rio de Janeiro (IDE-Rio), São Paulo (Indique) e o Distrito Federal (IDDF) já criaram indicadores desse tipo.

Segundo Castro (2009), o desenvolvimento de sistemas regionais ou locais de avaliação, em articulação com o sistema nacional, apresenta algumas vantagens. Primeiro, eles permitem uma investigação mais aprofundada sobre as especificidades regionais ou locais, o que não é possível no SAEB e na Prova Brasil.

Em segundo lugar, eles possibilitam coletar informações de interesse do gestor da rede, o que tampouco é possível em uma avaliação nacional. Só sistemas descentralizados conseguem analisar cada uma das escolas e identificar o que elas precisam para melhorar o desempenho dos alunos, considerando as características de cada uma.

A introdução de avaliações externas em outras esferas de governo e sua interferência no currículo escolar será discutida na próxima seção.

2. AS AVALIAÇÕES ESTADUAIS E O CURRÍCULO ESCOLAR

Os primeiros Estados a criarem sistemas de avaliação próprios foram Minas Gerais e Ceará, ambos em 1992. Nesse ano surgiram as primeiras versões do SIMAVE (Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública) e do SPAECE (Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará).

Os dois Sistemas começaram com provas de português e matemática para algumas séries do Ensino Fundamental (3ª série no SIMAVE, 4ª e 8ª séries no SPAECE). O SPAECE começou sendo aplicado apenas na cidade de Fortaleza numa amostra de 156 escolas estaduais e 14. 600 alunos, enquanto o SIMAVE já começou com a participação de alunos de todas as escolas do Estado, totalizando 311.451 alunos da 3ª série do Ensino Fundamental.

Os dois Sistemas passaram por mudanças ao longo da década de 90, o SIMAVE teve suas avaliações realizadas a cada dois anos, avaliações censitárias que incorporavam outras informações através de questionários respondidos por alunos, professores e diretores. Em 1998, com a implantação da progressão continuada nas escolas, todas as séries do ensino fundamental passaram a fazer a avaliação.

O SPAECE também foi sendo gradativamente ampliado, primeiro passou da cidade de Fortaleza para 14 municípios sedes das então chamadas Delegacias Regionais de Educação (Dere), depois teve expansão para escolas estaduais de todas as cidades do Ceará (2003) até chegar ao ano de 2004, quando incorporou também a rede municipal e avaliou 187.577 alunos das 4ª e 8ª séries do ensino fundamental (Vieira, 2007).

Ao longo da década de 90, outros estados tiveram as primeiras experiências de avaliação educacional em larga escala, entre eles, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em geral, o objetivo da criação desses sistemas era ter um perfil dos alunos, identificar pontos críticos no processo de ensino-aprendizagem e por meio da aferição do desempenho escolar gerar subsídios para a formulação de políticas educacionais.

No entanto, as primeiras iniciativas de avaliação educacional dos sistemas estaduais apresentaram dificuldades no tocante a continuidade. A política educacional ainda estava bastante ligada a questões partidárias e nem sempre boas políticas eram levadas adiante. Nesse sentido, os sistemas de avaliação foram suspensos em alguns estados por alguns períodos em geral por questões partidárias e pela falta de consenso entre técnicos e professores em relação à utilização da avaliação em larga escala.

No final dos anos 1990 e inicio dos anos 2000, vários estados criaram o seu próprio sistema de avaliação educacional e outros aprimoraram a parte técnica da avaliação. Nesse período foram criados o Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco - SAEPE, o Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo - PAEBES, o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro - SAERJ, o Sistema de Avaliação do Desempenho das Instituições Educacionais do Sistema de Ensino do Distrito Federal - SIADE e o Sistema Estadual de Avaliação da Aprendizagem Escolar - SEAPE.

Foi o momento da consolidação dos sistemas estaduais de avaliação e da introdução do uso de técnicas estatísticas mais elaboradas. Assim, teve inicio a utilização da metodologia de analise e interpretação dos dados Teoria de Resposta ao Item (TRI). A utilização dessa técnica teve inicio na edição de 1995 do SAEB e logo foi adotada pelos estados.

Depois da incorporação dos sistemas de avaliação como instrumentos de gestão, a questão da aprendizagem e a melhoria dos resultados escolares aparecem como objetivos principais dos sistemas educacionais. De forma isolada ou em conjunto com outras informações, os resultados gerados pelos sistemas estaduais de avaliação educacional estão sendo usados para finalidades que variam entre a criação de indicadores estaduais de desenvolvimento educacional (inspirados pela criação do IDEB) até a premiação e avaliação de professores e diretores de escolas.

É o início do que Bonamino e Sousa (2012) chamam de terceira geração de políticas de avaliação em larga escala. Segundo as autoras, tivemos três gerações dessas políticas: a primeira geração teve como base o SAEB e se caracterizou pelo caráter de diagnóstico da qualidade sem consequências diretas para a escola e o currículo; a segunda geração teve por base a Prova Brasil e contemplou a devolução de resultados para as escolas, dando inicio a algumas interferências no currículo como exposto na seção anterior; a terceira geração envolve as avaliações que referenciam políticas de responsabilização contemplando sanções ou recompensas em decorrência do resultado das escolas.

O objetivo desse artigo é discutir os impactos dessas avaliações no currículo escolar e por essa razão se deu a análise de alguns documentos de apresentação e das matrizes de referência de alguns exames estaduais{2} e o levantamento de estudos do uso dos resultados dessas avaliações. Foram consultados os sites das Secretarias de Educação estaduais, o site do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora - CAED / UFJF, informes das avaliações selecionadas e documentos elaborados para formação de professores. A seleção das avaliações se deu em função da disponibilidade dos documentos, portanto, acessibilidade. Todos os sites das 27 secretarias estaduais foram consultados.

A análise documental buscou identificar os objetivos de cada sistema de avaliação, os elementos que basearam a elaboração da matriz de referência e a existência de diferenciação explícita entre currículo e matriz de referência nos documentos de apresentação das avaliações. No tocante aos objetivos, todos os documentos analisados incluem o diagnóstico do sistema público de educação, a coleta de informações para o monitoramento de políticas e o fornecimento de elementos para análise pedagógica e revisão de práticas. Muitos desses sistemas têm sua aplicação feita pelo CAED/UFJF e, por essa razão, os documentos de apresentação têm estrutura semelhante.

Ao considerar os documentos que nortearam a elaboração da matriz de referência das avaliações, em geral os documentos citam os currículos estaduais, os PCNs e alguns deles a consulta a professores da rede e especialistas em educação. Em todos os documentos consultados havia referência ao uso das matrizes do SAEB / Prova Brasil para a definição dos conteúdos cobrados nas avaliações estaduais. Esse é mais um efeito indireto da Prova Brasil no currículo uma vez que sua matriz é tida como base para a elaboração das matrizes estaduais que interferem no currículo das escolas.

A terceira questão analisada, a diferenciação explícita entre matriz de referência e currículo chamou a atenção: todos os documentos contêm explicitamente essa diferenciação seja sob a apresentação “matriz curricular x matriz de referência”, “Proposta curricular x matriz de referencia” ou mesmo com orientações claras para a não redução da proposta curricular a matriz de referência Fica evidente que há preocupação por parte das Secretarias de Educação com esse possível efeito das avaliações estaduais.

Destarte, as propostas dos sistemas de avaliação estaduais são bem parecidas com a da avaliação nacional (Prova Brasil) no que concerne aos objetivos, estrutura e competências avaliadas. A diferença se dá por meio da divulgação e uso dos resultados, o que também diferencia o impacto no currículo escolar.

Ao considerar as diferentes formas de uso dos resultados cabe destacar a questão do monitoramento e estabelecimento de metas evidenciada pela criação recente de indicadores, incentivados pelo IDEB, alguns estados, incluindo Pernambuco (Idepe), Amazonas (Ideam), São Paulo (Idesp), Rio de Janeiro (Iderj) e o Distrito Federal (IDDF) criaram indicadores desse tipo. Uma exceção ao modelo geral de cálculo é o indicador do Estado de São Paulo, o Saresp. Ele capta também a equidade das estratégias educacionais usadas por meio da inclusão de uma medida da distribuição dos alunos por faixa ou categoria de desempenho.

Entre as diferentes formas do uso dos resultados e do alcance dos índices estaduais estipulados destacam-se o Acordo de Resultados do Estado de Minas Gerais, o Programa Escola Nota 10 do Estado do Ceará e a bonificação por desempenho do Estado de São Paulo como as iniciativas de maior grau de responsabilização.

Segundo a SEPLAG-MG, o Acordo de Resultados é um instrumento de avaliação de desempenho institucional que direciona o Governo para a busca de resultados. Desse modo, “constitui-se em uma das mais importantes e desafiadoras iniciativas do Projeto Estruturador Choque de Gestão, no qual metas institucionais a serem cumpridas e resultados a serem alcançados são pactuados”.

O segundo Acordo de Resultados foi assinado pela Secretaria Estadual de Educação em junho de 2007. O Acordo, celebrado na nova perspectiva de Estado para Resultados, suspende o Acordo de 2003 e cria indicadores com maior grau de detalhamento, metas com percentuais a serem alcançados e não somente a meta de “aumentar a qualidade” como no anterior. Além disso, O Acordo tem medidas de avaliação de desempenho dos docentes. Os profissionais que forem bem avaliados e contribuírem para que as metas gerais sejam alcançadas recebem prêmios por produtividade.

O Estado do Ceará instituiu o “Prêmio Escola Nota Dez”, através da Lei 14.371 de junho de 2009. Inicialmente a Lei previa um prêmio destinado para até 150 escolas públicas considerando os critérios de ter pelo menos 20 alunos matriculados no 2º ano do ensino fundamental regular e ter o IDE-Alfa situado no intervalo entre 8,5 e 10,0. Além disso, garantia incentivos financeiros para até 150 escolas com os menores IDE-Alfa. Assim o Prêmio seguia a mesma lógica do IDEB aumentando os recursos destinados as melhores escolas e auxiliando as com pior resultado.

Em 2011 foi  aprovada a Lei Estadual 15.052, que disciplina o Prêmio Escola Nota Dez e revogada a legislação anterior, a nova legislação determina que a cada ano sejam premiadas até 150 escolas públicas do segundo e do quinto ano do Ensino Fundamental, também serão beneficiadas as escolas públicas com menores resultados nas avaliações do SPAECE do segundo e quinto anos.

No Estado de São Paulo, o Bônus Mérito foi instituído no inicio do ano 2000 e reformulado ao longo da última gestão, sendo atrelado aos resultados do SARESP e metas do IDESP. Logo, o benefício é pago a todos os trabalhadores de uma unidade escolar caso a escola cumpra a meta do IDESP. O valor é calculado de forma proporcional ao cumprimento da meta e por ciclo de ensino, portanto, em uma mesma escola os professores de um ciclo podem receber o bônus e os professores de outro ciclo não receberem. Isto acontece quando um grupo de alunos consegue atingir a meta e outro não. A direção escolar recebe proporcionalmente à porcentagem de alunos de sua unidade que atingiu a meta. A diretoria de ensino recebe a média de sua região. E os funcionários da Secretaria Estadual de Educação - SEE recebem a média do estado.

Junqueira (2008) afirma que há um efeito “choque” quando o professor percebe que seus colegas receberam o pagamento extra e ele não. Nestes casos, as direções escolares, os professores coordenadores e os próprios docentes são pressionados a mudar suas estratégias didáticas. A mudança mais comum é a aceitação do currículo único e o direcionamento das aulas para as habilidades e competências exigidas nele.

Como ressaltado pelo autor, houve a introdução de um currículo único em SP em 2007. A SEE optou por um currículo como uma “matriz de competências e habilidades”. Esta matriz foi discutida em um processo centralizado. Uma seleção de especialistas em cada disciplina elaborava uma proposta inicial. As propostas ficavam abertas no site da secretaria para receber sugestões da rede e depois de algum tempo a secretaria escolhia as sugestões a serem postas em prática. A partir da proposta curricular única, houve desenvolvimento de material pedagógico padronizado para alunos e professores por disciplina.

Freire (2008) investiga o impacto do SARESP em uma escola estadual e um dos resultados apresentados é a existência de questões do SARESP na prova da escola com a intenção de preparar os alunos. Segundo o autor essa prática pode sinalizar uma conformação de currículo, mas há que se ressaltar também o lado positivo da prática que seria a discussão de novas práticas a partir do baixo desempenho nas questões da prova interna da escola. Como questionado por Sousa e Arcas (2010): se a SEE explicita que as matrizes do SARESP se constituem em um recorte do currículo, um trabalho pedagógico que tem essa avaliação como referência central não limita o desenvolvimento do currículo?

Os autores alertam ainda que a preocupação em ensinar todos os conteúdos presentes no currículo unificado em um tempo pré-determinado pode comprometer uma das noções mais elementares do trabalho pedagógico: os tempos de aprendizagem. A flexibilidade curricular necessária para atender as necessidades e ritmos diferenciados fica comprometida.

Não foi somente em São Paulo que houve alteração formal do currículo com objetivo de atrelar a avaliação em larga escala e obter melhores resultados nos índices estaduais. Com o objetivo de focar nos conteúdos cobrados nas avaliações e construir um dialogo com o professor e unidades escolares vários estados apresentam iniciativas de currículo comum mínimo para cada série. Assim surgiram os currículos mínimos no Estado do Rio de Janeiro, o Currículo Básico Comum em Minas Gerais e a Base Curricular Comum em Pernambuco. É uma tentativa de aproximar os currículos das matrizes de referência e seus descritores, o que reduz a diversidade e padroniza o ensino.

Ao apresentar os objetivos dos Sistemas Estaduais de Avaliação da análise documental feita nesse estudo foram citados como comuns às redes: monitoramento, diagnóstico e fornecimento de informações para a revisão de práticas pedagógicas. O uso dos resultados para diagnóstico, responsabilização e monitoramento já foi apresentado, fica a pergunta: o que tem sido feito para que os resultados se tornem insumo de análise e revisão das práticas nas escolas?

O que alguns estudos têm mostrado é a dificuldade de apropriação dos resultados das avaliações pelos professores. A forma de comunicação desses resultados é fundamental para que se tenha o impacto desejado na sala de aula e se promova de fato a mudança do currículo ensinado para que exista melhora da aprendizagem e consequentemente da qualidade da educação.

Os Estados têm investido em programas de formação continuada, intensificado o acompanhamento por parte das Secretarias de Educação e promovido debates dos resultados, mas a tradução desses esforços em prática pedagógica ainda ocorre de forma pouco expressiva. Essa é uma dimensão que precisa de maior atenção para que caso existam alterações no currículo, sejam para incrementar o já existente, aprimorar a prática e dessa forma ter uma educação de qualidade. A criação de currículos mínimos, apresentação de currículos em modelos de matrizes de referência ou mesmo por descritores, promove uma mudança em função da “qualidade” que vai na contramão do esperado.

3. COMENTÁRIOS FINAIS

O processo educativo é complexo e marcado por variáveis pedagógicas, sociais e culturais. Assim, o currículo escolar seja o formal, o real ou o oculto é configurado por meio de uma série de processo e decisões acerca do que será ensinado, que tarefas serão desenvolvidas, de que forma as salas de aula e os conteúdos se vincularão a realidade externa a escola e quais práticas de avaliação serão utilizadas.

Segundo Coll (1996), o currículo deve ter como referenciais aspectos da realidade nas seguintes dimensões: psicológica (desenvolvimento cognitivo do aluno), epistemológica (características das diversas áreas do saber inseridas no currículo), pedagógica (conhecimento gerado na sala de aula) e sócio-antropológica (diferentes realidades sociais).

No Brasil, o Artigo 210 da Constituição Federal de 1988 determina como dever do Estado fixar “conteúdo mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Nesse sentido, foram elaborados os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil/RCNEI, os Parâmetros Curriculares Nacionais/ PCN’s para o Ensino Fundamental, e os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio. Posteriormente, o Conselho Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica.

As redes de ensino têm liberdade de organização, mas devem considerar a existência de diretrizes que possibilitem a definição de conteúdos de conhecimento em conformidade à base nacional comum do currículo, bem como à parte diversificada, como estabelece o Artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394, 20 de dezembro de 1996: “Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”.

A introdução de avaliações em larga escala ao longo das últimas duas décadas e a criação do IDEB colocaram a questão da aprendizagem no centro do debate, mas que aprendizagem? De que currículo se está falando? Do proposto pelas bases legais ou das competências básicas das disciplinas avaliadas? A falta de clareza com relação ao que se deve ser ensinado e da noção básica dos tempos de aprendizagem tem gerado distorções no âmbito das escolas de ensino fundamental como exposto nesse texto.

A cobrança por resultados sem a devida apropriação do significado das informações disponibilizadas pelos instrumentos de avaliação faz com que muitas vezes a definição do que se deve ensinar venha das matrizes de referência das avaliações e que a direção currículo-qualidade seja invertida para “qualidade (entendida como aquisição de competências cognitivas básicas)” - currículo.

Embora se reconheça um avanço na entrega dos resultados, na linguagem utilizada e na orientação pedagógica com relação ao uso dessas informações, considerando ainda que conforme analisado está explicito em todos os manuais das referidas avaliações que a matriz de referência não é proposta curricular, esse foi um processo identificado tanto como consequência da avaliação nacional (Prova Brasil) como das avaliações estaduais analisadas nesse estudo.

É preciso ter cuidado para que todo um esforço no sentido de retratar a realidade educacional do país, avaliar algumas dimensões e por meio das informações geradas se obter um sistema educacional de qualidade não tenha como consequência a redução do currículo e a perda da diversidade.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Vieira e Vidal (2011). Gestão educacional e resultados no IDEB: um estudo de caso em dez municípios cearenses. En F.D.reitas y G.Real, (Eds) Políticas e monitoramento da qualidade do ensino fundamental cenários municipais.Dourados:UFGD.

 

{1} São considerados municípios prioritários pelo IDEB os 500 municípios com resultados mais baixos no país. A nota do 500º município é utilizada como corte e em caso de municípios com a mesma nota eles são incluídos. Assim, o numero de cidades selecionadas nos anos de 2005 e 2007 chegou a 1822.

{2} Sistemas de Avaliação Estadual consultados: SEAPE, SADEAM, SPAECE, SAEPE, SAEMS, SIADE, SIMAVE, PAEBES, SAERJ, SABE e SARESP.