REICE 2013 - Volumen 11, Número 4
AVALIAÇÕES EXTERNAS E PROJETOS INOVADORES EM EDUCAÇÃO:
 A QUEM E A QUE SERVEM?

INTRODUÇÃO

O Prêmio Inovação em Gestão Educacional foi instituído em 17 de maio de 2006 (Portaria Ministerial nº 20) como forma de incentivar o desenvolvimento de experiências inovadoras em gestão educacional entendendo que é preciso reconhecer o papel decisivo dos municípios e seus esforços para o avanço da educação brasileira porque “[...] muitas vezes os esforços dos municípios não são reconhecidos pelas administrações estaduais e nacionais” (Brasil, 2007).

Para que uma experiência educacional de um município seja considerada inovadora e concorra ao Prêmio Inovação em Gestão Educacional é preciso que ela promova os objetivos e as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Segundo o Ministério da Educação - MEC (Brasil, 2007) o Prêmio, em consonância com o Plano Nacional de Educação - PNE, aprovado em 2001 por meio da lei n. 10.172/01, visa a atender os seguintes objetivos: a) aumentar a escolaridade da população; b) melhorar a qualidade de todos os níveis de ensino; c) superar as desigualdades sociais e regionais relativas ao acesso, permanência e conclusão; d) democratizar a gestão da educação pública.

Que respostas se espera encontrar em escolas de redes públicas premiadas em programas do governo federal a partir de resultados obtidos e tornados públicos? Até que ponto estas distinções contribuem para que as escolas dessas redes trabalhem mais e melhor? A disposição das equipes gestoras de unidades sofre alguma interferência a partir destas premiações no sentido de animarem sua comunidade local para assumirem o protagonismo em seus Projetos Político Pedagógicos? Em outras palavras, a que e a quem servem as premiações que distinguem as escolas no cenário nacional tomando por base a melhoria da qualidade de ensino esperada no nível da escola e da sala de aula, em especial?

Este conjunto de indagações nasce da incerteza sobre a pertinência das decisões políticas que se seguem no âmbito das escolas/redes de ensino, tão logo estas tomam ciência das posições que ocupam no ranking nacional. A partir dos resultados que exibem e que espelham, sob o viés mercadológico, a concepção de qualidade que se pratica no interior dos espaços educativos, interessa-nos refletir sobre as consequências derivadas destas políticas. Será que existe alguma relação entre prêmios recebidos pela escola/rede e/ou eventuais êxitos dos estudantes nos resultados dos exames de desempenho no tocante à concretude das micro-decisões pedagógicas implementadas?

Este estudo foi construído a partir do posicionamento de coordenadores pedagógicos atuantes em cinco redes de ensino paulistas premiadas pelo governo federal, instigados a se manifestarem sobre as decisões que tomam a partir da divulgação dos resultados do desempenho dos estudantes nas avaliações externas. O texto se estrutura inicialmente na descrição dos caminhos da pesquisa e das características do prêmio inovação com destaque para a realidade dos municípios investigados. Na segunda parte apresentamos a escola e as avaliações externas pela lente dos coordenadores – relações visíveis. Em seguida discutimos os efeitos das avaliações em larga escala e, por fim, trazemos algumas considerações sobre a necessidade de continuar o debate sobre as relações entre politicas públicas que usam recompensas e as repercussões na melhoria da escola.

1. OS CAMINHOS DA PESQUISA

O Prêmio Inovação em Gestão Educacional foi implementado pelo Ministério da Educação (MEC) e tem como objetivo apoiar a gestão educacional nos municípios brasileiros. Para tanto o MEC instituiu, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais (Undime) o Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (Pradime).

O objetivo do Pradime é apoiar os dirigentes municipais na gestão dos sistemas educacionais e na implementação das políticas de modo a contribuir com o avanço das metas e compromissos firmados no Plano Nacional da Educação (PNE) e no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

O Prêmio Inovação em Gestão Educacional está subordinado à Secretaria de Educação Básica (SEB) e funciona junto ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e resulta, ainda, de parceria entre a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), obtendo recursos junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Segundo o MEC o Prêmio Inovação em Gestão Educacional e o Banco de Experiências Inovadoras têm como eixos norteadores avaliar as experiências inovadoras quanto à: a) gestão pedagógica, b) gestão de pessoas, c) planejamento e gestão escolar, d) avaliação e resultados educacionais.

Desse modo, é possível perceber que se desenvolveram, no Brasil nos últimos anos, políticas educacionais que tendem a considerar que a melhoria da qualidade dos sistemas educacionais municipais repousa na necessidade de inovação.

Envolvidos em pesquisa financiada pelo Observatório de Educação - CAPES sobre projetos inovadores desenvolvidos pelas redes de ensino e premiados ou destacados pelo governo federal, fomos nos aproximando da realidade de redes paulistas distinguidas com a premiação de seus projetos, procurando entender, inicialmente, os fatores que as mobilizaram a encaminhar projetos para o MEC/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira -INEP em atendimento ao edital.

Nesta incursão, ao entrevistarmos gestores envolvidos direta ou indiretamente com estes projetos premiados, deparamo-nos com algumas referências às politicas de avaliação vigentes e isso nos despertou o interesse de conhecer como profissionais de educação de redes em condição de destaque nas politicas incentivadas pelo governo federal se posicionavam sobre as ações que implementavam, a partir da divulgação dos resultados de avaliação da qualidade da escola.

O que revela a análise qualitativa das experiências inovadoras nos municípios? As experiências inovadoras surtiram efeitos positivos sobre a gestão democrática das redes municipais? As experiências inovadoras favoreceram a superação das desigualdades de desempenhos – verificados em avaliações de larga escala – em termos das escolas pertencentes ao mesmo sistema educacional municipal?

Sabe-se que as atuais políticas de regulação da qualidade das escolas das redes de ensino do sistema federativo tendem a induzir respostas de cunho adaptativo às exigências do nível central. Nem sempre estas respostas espelham compromisso com concepções de qualidade socialmente pertinentes assim como também é sabido que as politicas educacionais ora em condição de hegemonia, são tributárias de concepção de qualidade utilitarista.

Sobre a escolha dos municípios deste estudo, recuperamos que, na fase inicial da pesquisa do Observatório, foram selecionados dez municípios dentre as cinqüenta e nove experiências julgadas inovadoras pelo INEP. Todos os dez municípios localizados no estado de São Paulo tiveram suas experiências classificadas nos eixos “Gestão Pedagógica”, “Gestão de Pessoas”, “Planejamento e Gestão” e “Avaliação e Resultados Educacionais”. As experiências inovadoras nos dez municípios tiveram como foco os aspectos administrativos ou pedagógicos, buscando superar problemas detectados pelas Secretarias Municipais de Educação que incidem sobre a qualidade do ensino e desempenho escolar dos alunos. Em continuidade, selecionamos cinco dessas redes, em função da disponibilidade de participação e pelo fato de terem, na fase inicial da pesquisa, relatado direta ou indiretamente alguma relação da premiação com políticas de avaliação externa. Elegemos os coordenadores como nosso público alvo e estes foram acessados por meio de um questionário aplicado em reunião pedagógica, agendada pela rede de ensino, da qual se obteve concordância prévia para que os pesquisadores pudessem participar e executar esta atividade de coleta.

1.1. O que os dados informam

Os questionários foram aplicados nos meses de junho, julho e Agosto de 2012. No universo de respondentes havia Coordenadores pedagógicos de unidades de educação infantil, ensino fundamental e de ambas as etapas da educação. Em face dessa característica, os coordenadores pedagógicos foram orientados a responder à questão norteadora “As avaliações externas subsidiam inovações no trabalho escolar? Se sim, cite até três iniciativas inovadoras desenvolvidas em sua escola.” apenas se sua escola participasse de avaliações externas.

Dos 158 coordenadores pedagógicos presentes, nos cinco municípios selecionados no dia da aplicação, 80 não responderam à questão de modo que, trabalhamos com 78 respostas, correspondendo a 49% dos entrevistados.

Para identificação das respostas dos cinco municípios paulistas optamos por nomeá-los pelas siglas M1, M2 M3, M4 e M5. Esses municípios aqui retratados foram destacados em diferentes eixos da premiação. M1 destacou-se no eixo “Avaliação e Resultados Educacionais”; M2 - Gestão Pedagógica; M3 eixo Avaliação e Resultados Educacionais; M4 “Gestão de Pessoas”” e M5 no eixo “Planejamento e Gestão.

A análise das 78 respostas nos levou a um conjunto de 71 respostas que indicam, expressa ou implicitamente que SIM, As avaliações externas subsidiam inovações no trabalho escolar. Houve 07 respostas que se orientam pelo Não, oscilando entre o não incisivo e o DEPENDE. Essas sete respostas estão distribuídas da seguinte forma: 05 em M3; 01 em M4 e 01 em M5.

Tabela 1. Universo de respondentes na investigação

Município

Total de respondentes

Sinalização SIM

Sinalização NÃO

M1

21

21

100%

0

0%

M2

05

05

100%

0

0%

M3

32

27

84%

05

16%

M4

13

12

92%

01

8%

M5

07

06

86%

01

14%

Total

78

71

91%

07

9%

Fonte: Desenvolvido pelos autores

Antes de nos determos na análise das respostas sinalizadoras do SIM, trazemos aquelas que sinalizaram o NÃO ou, minimamente o DEPENDE.

Na verdade ainda não vejo grandes inovações a partir das avaliações externas, mas as vemos também como um elemento importante para auxiliar a nossa prática; Não se trata de inovação no caso da escola em que atuo como CP (Coordenador Pedagógico), contudo, de melhor conhecimento e aprofundamento em relação aos conteúdos conceituais e procedimentais relacionados àquilo que é avaliado; Nem sempre; Não. Utilizamos as avaliações externas como um documento “a mais” de avaliação e seus resultados, para melhorar/adequar as práticas já existentes; Não. (M3)
Às vezes, dependendo do grupo. (M5)
Inovações? Não, pois já indicam e sugerem ações para escola e que não são inovadoras. (M4)

Quanto às respostas afirmativas, após leitura sistemática dos registros, buscando identificar similaridades e recorrências, organizamos as seguintes categorias:

  • Avaliações externas: embates entre produto e processo
  • Repercussão no trabalho pedagógico.

2. A ESCOLA E AS AVALIAÇÕES EXTERNAS PELA LENTE DOS COORDENADORES – RELAÇÕES VISÍVEIS

Considerando que as ações inovadoras visam à melhoria da qualidade da escola pública e, em especial, a melhoria da aprendizagem dos alunos verificou-se, por meio das respostas, que a idéia de avaliação de resultados prepondera sobre a idéia de avaliação numa perspectiva processual/formativa. Esta constatação marca a primeira categoria – Avaliações externas – na qual se evidencia a utilização constante de terminologia especifica do modelo das racionalidades técnicas (Pacheco, 2011), as quais apresentam-se como alternativas capazes de responder às necessidades do tempo presente e de resultados satisfatórios.

Foi elaborada uma apostila com os descritores: contextos e exercícios para que o professor trabalhe com seus alunos. (M1)
Através dos resultados, faz-se necessário rever os resultados de cada série, focar em quais conteúdos haverá necessidade de buscar novas estratégias para alcançar a compreensão dos alunos; Como coordenadora essas informações são de extrema importância para planejar o currículo de acordo com as orientações didáticas, e assim orientar o professor na sua prática diária. (M5)
Em relação a minha Escola, nós pensamos o tempo todo sobre o desenvolvimento da aprendizagem dos nossos alunos e as avaliações tanto internas como externas nos ajudam a medir o desenvolvimento; - A avaliação levou a escola estudar e entender melhor as habilidades que queremos que nossos alunos desenvolvam; Em Reunião Pedagógica trabalhamos com análise de gráficos, que mostra o desempenho, trabalhamos com planilhas de sondagens bimestralmente e fazemos trabalho de agrupamento dos níveis dos alunos. (M4)

As respostas indicam que, a partir dos resultados alcançados pelas unidades escolares nas avaliações de larga escala, as redes municipais tomam decisões; partem para o uso da informática; para preparação dos alunos por meio de realização de simulados; incentivam as equipes gestoras a terem claro para si quais são as habilidades e as competências exigidas dos alunos nas avaliações nacionais de larga escala; focam a aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática; acreditam que os resultados das avaliações de larga escala mostram a realidade do município; que os resultados das avaliações de larga escala servem para mostrar às redes municipais quais são as áreas mais defasadas do sistema educacional local, dentre outras. Dos dados coletados, extraímos núcleos de sentido que sinalizam modificações na ação pedagógica desenvolvida na escola, bem como na percepção dos objetivos educacionais, quando informam a prática de:

[...] Simulados; elaboração e aplicação de avaliações; simulados “informatizados” na sala de informática; criação de olimpíadas, gincanas e concursos; ensinar os alunos a trabalhar com gabarito; trabalhar com provas-simulados pela internet; trabalho dos alunos dentro de um tempo cronometrado; trabalho com os gabaritos e simulados; simulados e provões; participação nas olimpíadas externas; simulados das prova. (M1)
[...] Participação nas olimpíadas de língua portuguesa; trabalhamos com análise de gráficos, que mostra o desempenho, trabalhamos com planilhas de sondagens bimestralmente e fazemos trabalho de agrupamento dos níveis dos alunos. (M4)

Além do foco na aprendizagem e na avaliação externa, as falas dos CPs indicam que os professores devem desenvolver com os alunos as competências leitoras e escritoras exigidas na Prova Brasil

[...] Trabalho voltado para descritores; Estudo dos descritores e como aplicá-los; estudo dos descritores; mapear habilidades de acordo com descritores; grupos de estudos dos descritores; estudos com os descritores; estudo dos descritores nos HACs; elaboração de apostila com descritores com propostas de trabalho para professores ;uso dos descritores nos coletivos; preparar aulas de acordo com os descritores. (M1)
[...] detectar em qual descritor a escola teve mais dificuldade; estudar e entender melhor as habilidades que a escola quer os alunos desenvolvam; envolvimento de todo o grupo para trabalhar os descritores. (M4)

A presença destas práticas aponta para a adesão a uma lógica técnico-instrumental de aperfeiçoamento do ensino na perspectiva do treino e do desenvolvimento de habilidades especificas, com a finalidade de atender aos objetivos das politicas educacionais em vigor. A influência desse modelo é verificada nos exames aplicados em larga escala em que se compara, por exemplo, a proficiência em leitura-escrita ou em matemática, nas pesquisas que analisam os conhecimentos básicos de uma ampla população, e em estudos comparativos nacionais e internacionais (Fernandes, 2009; Franco 2005; Sacristán, 2000; Sousa, 2005).

Há também sinalização de práticas em que os resultados não determinam mudanças na organização do trabalho escolar de forma pontual e utilitarista, contudo verificam-se movimentos destas mudanças na orientação dos professores:

Não organizamos as turmas de acordo com os resultados das avaliações externas, pois trabalhamos com classes heterogêneas e o que fazemos é orientar os professores para que trabalhem com as dificuldades específicas com atividades, conteúdos e objetivos diversificados. Os resultados são apresentados aos pais, porém ainda não temos pais totalmente participativos com a vida escolar de seus filhos. (M5)

Esta forma de entender e sentir a avaliação se manifesta na segunda categoria - Alteração do trabalho pedagógico quando os coordenadores informam a interferência das ações avaliativas externas alterando a forma do trabalho escolar fora e no interior da sala de aula.

Sim. Subsidiam. - melhoria na didática em sala de aula, na qual os professores: criaram junto com a estagiária de informática – simulados “online” onde os alunos liam os simulados na frente do computador, escolhia a resposta e ele já dizia se tinha acertado ou não; - Mapeamento das habilidades, através de pequenos simulados de acordo com os descritores já estudados; - analise dos alunos dos resultados/desempenho de acordo com cada simulado feito. (M1)

De acordo com o respondente do MUNICIPIO 5, as avaliações conduzem os professores a: (...) inovar estratégias para fazer avançar os alunos; detectar qual descritor a escola teve mais dificuldade no aprendizado; replanejar, para melhor contemplar o aprendizado.

Em outras respostas alguns coordenadores registram que, cabe, às escolas, orientar os professores sobre os conteúdos e as metodologias de ensino; propor cursos de aperfeiçoamento específico para professores e coordenadores; orientar os professores para a didática e para o currículo. Para os professores, cabe selecionar os descritores; exigi-los corretamente na elaboração de simulados e provas; treinar os alunos para responder as questões corretamente; usar técnicas diferenciadas de transmissão de conteúdos; inovar em estratégias para avançar com os alunos; refletir sobre o trabalho pedagógico, dentre outros. Na analise das respostas reunimos os seguintes núcleos:

[...] Orientar professores sobre metodologias; auto-avaliação do trabalho do professor e dos conteúdos; replanejar o trabalho pedagógico; estímulo a atividades diferenciadas para o aluno refletir sobre o assunto; repensar a prática escolar; rever déficits de aprendizagem; melhor a aprendizagem com técnicas diferenciadas de trabalho; trabalho mais diversificado; novas metodologias; revisão do conteúdo que precisa ser trabalhado; revisão das atividades para os alunos; revisão dos critérios para séries-anos; discussão sobre a flexibilidade do planejamento; revisão de critérios de avaliação; flexibilidade do planejamento; Estudos dos resultados; reflexão sobre os resultados positivos e negativos; preocupação com os resultados; refletir sobre a prática pedagógica. (M1)
[...] reflexão sobre o trabalho pedagógico; rever conteúdos; planejar atividades pedagógicas. (M2)
[...] identificar temas que poderão ser trabalhados no ano seguinte; orientar professores sobre metodologias; auto-avaliação do trabalho do professor e dos conteúdos; replanejar o trabalho pedagógico; estímulo a atividades diferenciadas para o aluno refletir sobre o assunto; repensar a prática escolar; rever déficits de aprendizagem. (M3)

A modificação da organização da escola e do trabalho pedagógico é sempre bem vinda quando o sistema educacional está mobilizado para garantir às crianças o acesso à escola, a permanência em seu interior e ao direito de aprender e se apropriar do conhecimento produzido historicamente.

A qualidade do ensino está prevista no Decreto 6.094, de 24 de abril de 2007, em que se instituiu o “Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação”. Os municípios devem assinar um “Termo de Compromisso” com a União por meio do MEC. Os municípios devem ainda elaborar o PAR, um levantamento minucioso da gestão escolar. Portanto, a qualidade do ensino nas escolas e nas redes municipais é aferida pelo governo federal por meio do IDEB e a depender do desempenho de cada rede isto implica, dentre outras coisas, em repasses de verbas, estabelecimento de convênios e projetos com os demais entes federados.

Por outro lado, não está em discussão a qualidade da educação oferecida na escola. A qualidade é condição de existência desta escola e a aprendizagem significativa, dela, é consequência. Partindo deste pressuposto as alterações pedagógicas coadunam-se com o dever de se garantir o direito constitucional de educação formal e informal às crianças. Nesta perspectiva, Estado, escola e família constituem em instituições responsáveis para a realização deste direito inalienável às crianças e jovens.

Contudo, as ações geradas no seio da escola capitalista, por meio das políticas educacionais, tem propiciado outro movimento. Em lugar de aprendizagens formativas para o desenvolvimento pleno do aluno, tem produzido ações voltadas para responder as demandas do mercado exigindo-se do professor, a cada divulgação de datas de exames ou de resultados externos, modificação em sua forma de agir, pois de acordo com os respondentes:

[...] será necessário aprender a trabalhar com descritores; ensinar os alunos a preencher gabaritos; incentivá-los a participação no reforço escolar; estimulá-los a revisões dos conteúdos; promover mais grupos de estudo com indicações dos descritores. (M1); organização de projetos dentro da escola, que contemplam as necessidades detectadas nas avaliações como o enfoque na língua portuguesa; (M2); estimular a participação em olimpíadas de Matemática (OBM), de Língua Portuguesa (OBLP) e Astronomia (OBA). (M4)

Com efeito, observa-se que as políticas educativas mudam paradigmaticamente dos objetivos para os resultados, do ensino para a aprendizagem, tudo numa lógica de estabelecimento referencial de competências e metas educacionais (Pacheco, 2011:381).

Considerando-se as novas demandas que alteram a rotina da escola e conduzem os atores da escola, professores – gestores, a atuarem mecanicamente sobre os índices reais e desejados da escola, optando-se por medidas imediatas, irrefletidas uma vez que desprovidos de tempo e espaço para uma análise mais acurada da realidade. “os testes acabavam por ter um papel determinante para verificar, para medir, se os sistemas educacionais produziam bons produtos a partir da matéria-prima disponível – os alunos (Fernandes, 2009:46).

Estas avaliações fazem com que o professor repense os conteúdos e desenvolvam competências. (M1)
Em relação a minha Escola, nós pensamos o tempo todo sobre o desenvolvimento da aprendizagem dos nossos alunos e as avaliações tanto internas como externas nos ajudam a medir o desempenho. (M4)

Além destas medidas, verificaram-se ideias relacionadas às práticas pedagógicas voltadas para o atendimento individual dos alunos, o que resultou na terceira categoria encontrada: Ações para melhoria das aprendizagens.

De igual modo à necessária reorganização da escola pública para melhor atender a comunidade, toda e qualquer ação que vise à melhoria da aprendizagem das crianças não pode ser entendida como favor ou atividade benemérita da escola e, em especial, dos professores. A boa qualidade do trabalho pedagógico é obrigação dos profissionais da educação e deve ser assim exigido, uma vez que “A prestação pública de contas daquilo que fazemos em prol da aprendizagem das crianças é condição imperativa para o desenvolvimento de um projeto educativo consistente e socialmente eficaz” (Freitas et al., 2009:38)

Considerando as avaliações externas e os seus efeitos na escola, os coordenadores apresentam as ações indicadas para que se alcance a melhoria da aprendizagem das crianças. Dentre estas ações informam que a escola tem sido palco de:

[...] Orientação mais individualizada dos alunos buscando melhoria; acompanhamento da turma ou série com maiores dificuldades; encaminhamento para reforço e recuperação paralela; recuperação paralela e contínua; reforço. (M1)
[...] as avaliações nos fazem refletir sobre a prática pedagógica e aprendizagem dos alunos, assim é preciso refletir nas ações em prol a aprendizagem efetiva e real; Intervenções e ações para o professor; acompanhamento efetivo do desenvolvimento do aluno. (M5)
[...] identificação dos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem; encaminhamento dos alunos com dificuldade para Grupos de Apoio em português e matemática; Identificação das dificuldades de alunos; comparação de desempenho dos alunos com os objetivos propostos; desempenho dos alunos da classe; revisão dos conteúdos pertinentes à série que fará a avaliação; estimular atividades diferenciadas. (M4)

O atendimento individual ao aluno necessitado ou não de atenção e de maior dedicação educativa é uma prioridade que deve ser levada a sério na escola, em se considerando que esta instituição deve estar a serviço da educação das crianças.

Levando-se em conta a complexidade da escola e da sua interferência, muitas vezes prejudicial, à vida de meninos e meninas, e a necessidade dos alunos em desvantagem ou, em situação de risco, em receber uma educação diferente daquela que se oferece no geral, Freinet (1976) nos lembra que toda pessoa deseja o êxito e que o fracasso é inibidor, destruidor do impulso e do entusiasmo. Isto posto, os coordenadores pedagógicos apresentam iniciativas tomadas pelas escolas – configuradas na elaboração e implementação de projetos para melhor atender aos alunos. Dos projetos elencados, ressaltam-se:

[...] Projeto Cuidar; Projeto Lugar ao Sol; Projeto Ler e Escrever; projeto EMAI para os professores; Projeto Ler e Escrever e Projeto EMAI; Ler e Escrever; EMAI - Ler e Escrever; EMAI ; Ler e Escrever; EMAI. (M1)
[...] Projetos dentro das escolas – enfoque em língua portuguesa, patrimônio e coordenação pedagógica. (M4)
[...] criação de projetos que venham a sanar as dificuldades, divulgação dos projetos e inovações em outros locais. (M5)

Dentre uma resposta e outra, selecionamos algumas que retratam as expressões de cada realidade:

Sim. As escolas do município sempre estão inovando e replanejando sua maneira de ensinar em vista dos resultados das avaliações através de aulas de reforço para quem não atingiu a meta prevista, Projeto Ler e Escrever visando um melhor trabalho em Língua Portuguesa (produção de texto, cartas, etc), projeto EMAI em Matemática (onde os coordenadores das escolas participam na Diretoria de Ensino de aperfeiçoamento em Matemática e repassa aos professores e estes trabalham as propostas com os alunos). (M1)
Sim, após analise dos resultados novas ações são elaboradas e executadas como: Projeto de leituras, aulas complementares de informática utilizando a tecnologia em prol da educação de qualidade, promoções de palestras, reuniões de pais com maior freqüência entre outros. (M1)
Sim. A organização de projetos dentro da escola, que contemplam as necessidades detectadas nas avaliações como o enfoque na língua portuguesa, projeto patrimônio, projeto da coordenação pedagógica. (M5)
Às crianças que já não necessitam mais do Grupo de Apoio de Alfabetização em Língua Portuguesa, estamos iniciando o oferecimento de Grupo de Apoio de Alfabetização em matemática, em função de detectarmos os déficits nos 4ºs e 5ºs anos... (M4)

Na esteira de ações voltadas para a melhoria da aprendizagem das crianças, os coordenadores pedagógicos realçam a idéia de que, as avaliações externas provocam a necessidade da formação de professores e apontam iniciativas políticas voltadas para a melhoria da ação docente.

Na analise das respostas agrupamos as seguintes ações voltadas à formação docente:

[...] Formação e capacitação para os diferentes segmentos da escola; Estudo das dificuldades encontradas pelos professores (formação continuada). (M1)
[...] Incentivar e propor a secretaria de educação cursos de aperfeiçoamento específico para os professores e também para os coordenadores (precisam dar suporte aos professores);Formação continuada dos professores em Hora de Trabalho Pedagógico - HTPCs, encontros pedagógicos e demais momentos de estudos preparados pela Secretaria Municipal de Educação - SME. (M5)
[...]formação e capacitação dos diferentes segmentos da escola; maior busca de conhecimento por parte dos docentes; estudo das dificuldades encontradas pelos professores. (M4)

Entender a formação de professores como ação necessária no conjunto de decisões para melhorar a qualidade da escola pública e incluí-la dentre as prioridades é tratar a educação de modo sério. É assumir que os profissionais da educação, enquanto sujeitos orgânicos, também são sujeitos em constante processo de aprendizagem, de modo que, para ensinar precisam da atualização do conhecimento e da superação das praticas pedagógicas já conhecidas. Esteban (2003) argumenta que é necessário ampliar a reflexão sobre o processo de avaliação e sobre a prática pedagógica fundamentada na idéia de que os conhecimentos estão em constante construção. Ressalta a autora que:

[...] natureza coletiva, compartilhada e solidária do conhecimento, além da riqueza da heterogeneidade, pois em cooperação os sujeitos revelam seus conhecimentos potenciais, desenvolvem novas potencialidades, articulando um processo permanente de ampliação dos conhecimentos (p.19)

Isto posto verifica-se, dentre as respostas dos coordenadores que os municípios se inscrevem e participam de políticas públicas, que alteram a vida na escola e recolocam o peso na formação de professores, como por exemplo: políticas em nível federal no âmbito do MEC: Plano Nacional do Livro Didático - PNLD; Prova Brasil; Provinha Brasil; b) políticas educacionais em nível estadual no âmbito da Secretaria de Educação do estado de São Paulo - SEE-SP: Programa Ler e Escrever; Educação Matemática nos Anos Iniciais - EMAI; Sistema de Avaliação Educacional do estado de São Paulo - Saresp e, políticas locais no âmbito da Secretaria Municipal de educação - SME: incentivo a projetos nas Unidades escolares com enfoque em Língua Portuguesa e Matemática, dentre outros.

Sobre a utilização destas políticas para a melhoria da ação docente, os coordenadores sinalizam aquelas que fazem parte do cotidiano das escolas do seu município:

Projeto Ler e Escrever para melhorar o desempenho dos alunos; EMAI – Nós coordenadores repassamos a proposta do projeto para os professores preparando-os para o futuro; Escolha do livro didático PNLD 13. (M1)
Projeto Ler e Escrever – para melhorar o desempenho dos alunos em Português; EMAI – Alfabetização em Matemática – Os coordenadores estão se capacitando em reuniões com a Diretoria de Ensino. (M1)
Em Língua Portuguesa é realizado o projeto Ler e Escrever; os professores realizam discussão com o projeto de Matemática EMAI (alfabetização em matemática); escolha de livros didáticos PNLD 2012 buscando a qualidade de ensino. (M1)
Formação continuada dos professores nos HTPCs; encontros pedagógicos e demais momentos de estudos preparados pela SME. (M5)
Formação e capacitação para os diferentes segmentos da escola (incentivo e viabilização); Apoio efetivo da Secretaria Municipal de Educação. (M4)

Além da formalização dos projetos incentivados pelos sistemas de ensino, as escolas, conforme escrevem os coordenadores pedagógicos, buscam outras formas de melhorar a pratica docente elaborando e promovendo projetos de acordo com a realidade em que está situada, como por exemplo:

[...] projetos de Leitura; escolha do livro didático; (MUNICIPIO 1); Plano de ação para nortear o trabalho do professor; Registro e avaliação constante do processo educacional; (M 5); Participação no PPP; situações de aprendizagem para o estimulo da leitura e escrita de forma lúdica; Palestras; Escolha do Livro Didático; Assembléias escolares periódicas (equipe da escola). (M5)

Reafirmamos e concordamos que a formação continuada dos professores e também de toda equipe de profissionais que trabalham na escola e pela escola enquanto superação e atualização do conhecimento é condição para a melhoria da escola pública. Não se pode pensar um ensino de melhor qualidade sem que estes atores se formem no caminho, uma vez que conhecimento só tem sentido se propiciar a dialética entre o novo e o velho. Como nos ensina Carbonell (2002) o projeto educativo é uma simbiose entre a tradução pedagógica acumulada pela escola e a necessidade mutável de ir modificando-a com o passar do tempo. De acordo com o autor “Não há projeto sem vida e movimento continuo, mas tampouco se pode cair no extremo de partir sempre do zero. A inovação é o resultado de um sábio e frágil equilíbrio entre o saber acumulado coletivamente e a necessidade permanente de repensá-lo” (Carbonell, 2002:82).

Levando-se em conta a necessária construção do conhecimento, há que se considerar as contradições que se revelam na realidade do tempo presente, em especial no que tange à formação continuada de professores.

A formação continuada de professores emerge no contexto das novas demandas da escola pública e da expansão de políticas curriculares balizadas nos princípios do neoliberalismo. Com ênfase no currículo, na gestão e no trabalho docente, estas políticas, através de estratégias gerencialistas de avaliação, vêm submetendo a escola e a educação aos interesses e comandos do mercado, intervindo no currículo, na formação de professores e na reorientação do trabalho docente. Estes, por sua vez, deverão estar atentos à própria formação, aos resultados de desempenho dos alunos e prepará-los para responderem ao que deles, se espera.

Esta opção de educação e formação de professores vem sendo gestada desde os anos 90 no Brasil e tem suas bases no tecnicismo enquanto orientação pedagógica. Saviani, em Escola e Democracia, alerta que tecnicismo, embasado no pressuposto da neutralidade cientifica e inspirado nos princípios da racionalidade, produtividade e eficiência, define a marginalidade como ineficiência, improdutividade. A partir desta orientação pedagógica, a função da escola passa a ser de formação de indivíduos eficientes, que estejam aptos para o aumento da produtividade social, associado diretamente ao rendimento e capacidades de produção capitalistas. De acordo com o autor, o tecnicismo “advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional”

Freitas (2012), numa leitura do cenário educacional brasileiro, recupera o tecnicismo definido por Saviani, nomeando-o de neotecnicismo. Trata-se, o neotecnicismo, de uma nova investida liberal/conservadora na política educacional. De acordo com o autor o termo conserva os mesmos traços originais do tecnicismo, contudo tem seus pilares estão plantados noutra plataforma baseada na privatização.

A analise conceitual de Saviani é perfeitamente válida para o contexto neotecnicista mais recente, apresentado agora sob a forma de uma nova teoria da “responsabilização” e/ou “meritocracia” associada a formas variadas de “privatização” gestão (escolas por contrato de vouchers), onde se propõe a mesma racionalidade técnica de antes. No centro da proposta estão os “standarts” de aprendizagem medidos em testes padronizados, com ênfase nos processos e de gerenciamento da força de trabalho da escola (controle pelo processo, bônus e punições), ancoradas nas mesmas concepções oriundas da psicologia behaviorista (Skinner, 1967), da econometria, das ciências da informação e de sistemas, elevadas à condição de pilares da educação contemporânea. (Freitas, 2012:4)

Observa-se que, em nome das novas necessidades impostas pelo capital e das transformações advindas da globalização da economia, um novo profissional da educação é projetado, e, deste novo profissional espera-se que tenha disponibilidade de trabalhar em grupo, saiba se comunicar com facilidade, seja flexível no processo de produção, tenha plena capacidade de adaptação às inovações tecnológicas e que esteja em processo de atualização constante.

Para a formação deste profissional, projetos e programas convenientes ao modelo político econômico tem sido implementados, e, com força devastadora, seguem pressionando os sistemas de educação, redefinindo e reorientando os objetivos da escola, que passa a ser o locus ideal para a construção das competências e habilidades exigidas pelo mercado de trabalho e fortalecimento do pensamento hegemônico. Tal modelo muda a ordem das coisas, das formas e da maneira dos atores da escola pensar e se relacionar. Nele confundem-se os sentidos de autonomia, participação, gestão democrática e, conforme Freitas (1995):

Tenta-se passar a idéia de que o professor deve ter autonomia, que a administração deve ser descentralizada, participativa, mas, no entanto, este processo ‘democrático’ deve servir a interesses centralizados e não aos interesses dos professores, alunos ou das classes populares. (p. 95)

O que se percebe, de fato, e emerge como modelo “é o desenvolvimento de formas participativas em um contexto em que a política está sendo traçada fora da escola, sendo que os professores estão sendo incorporados (cooptados) apenas para implementar detalhes”.

Assim, em busca de uma qualidade educacional que atenda às demandas da atualidade e frente aos índices que apontam as fragilidades da escola da ação docente, verifica-se uma proliferação de projetos voltados à capacitação dos professores a fim de que produzam, nos alunos, melhores resultados, via treinamento. Que, pela ação participativa dos professores, se alcance os resultados desejados.

Importante recuperar que estes projetos, são, em sua maioria, incentivados e implementados pelos sistemas de ensino público e privado, por sindicatos, assim como também por editoras de revistas e livros didáticos. A formação continuada é objeto de interesse desses órgãos e/ou instituições que se filiam, na maioria das vezes, em concepções divergentes e objetivos diversos por parte dos patrocinadores deste tipo de formação. Conforme Souza Neto (2003):

[...] Verifica-se que a formação continuada do educador, proposta pelos órgãos e instituições ligadas ao poder central, passam a preocupar-se muito mais com o treinamento do educador, responsável, em última instância pela implementação das reformas educacionais, do que com uma formação técnica e política que permita a esse profissional repensar, criticar e mesmo superar essas reformas educacionais. Corre-se, portanto, o risco de empobrecimento na formação do educador, reduzida a cursos de curta duração e com um caráter puramente prático, ou seja, cursos que ensinam a fazer. (p. 13)

Por outras palavras, com uma nova performance e roupagem, o tecnicismo, presente nos acordos e financiamentos da educação acaba indicando uma formação utilitarista baseado nos resultados a que se deve buscar, e que podem trazer para dentro da escola uma vertente de treinamento de praticas eficazes para os exames, o que acaba contribuindo para a desprofissionalização docente.

Sob a égide da formação permanente, vale ressaltar as ações do Banco Mundial que vem discutindo e intervindo nas políticas de educação nacional e, sistematicamente apresentando pacotes de medidas político-econômicas cuja tendência recai na supervalorização da formação em serviço do professor, pois na concepção deste Banco a qualidade educativa está pautada no seguinte investimento: (a) Aumentar o tempo de instrução, através da prolongação do ano escolar, da flexibilização e adequação dos horários, e da atribuição de tarefas de casa; (b) proporcionar livros didáticos, vistos como a expressão operativa do currículo e como compensadores dos baixos níveis de formação docente. Recomenda aos países que deixem a produção e distribuição dos livros didáticos em mãos do setor privado, que capacitem os professores na sua utilização, além de elaborar guias didáticos para estes últimos, e (c) melhorar o conhecimento dos professores (privilegiando a capacitação em serviço sobre a formação inicial e estimulando modalidades á distância (Torres, 1998:134).

3. OLHANDO O PROCESSO, AJUSTANDO AS LENTES SOBRE OS EFEITOS DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA

De volta ao começo, em quê as avaliações externas subsidiam inovações no trabalho escolar? Carbonnel (2002) enfatiza que a inovação deve estar ligada às mudanças qualitativas nas escolas e nos professores, ao mesmo tempo, não tem que necessariamente estar ligada às novas políticas (reformas) educacionais. Para o autor, inovar implica que as escolas filiem as correntes pedagógicas mais progressistas, tanto em termos teóricos como em termos práticos. Sob esta perspectiva, as respostas dos coordenadores apontam que não há uma mudança nos rumos das escolas entrevistadas, uma vez que suas propostas de trabalho pedagógico indicam ter afinidade com as pedagogias tradicionais, pois se assentam na revisão de conteúdos, no treinamento dos alunos, na formação focada (especializada) de professores e coordenadores para resolverem determinadas urgências e não numa formação mais integral.

Em relação ao uso das tecnologias, vimos que a informática nas escolas tem sido utilizada no treinamento dos alunos para a realização das avaliações de larga escala (Prova Brasil, Provinha Brasil e Saresp). No entanto, as respostas obtidas evidenciam que há uma enorme preocupação das unidades escolares em torno da performatividade de toda a rede nas avaliações de larga escala e, ao que tudo indica, as novas tecnologias da informação cumprem o mesmo papel dos livros-texto, parecem indicar que as escolas apenas mudaram o formato de ensinar. Assim como, a preocupação com o trabalho focado em ações de aprendizagens em Português e Matemática.

As respostas captadas são reveladoras de que as palavras inovar ou utilizar novas técnicas pedagógicas aparecem ainda arraigadas às praticas tradicionais e de forma muito vaga. As respostas evidenciam que os sujeitos da escola pública têm pouca participação nos rumos da educação e que as políticas públicas em educação (federais, estaduais e municipais) são concorrentes entre si. Sobre isso é importante recuperar a forma que tais políticas se engendram na realidade da escola. De forma sutil produzem a impressão de que são propostas democráticas à luz da idéia de participação, quando na verdade já estão prontas, decididas, aprovadas em outras instâncias; apresentam-se aos professores como propostas facilitadoras do seu trabalho e roubam-lhes a autonomia, o direito de pensar e propor. Aos professores caberão as ações de formarem-se enquanto trabalham e responsabilizarem-se pela implementação e sucesso da política, que, por meio de artifícios, os seduzem e os culpabilizam ao mesmo tempo. Com efeito, despersonaliza o professor e muda o sentido da escola.

No início da década de 1990, com a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB podemos dizer que se desenvolveu no País uma “cultura da avaliação” da educação básica. Em 2007, a criação do Indice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB a sua divulgação e o uso dos resultados trouxeram consigo implicações para as relações entre União e entes federados, sobretudo, para as redes municipais, que estão na ponta de todo esse processo. Dentre os efeitos da divulgação e uso dos resultados do IDEB para as redes municipais destacamos o controle da União sobre a política educacional que induz os municípios a aderirem a programas federais. Através do SAEB - Prova Brasil e Avaliação Nacional da Educação Básica - ANEB - a União acompanha sistematicamente o desempenho dos municípios aplicando testes de caráter amostral e censitário. Além dos efeitos citados, a cultura da avaliação nacional promove entre as redes municipais e escolas a adoção de procedimentos cada vez mais competitivos. A partir da divulgação dos resultados do IDEB, podemos afirmar que os municípios tem desencadeado processos de reformas em suas políticas educacionais, fortemente influenciadas, pelas políticas avaliativas desenvolvidas em nível federal.

Por outras palavras, vemos nas novas políticas educacionais estaduais e federais, baseadas nas avaliações de larga escala e no ranqueamento das escolas, certa perversidade cujo efeito recai sobre estas e seus atores, fazendo com que se cumpram os objetivos dos processos de reformas educacionais sob a lógica do capital. Importante ressaltar que não somos contrários às avaliações, tampouco somos contrários ao diagnóstico que elas oferecem. O problema é o uso que se tem feito deles e a lógica que os percorre. O problema se instala quando as políticas educacionais impulsionadas pelo MEC e pelas Secretarias Estaduais de Educação se valem dos diagnósticos para acirrar a competitividade entre as redes. E, quando a competitividade se instala, rompe-se com toda a solidariedade intra e inter institucional. Cria-se uma corrida desenfreada para ver quem chega nos primeiros lugares do topo do ranking em função ora da recompensa ora da punição via exposição pública sem se questionar mais os balizamentos do diagnostico que acabam dando forma a concepções de qualidade desprovidas de pertinência social.

Conforme Carbonell (2002), um dos desafios atuais para a escola inovar tem a ver com a hegemonia neoliberal. Como projeto hegemônico, o neoliberalismo tem regulado toda a economia em escala global e esta, tem exercido domínio e poder sobre a educação, em detrimento da cultura e da política.

Numa analise da realidade constata-se que as atuais políticas educacionais que buscam solucionar os problemas complexos da educação tem sido monopolizadas pelo discurso contábil, pela lógica da administração de empresas, pela focalização das ações no rendimento escolar e, na performatividade das redes, pela aplicação de projetos focalizados nas defasagens e não em uma educação integral e mais humanizada. Frente a esta constatação questionamos: como as políticas públicas, de fato, tem colaborado para uma educação que cumpra um papel social emancipatório, que promova a diminuição das desigualdades culturais?

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTINUIDADE DO PROCESSO

Com base nestas idéias constata-se que, no lugar das avaliações externas subsidiarem projetos de melhoria das escolas ocorre o contrário. Há tentativas de adequação das escolas às avaliações externas, ficando evidentes as iniciativas de entender melhor tais políticas de avaliação, aparentemente sem uma análise crítica ou de contraposição à política vigente. De igual modo verifica-se a associação direta entre o conceito de inovação e a adequação à essas avaliações externas. Entende-se que inovar é atingir os objetivos propostos pelas avaliações externas e alcançar os índices adequados de aprendizagem postulados por tais políticas. Por ultimo, o conceito de Inovação é traduzido essencialmente nos seguintes aspectos:

  • Treinamento dos alunos através de simulados, testes, participação em atividades avaliativas externas.
  • Adequação e foco do trabalho pedagógico para melhorar os índices de avaliação externa (estudos dos descritores, projetos internos, etc.).
  • Trabalho mais individualizado com alunos, grupos de alunos ou séries específicas, sempre visando a melhoria dos índices de desempenho.

Do presente estudo destaca-se a ênfase e intensificação das ações pedagógicas e implementação de projetos de língua portuguesa e matemática como condição de resolução dos problemas de aprendizagem dos alunos e de melhoria dos resultados nas avaliações externas. Do mesmo modo a utilização da informática surge como possibilidade de inovação e aperfeiçoamento do ensino, no sentido geral e específico, de treinamento dos alunos para tais avaliações.

Para completar, a necessidade de manutenção da formação dos professores emerge, em meio às respostas dos coordenadores como uma alternativa para o êxito dos projetos educacionais. Resta saber, no entanto que compreensão tem os professores das redes investigadas sobre as formações ofertadas. Terão eles assumido a responsabilização pelo ensino efetivo das competências do tempo presente sem questionamentos e posicionamentos? Terão os alunos, ao alcançar os objetivos esperados, aprendido?

Sobre estas e outras questões e, a título de reflexão, vale recuperar aqui as constatações de Ravitch (2010) sobre os rumos da educação e da escola, a partir de experiência semelhante vivida e da falência da educação pública nos Estados Unidos:

[...] Nossas escolas não melhorarão se nós continuarmos a focar somente o ensino de matemática e leitura enquanto ignorarmos os outros estudos que são elementos essenciais da educação. Nossas escolas não melhorarão se nos focarmos exclusivamente nos testes como meio para decidirmos o destino dos estudantes, professores e escolas; (...) nossas escolas não melhorarão se nós a introduzirmos no mundo mágico do mercado. Mercados tem ganhadores e perdedores. (...) nossas escolas não melhorarão se esperarmos delas que atuem como empresas privadas, lucrativas. Escolas não são negócio, elas são um bem público. O objetivo da educação não é produzir altas pontuações, mas educar as crianças para serem pessoas responsáveis com pensamento bem desenvolvido e bom caráter. (Ravitch, 2010: 224-242)

Recuperar o sentido e a razão de ser da escola e a qualidade educacional que por direito, meninos e meninas da escola pública tem e merecem se faz necessário, afim de que os atores da escola e da comunidade reflitam sobre os ideais proclamados pelas políticas públicas atuais, quando estas decidem um modo de fazer e um modo de ser, assim como sobre as conseqüências que o modelo utilizado por estas políticas produzem na realidade da vida na escola e da vida na sociedade.

Há que se ater a um ponto importante de reflexão que subjaz a idéia que as avaliações externas permeiam o processo direcionador de elaboração e reelaboração de projetos, diretrizes, indicadores e até mesmo reelaboração de currículo centrados em habilidades e competências a serem indispensavelmente adquiridas pelos estudantes. Antes, pois de puramente assimilarmos esta idéia, de forma ingênua, devemos nos remeter à gênese desta concepção: O Plano Nacional de Educação (PNE)/Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que tem como eixo principal induzir gestores, diretores, professores e outros funcionários a se responsabilizarem pelos resultados educacionais através de uma “gestão participativa”. As ações do PDE buscam garantir o fortalecimento da gestão escolar via um planejamento articulado e estratégico amparado na idéia de racionalidade técnica eficácia e eficiência do desempenho dos estudantes submetidos à avaliações de larga escala que testam a qualidade da educação oferecida sob a égide de habilidades e competências.

Quando retomamos as propostas dos coordenadores pedagógicos, respondentes da pesquisa, verificamos que há uma assimilação inequívoca dos mesmos aos preceitos do PDE que se propõe a ter um caráter inovador na gestão escolar sob os auspícios de um modelo gerencial em educação que propõe a efetivação da qualidade com menor custo, novos projetos e programas “inovadores” em educação, novos projetos, materiais curriculares diferenciados e amparados por ferramentas tecnológicas, reorganização do currículo e gestão da sala de aula, processos de formação de professor associados à demandas das competências a serem adquiridas pelos alunos. Tudo isso altera, sem dúvida, o cotidiano da escola, mas será uma ação de alcance político pedagógico estimuladora da construção da identidade da escola e de caráter emancipadora no que tange ao desenvolvimento da autonomia e emancipação do estudante?

Frente a estas observações uma nova questão se coloca: diante da escola que gostaríamos, mas que não tivemos no passado e da escola que temos hoje, que escola desejamos ter amanhã? Santos (2005) nos auxilia a pensar nesta escola quando afirma:

O passado que nunca foi exige uma reflexão sobre as condições que o impediram de ser. O passado que hoje é transformado em presente é o passado que não foi autorizado a existir. Tornado presente não como solução pronta, mas como um problema criativo susceptível de abrir novas possibilidades. (p. 347)

Sobre as experiências dos municípios em questão acreditamos que há certa positividade nos projetos inovadores desenvolvidos nas escolas, pois revelam movimentos tentativos dos atores na direção de saídas para a qualidade da escola pública. Importa, no entanto, manter sob vigilância as políticas públicas indutoras de qualidade nas escolas pela via da distribuição de prêmios pelas possibilidades de distorção que tendem a ocasionar e o que em nossa visão não ocorre inocentemente. A busca de respostas à pergunta para que e para quem se avalia a escola pública e as razões que perpassam a supremacia do olhar externo e as premiações não pode ser abandonada. Há muito ainda a entender, desvelar e superar nesta linha de investigação . E isso deve ser realizado em conjunto pelos atores interessados na proposição e sustentação de um Projeto Político Pedagógico alternativo, que se constrói nas contradições das políticas educacionais ditadas pelo capital.

REFERÊNCIAS

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