REICE 2013 - Volumen 11, Número 4
POLITICAS DE EDUCAÇÃO E ESTADO AVALIADOR NA AMÉRICA LATINA: UMA ANÁLISE PARA ALÉM DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS

INTRODUÇÃO

A avaliação, desde a década de oitenta, do século XX, tem recebido destaque nas escolas públicas e principalmente, pelo caráter de responsabilidade dos resultados atribuídos pelos governos neoconservadores e neoliberais, denominado pela literatura como Estado Avaliador. Esta designação sugere a competitividade, a educação direcionada para o mercado através de reproduções da gestão de empresas privadas, bem como, temos os produtos, que são os resultados nas avaliações externas.

“Neoliberalismo” e “ Estado neoliberal” são termos usados para designar um novo tipo de Estado que surgiu na América Latina nas duas últimas décadas. [...] Os governos neoliberais promovem as noções de mercados abertos, livre comércio, redução do setor público, menos intervenção do estado na economia e a desregulação de mercados. [...] A fundamentação política racional do estado neoliberal é feita de uma mistura de teorias e grupos de interesse que estão ligados à economia de oferta, ao monetarismo, a setores culturais neoconservadores, grupos opostos às políticas de redistribuição do estado do bem-estar, e a setores preocupados a todo custo com o déficit fiscal. Em outras palavras, é uma aliança contraditória. Tais modelos de estado são uma resposta às crises de confiança dos cidadãos são importantes para o exercício da representação democrática e confiança nos governos. Neste modelo culturalmente conservador e economicamente liberal, o estado, o intervencionismo do Estado e as empresas do estado constituem parte do problema, e não parte da solução. Como tem sido apontado em várias ocasiões pela ideologia neoliberal, o melhor estado é o governo pequeno. (Torres, 2001:65)

E como em um negócio, a educação precisa dar lucros, as ideias da privatização incentivadas pelo papel do Estado, alterando e proporcionando reformas locais e regionais, no sentido de contenção de despesas públicas e consequentemente, através da gestão educacional, controlar e regular gastos através de indicadores. Como a exemplo que acontece com as avaliações internacionais nos diversos países da América Latina.

Assim, as iniciativas internacionais de avaliação dos sistemas educativos nacionais tem tomado forte impulso durante as últimas décadas. Ainda que historicamente a participação dos países latino americanos em experiências de avaliação de aprendizagem escolar mediante instrumentos estandardizados de aplicação a grande escala tem sido reduzida, nos últimos anos tem adquirido maior continuidade como conseqüência de algumas trocas. Entre estas transformações cabe mencionar a centralidade do discurso da medição e da rendição de contas no campo da educação, e no rol das agências internacionais na construção, difusão e legitimação do discurso do Estado Neoliberal.

Para Alfonso (2000:51), a avaliação como “es un mecanismo de regulación y, simultáneamente, un mecanismo de desregulación”. El autor realiza este plantão en términos de nova deixa como La combinassem de políticas neoliberais y neoconservadoras” (2000:51). Mas alem dos argumentos que defendem ou questionam as iniciativas internacionais de avaliação, a centralidade das regras avaliativas devem ser compreendias dno discurso da eficiência e da qualidade da educação que se tem fortalecido durante as últimas décadas. A crescente preocupação dos países para competir nos mercados internacionais, tem levado os governos a redefinir os objetivos da educação pública. Na atualidade a melhoria das economias nacionais é um dos principais propósitos dos sistemas educativos, estabelecendo para tal fim relações intensas entre a escolarização e o empenho, assim como melhorando os resultados de aprendizagem vinculados as competências e destrezas requeridas pelo mercado de trabalho.

Neste sentido, a centralidade dos resultados na educação na região, está imbuída na lógica do mercado, donde as políticas econômicas estão diretamente vinculadas a Agenda Globalmente estrutura (Dale, 2002) que determina e controla a responsabilidade dos governos e os compromissos com a educação. E por conseguinte, quando a avaliação é utilizada para fins mercantis, se converte de algum modo como un instrumento para aumentar ainda mais a desigualdade social.

1. O ESTADO-AVALIADOR: PERSPECTIVA HISTÓRICA

Para compreendermos melhor o patamar que envolve as questões das avaliações externas, faz-se notório tratarmos de algumas conceituações sobre o Estado-Nação, principalmente, quando contextualizado nos dias atuais. Para Boneti (2010), ao tratar do papel do Estado, coloca que com o fim da Guerra Fria e a dispersão da globalização da economia, torna-se necessário partir para outra forma de definição de Estado e Nação, devido aos riscos da universalização das questões sociais e econômicas, pois,

A partir dessa nova configuração mundial, torna-se simplista entender o Estado como uma simples instituição de dominação a serviço da classe dominante, por exemplo. Ou, por outro lado, torna-se simplista também entendê-lo como uma instituição regida pela lei, a serviço de todos os segmentos sociais. Essa nova configuração do contexto social, econômico e político, originada com o processo da globalização da esfera econômica, impôs elementos novos na relação entre Estado e sociedade civil. Nesse caso, torna-se impossível pensar que a formulação das políticas públicas é pensada unicamente a partir de uma determinação jurídica, fundamentada em lei, como se o Estado fosse uma instituição neutra, como querem os funcionalistas. Se assim fosse, as políticas públicas seriam definidas tendo como parâmetro unicamente o bem comum e este seria entendido como de interesse de todos os segmentos sociais. Esse entendimento nega a possibilidade do aparecimento de uma dinâmica conflitiva, envolvendo uma correlação de forças entre interesses de diferentes segmentos sociais ou classes. (Boneti, 2010:64)

De acordo com o autor, o papel do Estado diante desta nova ordem global em que as fronteiras nacionais sofrem as influências mundiais, adverte-nos que não podemos nos limitar em colocações de que o Estado estaria a serviço somente de uma classe devido à força dos demais movimentos sociais. Apesar da existência de condicionantes capitalistas, a classe dominante não determina sozinha as políticas públicas educacionais no país. No entanto, no que diz respeito aos organismos internacionais, pela imposição de regras e determinações direcionadas para a ampliação das relações capitalistas, os questionamentos acontecem de forma competitiva entre os governos, onde o Estado se ausenta dando espaço para a exclusão social.

Para Almeida (2010), as desigualdades sociais fazem parte da conjuntura dos Estados-Nação que perdem a autonomia nas instituições escolares por estarem dependentes das estruturas políticas e econômicas:

Com o processo de (des)construção política e ideológica das instituições escolares, no qual a maioria dos países da América Latina está imersa, desde a virada do milênio, as oportunidades de diminuição da desigualdade social são irrisórias, porque estes Estados-Nação perdem, paulatinamente, a tão discutida soberania nacional, além da autonomia de decisão política-econômica, educacional e social; há um desmanche Institucional lento e gradual no processo de dependência econômica. (p. 224)

Em temos gerais os processos de troca implicaram a transformação do Estado Bem feitor na América Latina, que levou a uma redução do papel do Estado nas diversas atividades e se traduziu em uma cascata de privatizações, (des)regulações e recessão comercial.

Na esfera política este processo foi denominado como a etapa de modernização estatal que procurava “igualar” o desenvolvimento das ações entre os países centrais e os periféricos, mas na verdade não era outra coisa senão a versão renovada e neoliberal do desenvolvimento latino americano da década de 1960 que disfarçado de modernização queria inserir se novamente, em uma perspectiva desenvolvimentista que pregava a competição para que se sentissem “iguais” aos denominados países centrais (Tello, 2011). Assim o Estado avaliador é a denominação que assume a relação do Estado e das políticas educativas no marco do neoliberalismo.

2. ESTADO AVALIDAOR E AS POLITICAS DE EDUCAÇÃO

Ainda, a respeito da definição sobre o Estado, Torres (2001) refere-se como sendo a totalidade da autoridade política numa dada sociedade, diante do fato de que vários elementos-chave definem institucional e funcionalmente a noção de Estado porque inicialmente, o Estado é considerado um conjunto de instituições ocupadas pelo próprio pessoal do Estado, ou a burocracia. Sendo que estas instituições vão desde instituições responsáveis pela lei e a ordem, assim como, a violência e coerção, que somam os tribunais, a força policial e o exército, inclusive as instituições ligadas à política social e à educação. Entendendo a noção de Estado-Nação em que as instituições do Estado são geograficamente localizadas num território limitado. O referido autor, está de acordo com Gramsci, quando afirma que:

A educação, como parte do estado, é no fundo um processo de formação do “conformismo social.” Os sistemas educacionais, e as escolas em particular, são vistos como instrumentos privilegiados para a socialização de uma cultura hegemônica. O estado como “estado ético” ou como educador, na visão de Gramsci, assume a função de construir uma nova civilização. Desta forma ele constitui um instrumento de racionalização. Na análise de Gramsci, escolas e igrejas são vistas como as maiores organizações culturais em cada país, e como as que em última análise produzem hegemonia. Esta noção de hegemonia em Gramsci refere-se a um processo de liderança intelectual e moral estabelecida. Mas este consenso é dinâmico e não estático. Ele sempre emerge de uma luta ou confronto entre forças sociais, ideológicas, filosóficas e concepções gerais de vida. Ele entende hegemonia como um processo de dominação social e política, onde as classes governantes estabelecem seu controle sobre as classes a elas aliadas através de liderança moral e intelectual. A hegemonia adquire um caráter pedagógico; mas Gramsci também se refere à hegemonia como o uso dual de força e ideologia para reproduzir relações sociais entre as classes governantes e as classes subordinadas. Se a hipótese de Gramsci for plausível, então o exame da relação entre o estado e a educação torna-se central para compreender a política e a cultura nas sociedades capitalistas. (Torres, 2001:26)

Dentro dessa concepção, torna-se necessário buscar a noção do Estado nas políticas e práticas educacionais públicas, pois os sistemas são mantidos, estabelecidos, organizados e determinados pelo Estado, caracterizado como um acordo de dominação e em um sistema de autorregulação administrativa, desempenhando papel central no contexto da mediação das crises do capitalismo que estão diretamente relacionadas às reformas, através dos cortes financeiros na educação pública, prova de competência e substituição de pessoal. Para Torres (2001), a dominação e a hegemonia teoricamente propõem que “o Estado aparece então como um terreno contestado, como uma arena de confronto para projetos políticos” (p. 42).

Assim, Whitty et al (1999) afirma que a presença de um Estado Avaliador se caracteriza por possuir mecanismos de controle e rendição de contas, deixando o sentido de garantia do direito da educação no espaço não estatal. Como sustenta Power (1997:53) “isto não equivale a um menor controle estatal, mas simplesmente a substituição dos métodos de controle direto por técnicas liberais de controle indireto, que podem ser mais eficazes como instrumentos executivos do Estado”. Como assinala Normand (2003) a obsessão pelos resultados e por comparação internacional de performances possui um duplo propósito: “moldar” un modelo político para l educação e institucionalizar um modelo de governo. Neste sentido como afirma Teodoro (2011:12) “confisca el debate democrático e impide una reflexión sobre el proyecto política de la escuela”.

Diante disso, um conjunto de autores latino americanos encabeçado por Brunner (1994:53) tem afirmado que “redefinir la relación de los sistema con el Estado en torno a los ejes de la responsabilidad pública en educación “accountability”, la evaluación e información y una mayor exposición a la demandas sociales supone crear un nuevo contrato social”. Este outro contrato social foi o que promoveu muitos intelectuais da educação durante a década de 1990 contribuindo para o surgimento e consolidação do Estado Avaliador na América Latina.

E quando a política pública é discutida surgem os conflitos entre os movimentos sociais, consequência da luta de classes, que é a definição feita por Poulantzas (1980) ao explicar que o estado capitalista intervém na autonomia, contribuindo para a acumulação e legitimação do capital. Sendo assim, o autor explica que “Todo Estado não passaria, neste sentido, de uma ditadura de classe” (Poulantzas, 1980:14) que se estende na realidade do cotidiano, onde os interesses são determinados, ajustados pelo Estado que define pelo poder da teoria política os desmandos nas relações de produção e reprodução capitalista.

O Estado, insistem, é um aparelho especial: possui uma ossatura material própria que não é reduzível às relações (tal e qual) de dominação política. O que pode ser formulado para o Estado capitalista da seguinte maneira: por que a burguesia geralmente recorre, com a finalidade de dominação, a este Estado nacional-popular, a este Estado representativo moderno com suas instituições próprias, e não a um outro? Porque não é de maneira nenhuma evidente, longe disso, que, se a burguesia pudesse criar um Estado completo e conforme suas conveniências, teria escolhido este Estado. Se este Estado lhe propiciou, e propicia continuamente, muitos benefícios, ela está longe, não mais hoje do que no passado, de se gabar por isso. (Poulantzas, 1980:15)

Em se tratando do campo educacional, da escola pública, muitas críticas e tensões estão relacionadas ao processo de escolarização. Partindo da conjuntura referente às políticas públicas a situação atual dos problemas nos remete a diversas variantes e uma única alternativa: as relações de aproximação entre o Estado e as classes dominantes. Isto nos reporta a situações em que um/uma aluno/a da escola pública aprende menos e trabalha muito mais futuramente, diante da exclusão social imposta pelos sistemas de ensino nas sociedades globalizadas que emergem das nações dependentes dos poderes em escala mundial que apenas buscam resultados para invisibilizar a ação pedagógica.

Para Poulantzas (1980), o Estado capitalista só pode ser compreendido a partir da história das lutas políticas, pois:

Recapitulando: se as relações de produção traçam o campo do Estado, este desempenha contudo um papel autônomo na formação dessas relações. A ligação do Estado às relações de produção constitui a primeira relação do Estado com as classes sociais e a luta de classes. No que diz respeito ao Estado capitalista, a separação relativa das relações criadas pelas relações de produção constitui o funcionamento organizacional de sua ossatura orgânica e revela sua ligação com as classes sociais e a luta de classes sob o capitalismo. (p. 30)

No caso da reprodução do poder, o discurso do Estado é diversificado para todas as classes, no sentido de representá-las através das formas de elaboração e formulação de seus objetivos políticos, imbricados de ideologia e repressão (através da justiça, prisão, polícia) que compõem sua concepção e ação, assim como, “o Estado tem papel constitutivo na existência e reprodução dos poderes de classe, e em especial na luta de classes, o que explica sua presença nas relações de produção” (Poulantzas,1980:44).

Tal como a determinação de um modelo organizacional, as instituições escolares se estruturam baseadas em uma concepção mecanicista e burocrática, em conjunto com administrações antidemocráticas, geralmente, através de cargos indicados por padrinhos e madrinhas partidárias, que no controle não consideram a educação pública prioridade. E a cada dia que passa, aparece uma nova determinação do Estado, que procura por em prática as reformas neoliberais que defendem o sucateamento do ensino público dispondo de estratégias discursivas de oportunidades profissionais, compensações conseguidas através de resultados das avaliações externas, que se volta sobre os/as alunos/as, num processo de responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso no mercado de trabalho. Para o mesmo autor (Poulantzas, 1980), já que o trabalho intelectual está separado das relações de produção, esses aparelhos contribuem para a efetivação do domínio, do saber e do discurso, ideologicamente dominante em que as massas populares não estão incluídas. É como se o conhecimento (econômico, político e histórico) fosse segmentário e fragmentado de acordo com as estratégias de poder, usando uma série de deslocamentos, distorções de sentido, códigos discursivos necessários para a economia e direcionados para um mercado nacional em que a escrita e a leitura fazem parte da papelada da organização estatal e discursada, principalmente nas escolas, onde se concretiza a formação da mão-de-obra.

Tudo se passa como se nesse Estado de fala aberta e língua nacional unificada, o segredo em relação às massas populares e a cristalização do saber-poder estivessem passados inteiramente na escrita do Estado, cujo hermetismo com referência às massas populares, excluídas dessa escrita, é assaz conhecido. Foi esse Estado que sistematizou, quando não descobriu, a gramática e a ortografia montando-as em redes de poder. Enfim, essa relação poder-saber se traduz por técnicas particulares de exercício do poder, por dispositivos precisos, inscritos na trama do Estado, de distanciamento permanente das massas populares dos centros de decisão: por uma série de rituais, de formas de discurso, de modos estruturais de tematização, de formulação e tratamento dos problemas pelos aparelhos de Estado de maneira tal (monopolização do saber) que as massas populares (nesse sentido trabalho manual) ficam de fato à parte disso. (Poulantzas, 1980, 67-68)

No entanto, o autor afirma que não se trata de limitar a ligação do Estado e das relações de produção à distribuição do trabalho intelectual, mas representa uma organização, em particular, do espaço político, onde “o papel do Estado, porém, não é o de inculcar a ideologia dominante, mesmo materializada em práticas” (Poulantzas, 1980:74) que são constitutivas da organização da divisão de trabalho e estão presentes também, na realidade da escola pública quando a sociedade a responsabiliza pela ineficiência do currículo, das ações pedagógicas e avaliações. No que corresponde à formação do ser humano, aos problemas de uma sociedade mercantilista, de certa forma, a lei é usada como parte integrante da ordem através de normativas, portarias, medidas provisórias repressivas que ditam as formas domínio exercidas no cotidiano.

Muitas das ações do Estado que ultrapassam seu papel repressivo e ideológico, suas intervenções econômicas e sobretudo, os compromissos materiais impostos pelas classes dominadas às classes dominantes, uma das razões do consentimento, vêm inscrever-se no corpo da lei, fazendo parte de sua estrutura interna. A lei apenas engana ou encobre, reprime, obrigando a fazer ou proibindo. Também organiza e sanciona direitos reais das classes dominadas (claro que investidos na ideologia dominante e que estão longe de corresponder em sua aplicação a sua forma jurídica) e comporta os compromissos materiais impostos pelas lutas populares às classes dominantes. (Poulantzas, 1980: 94-95)

Contudo, a escola pública depende diretamente dos recursos financeiros do Estado, configurando assim, que os conceitos de autonomia, participação, descentralização ainda que esperem por políticas educacionais diante de leis que não sejam reduzidas a interesses políticos e econômicos, ou mesmo desrespeitadas por governos ditadores. Pois, para o autor:

Os lugares e os elos de reprodução ampliada das relações sociais, as formações sociais tendem a recortar os limites do Estado-Nação ao se tornarem formações sociais nacionais. O desenvolvimento desigual, característica do capitalismo desde seus inícios, tende a ter como pontos de sustentação nos Estados-Nações dos quais precisamente ele fundamenta a relação. (Poulantzas, 1980:107)

Embora haja proximidade entre sociedade e o Estado capitalista que se denomina Estado nacional “essa relação do Estado com as relações de produção faz com que os recursos materiais de que ele dispõe sejam estruturalmente limitados” (Poulantzas, 1980:222) Por outro lado, as dificuldades e implicações para a educação pública acentuam drasticamente as desigualdades sociais quando o ensino passa a ser desprezado.

Considerando as mudanças ocorridas nas últimas décadas, o autor Dale (2006), quando trata da globalização na governança (Coordenação da Educação: No sentido de condução das relações entre Estado e Educação; O termo governança foi utilizado para traduzir original inglês governance) da educação, afirma que o ponto central dessa discussão é o reconhecimento de uma outra descrição da relação entre Estado e Educação no que diz respeito à privatização das escolas. E na conjuntura desse processo, algumas mudanças importantes ocorreram no papel e modo de ação do Estado, dividindo as responsabilidades entre o mercado, a comunidade e a família, essencialmente, para contribuir com o pagamento das mensalidades. Dale (2006) afirma existirem: “Argumentos relativos ao esvaziamento do Estado, em que algumas das antigas responsabilidades foram desviadas para o nível mais elevado do supranacional e outras para os níveis mais baixos do subnacional e da sociedade civil” (p. 63). Sendo que, na coordenação, este Estado tem o controle político-econômico e como regulador de recursos é o organismo de acumulação, ordem e legitimação, diretamente envolvido com as contradições resultantes das alterações que influenciam as tomadas de decisões educacionais.

Entretanto, as reformas e reorientações das políticas públicas educacionais seguem o ritmo das decisões internacionais da sociedade capitalista. Assim, em resposta à recomposição da hegemonia e ascensão do neoliberalismo surgem iniciativas para ajustes nos sistemas públicos, em especial, nas escolas, com afirmam Fischman e Sales (2010):

A ênfase nos conteúdos e indicadores mensuráveis e o discurso das soluções técnicas com insistência de marcar as “falências” históricas da intervenção estatal para atender às necessidades educativas de todos os cidadãos são marcas fortes na construção da credibilidade do discurso neoliberal. As perspectivas neoliberais agregam força discursiva e influência política através das promessas de novo tipo de liberdade não ideológica e de uma crítica vigorosa às intervenções do Estado na educação. As perspectivas neoliberais autoapresentam-se como uma superação do mundo da política e das ações políticas, definidas por elas como essencialmente corruptas. O neoliberalismo educativo situa-se discursivamente como uma volta a um suposto estado de natureza, um retorno aos impulsos “naturais” do individualismo e da competição. (p. 11)

Sendo assim, os sistemas escolares complacentes necessitam de conceitos cada vez maiores, com resultados a serem atingidos em tempo determinado, com rendimentos quantificados e eficiência comprovada, entendendo que seu valor pode ser atribuído, contabilizado. Justificando assim, as exigências na formação geral para que saindo da escola estes/as jovens consigam se adaptar à velocidade das mudanças que o Estado Avaliador os obriga.

Dessa maneira, a eficiência mercadológica e seus mecanismos foram incorporados no cotidiano escolar na América Latina, por meio das formas de gestão e controle do trabalho utilizando uma nova racionalidade: a descentralização, a autonomia, a participação e avaliação de resultados.

Segundo Afonso (2001), a redefinição do papel do Estado para as políticas públicas educacionais, tendo em vista os processos de globalização e trans-nacionalização do capitalismo, marcaram de forma intensa a sua intervenção: “Neste sentido, a centralidade da Escola decorreu até agora, em grande medida, da sua contribuição para a socialização (ou mesmo fusão) de identidades dispersas, fragmentadas e plurais” (p. 18). Por isso, os desafios para adesão dos processos e as consequências da nova configuração e ressignifido das cidadanias, são resultantes das manifestações coletivas da democracia comprometida com a transformação social. E muitas vezes, analisando a cidadania como construção histórica, a mesma reflete um espaço contraditório na disputa de interesses sociais, políticos, econômicos e culturais, que expressam restrição ou exclusão, como também, interação aos movimentos sociais, na concretização e melhoria das condições de vida das pessoas ou grupos sociais suscetíveis às artimanhas da exploração e acumulação do capital.

Entretanto, a consolidação de uma nova conjuntura, na década de 90 do século XX, diante das reformas na gestão do sistema educativo e da escola é definida como quase mercantil pelo modelo de centralização do poder, expresso através de regulação e divulgado a partir de um processo de descentralização. Krawczyk (2005) o apresenta em três etapas: “descentralização entre os diferentes órgãos de governo (municipalização), descentralização para escola (autonomia escolar) e descentralização para o mercado (responsabilidade social)” (p. 799) Que através da inversão e mudança de significado ao ser entendida como processo de descentralização, a gestão escolar, passou a ser o auge financeiro e de regulação social, porém não obtiveram resultados no cotidiano escolar.

Deixa de ser expressão da demanda da comunidade educativa por maior autonomia escolar, em busca de democratização das relações institucionais, para passar a ser resultado da preocupação dos órgãos centrais por redefinir quem deve assumir a responsabilidade da educação pública: tanto pela definição de seu conteúdo, como por seu financiamento e resultados. (Krawczyk,2005:805)

Para a autora (Krawczyk, 2005), a concepção de liberdade é compreendida como a matriz liberal-conservadora, de forma negativa e regressiva, por se tratar de individualismo e alcança a plenitude na redução extrema da possibilidade de poder coletivo e do Estado:

Na passagem do âmbito empresarial para o escolar – e no marco da reconfiguração do papel do Estado na provisão e regulação educacional -, afirma-se que uma escola autônoma é aquela que tem maior liberdade de organização, gestão e ação. A liberdade na gestão escolar estaria garantindo o aumento da responsabilidade de seus atores e, portanto, a eficiência da instituição. Essa ideia de liberdade na gestão surge como possibilidade ao serem suprimidas as ações governamentais, o que obriga as instituições a se tornarem autônomas. (p. 809)

Sendo que, a ausência de ações propicia a representação de livre iniciativa para a realização de trabalhos diversos com premiações pelo desempenho pessoal ou institucional, aferindo o fracasso sem responsabilidade alguma pelos problemas de gestão educacional. E em conformidade com estratégias de universalização do serviço educativo, para dar impressão de comprometimento dos direitos sociais e subtrações significativas nas receitas procedentes de impostos e ajustes fiscais. Aproximando também, o setor público ao privado, de forma confundir os direitos sociais e individuais.

Livre da responsabilidade educacional, no sentido financeiro e comprometimento com a oferta de trabalho, a próxima iniciativa é consolidar um mercado de consumo de serviços direcionados à educação, normativas de acordo com a exigência, designando aos pais o direito de escolha, controle e cobranças no sistema educativo.

Para discutir um pouco a esse respeito, em alguns países também, tramita a ideia de autogestão através de cooperativas educacionais, onde os recursos públicos atuam singularmente, de forma que, acentua mais as desigualdades. Essa transferência de funções e responsabilidades, gera o compromisso coletivo de assumir a educação pelo bem-estar de todos/as e surgem “os amigos da escola, a empresa cidadã,” entre outras denominações, com ou sem parceria para manutenção e reformas, trazendo para o discurso a integração entre escola e comunidade, dilacerando de forma real a organização educacional, que altera não só a qualidade do direito à educação, mas as conquistas sociais.

Como sinalizamos no título o Estado Avaliador não foi uma questão somente das décadas de 1980 ou 1990, como afirma Ball (2007) na atualidade existem espaços de “privatização encoberta” da educação pública. Este autor, ao referir-se ao “Estado policêntrico” como um Estado Avaliador explica que é um Estado presente mas simultaneamente neoliberal, e afirma:

Consideramos que todos esos cambios son muestra de muchos modos diferentes de privatización, que implican formas muy diversas de relaciones con el sector público. En el centro de esos cambios se encuentra lo que denominamos “el Estado como creador de mercados”, como punto de partida de oportunidades, como remodelador y modernizador. Ello va acompañado simultáneamente de una “re-intermediación” de la política educativa, a medida que las empresas privadas, los grupos de voluntariado y las ONG, los patrocinadores y los filántropos se convierten en protagonistas principales de la educación pública, tanto en los países más industrializados del mundo, como en los recientemente industrializados o en los países en desarrollo. (p. 39)

Neste sentido, podemos destacar que o Banco Mundial (1999:38), em seu documento “La Educación en América Latina y el Caribe”, identifica como “algunos logros” a acessibilidade na educação da nossa região: “las ONG también participan cada vez más en la prestación de servicios de educación tanto escolarizada como no escolarizada”.

Sem dúvida que o Banco Mundial com uma terminología distinta a que empregava na década de 1990 “celebra” a presença de um Estado Avaliador, ainda presente na América Latina. Isto se pode observar na criação de sistemas de avaliação educativa de vários países da região, criados durante a década de 1990: SAEB, Brasil, (Sistema Nacional de Evaluación de la Educación Básica, 1988); SIMECAL, Bolivia (Sistema de Medición y Evaluación de la Calidad de la Educación, 1997); SIMCE, Chile (Sistema de Medición de la Calidad de la Educación, 1997); APRENDO, Equador (Sistema Nacional de Medición de logros académicos, 1998); SNEPE, Paraguai (Sistema Nacional de Evaluación del Proceso Educativo, 1999); UMRE, Uruguai (Unidad de medición de resultados Educativos, 1996); SINEC, Argentina (Sistema Nacional de Evaluación de la Calidad, 1993). E na década de 2000 estes programas continuaram de um modo praticamente inalterado com somente alterações de denominação do sistema.

Diante dessa redefinição do papel do Estado como avaliador, sem questionamento de valores nem de ordem social e pedagogias predominantes, o que pontuamos são as relações de poder, contradições e as consequências assinaladas nas políticas educacionais atuais. Todos esses agravantes implicados nas teorias disponíveis sobre o Estado geram a urgência de outras possibilidades que sejam capazes de desenvolver e explanar sobre os limites e ações no contexto ideológico da globalização, que por enquanto, ainda são tímidas, apenas exploratórias, em relação às pressões condicionantes a esta megaestrutura. Diante do exposto, as condições estabelecidas pelos Estados-Nação também possibilitam a transferência do ensino para a instrução, treinamento e execução, onde a informação representa o conhecimento fragmentado. Para Almeida (2010) “e necessário, então, que a escola seja repensada para que possa transformar a informação em conhecimento socialmente significativo para o conjunto da população” (p.229). Pois, o que temos é uma escola que não está em consonância com a sociedade e necessita urgentemente de outras formas de ensinar e aprender, onde a práxis seja possível.

A retração dos direitos sociais, apelos ideológicos à comunidade, bem como a crise de legitimação do Estado, contribuem para decisões ambíguas e heterogêneas, sem profundidade para confrontar criticamente a realidade posta, ou ainda, pela contribuição da educação para a reprodução de mão-de-obra qualificada, que fica embutido no slogan: “É importante estudar, para se ter um emprego garantido.” Entretanto, há vários pontos a serem considerados, soluções, tensões, que se aproximam de políticas equacionadas contra a hegemonia da atuação do Estado.

As experiências nos mostram por meio de estudos, que para entrarmos no engendramento das políticas educativas é importante conhecermos principalmente, a hegemonia discursiva, a colonização do vocabulário das reformas, a bricolagem (trabalho ou conjunto de trabalhos manuais, ou de artesanato) de conceitos com a intenção de dar outro sentido para o entendimento dos textos oficiais, pois os significados são propositalmente pensados para adaptarem-se aos níveis macro e micro de análise de muitas interpretações direcionadas a apenas um objetivo: evidenciar o poder dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre outros.

Shiroma et al. (2005), em seu artigo coletivo, apresenta subsídios teóricos para análise de textos políticos a partir de conceitos, conteúdos e discursos presentes nos documentos de política educacional para a compreensão dos discursos implícitos que são designados como produtos e produtores de orientações políticas.

Como por exemplo, no início dos anos noventa do século XX, predominaram vocábulos enaltecendo a qualidade, competitividade, produtividade, eficiência e eficácia. E no final da mesma década, a prioridade estava voltada para a economia, através do uso frequente das palavras: justiça, equidade, coesão social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança. Pois,

Palavras importam, fazem diferença, era o alerta feito por um importante relatório, elaborado [...] pela Comission on Wealth Creation and Social Cohesion da União Europeia presidida por Dahrendorf (1995). Dedicou um capítulo inteiro ao tratamento do “vocabulário para mudança.” Iniciava dizendo: words matter. Esse relatório propôs que rompêssemos a prisão do vocabulário que ignora importantes elementos do “bem-estar” e, para fazê-lo, sugeriu o uso de alguns termos especialmente importantes, como: riqueza (wealth), desenvolvimento sustentável, inclusão, flexibilidade, segurança e liberdade, comprometimento, beneficiários (stkeholders), cidadania, domínio público, redes de cooperação e voluntarismo. (Shiroma et al., 2005:428)

No que diz respeito às pesquisas comparativas, existe uma tendência contínua à homogeneização das políticas educacionais em nível mundial, principalmente em trechos de documentos e relatórios de América Latina para marcarem o acompanhamento das reformas nos países como Estados Unidos e Inglaterra, recomendações expressas para serem denominados como “países emergentes” (Shiroma et al, 2005:429).

Para uma compreensão dessa relação, a linguagem merece ser estudada como constituição intrínseca, na sua essência, pois realmente, as denominações: coesão social, inclusão, aprender a aprender, cidadania e profissionalização, foram trazidas de autores há muitos anos, no entanto, são reformulados e utilizados atualmente nos documentos que orientam as políticas públicas educacionais, na saúde e também, no serviço social, por que quanto maior a abrangência, melhor para os resultados.

O que encontramos normalmente em muitas escolas são documentos com recomendações recebidos por e-mails, os quais muitas vezes, não são compreendidos e executados. É necessário considerar os aspectos contraditórios que envolvem estas comunicações atribuídas de sentidos e significados distintos a um mesmo assunto, onde nesse campo de disputas conceituais, as intenções políticas podem se tornar ambíguas e dar abertura para oportunidades particulares, que centradas na hegemonia discursiva combinam armadilhas através do uso da retórica e difusão dos significados.

Existem textos que se transformaram em cartilhas, como o Relatório Delors, em 1999, sendo referência para muitos educadores/as na América Latina. Outros textos também circulam, apresentando clareza em contextos particulares revestidos de diferentes discursos pedagógicos, pois sendo textos, podem ser descontextualizados, independentemente do local e montados novamente, com formato plural, harmonioso, aberto para direcionamentos de acordo com seus propósitos e reinterpretações para sustentar ou modificar as políticas educacionais.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da falta de participação das vozes da comunidade escolar que na maioria das situações não refletem em decisões, as próprias políticas educacionais têm mantido a posição distanciada das pessoas envolvidas no processo, que revela a vontade de exclusão dos sujeitos que pertencem ao conjunto, que sofrem e recebem ordens, sem participação democrática.

Diante desses fatos, para compreendermos a interferência do discurso para ilustrar, citaremos mais alguns exemplos de linguagem gerencial, de acordo com Shiroma et al, (2005):

O uso recorrente da noção de crise para justificar as mudanças pretendidas pelos governantes é outro aspecto que podemos assinalar como expressão da retórica discursiva presente nas reformas educacionais. Para se enfrentar a crise, miram-se nas estratégias e importam o vocabulário de um setor acostumado a deparar-se com ela e a vencê-la: o empresariado, flexibilidade, beneficiários, gestão, parceria e o abuso na adoção de termos da economia, como investimento, recursos, inovações técnicas, constituem-se, atualmente, nas referências do discurso reformador. Paulatinamente, os problemas educacionais vão sendo traduzidos como problemas de gestão da educação, de má administração. Somam-se à “lista das palavras mais usadas” vocábulos como monitoramento, gerenciar, avaliar. (p. 438)

Entre outros termos que ouvimos, temos também palavras que remetem a outras, como competição, “seja o melhor,” individualismo, “dê o melhor de si,” apelos para a comunidade, como solidariedade, demonstram que a ideologia da gerência educacional e também, a conformidade e propagação de vocábulos específicos com finalidades pedagógicas e gerenciais. Como por exemplo, o uso de metáforas, como “treinar professores/as,” “equipar as escolas,” reportando as pessoas para ambientes que não pertencem ao cotidiano escolar, justificando modernidades de comunicação. No entanto, analisar criteriosamente os discursos é uma maneira de refletirmos o real sentido das palavras, sem nos deixar enganar, fazendo uma interpretação adequada das práticas discursivas, a qual nos possibilita participar das proposições educacionais apresentadas pelo Estado.

Segundo a autora Nörnberg (2005) “a crise institucional, talvez seja a mais significativa. Pois nela se repercute tanto a crise da hegemonia como a crise da legitimidade”(p.4). Desse modo, a questão a ser discutida é a autonomia gerada pela crise das políticas sociais, mais a crise financeira do Estado, que no caso, passa de produtor de bens e serviços para comprador, privatizando suas funções públicas. É diante desta perspectiva que surge então, o Estado Mínimo, por deixar de realizar o bem-estar social:

No caso das instituições de ensino e desempenho do Estado, enquanto Estado Regulação, é visível a olhos nus, isso porque as instituições de ensino alicerçam seu poder junto ao corpo discente através da avaliação dos funcionários, avaliação dos docentes, avaliação da produção dos docentes para promoção, cujo caráter parece estar muito sedimentado pelos pressupostos quantitativos. É dessa forma que se constitui o Estado Regulação que sobre a égide emancipação faz a regulação (Estado avaliador da e de produtividade). Em outras palavras, em tempos de Estado Mínimo o que se tem é mínima intervenção econômica, e dessa forma a diminuição drástica dos recursos e investimentos na área de políticas sociais, tudo isso em nome da emancipação dos setores e serviços, que agora terão maior liberdade para negociarem prováveis financiamentos. (p. 5)

Na prática escolar, a situação é de cobranças e na maioria das vezes, exigências infundadas. No entanto, algumas escolas, devido aos seus resultados depreciativos recebem financiamentos mínimos para melhorias em recursos didáticos e formação de professores/as. No caso da aprendizagem, a relação é complexa, pois na medida em que alguns recursos surgem, os encaminhamentos são isolados ou descontextualizados e sem reflexões sobre o processo ou indicativos de mudanças, apenas uma prestação de contas que serve de motivo para controlar as despesas públicas. E assim, as escolas continuam recebendo o mínimo como justificativa de que o Estado atua de alguma forma, pelo menos aparentemente e a sociedade acredita que medidas foram tomadas, porém nada muda.

A pretensa responsabilidade incutida nas avaliações externas articula direta e indiretamente na desvalorização da educação pública, ampliando o poder do Estado em determinar qual escola recebe ou não financiamento, como aponta Afonso (2000) ao evidenciar a condição de quase-mercado no controle do Estado Avaliador:

É, aliás, esta combinação específica de regulação do Estado e de elementos de mercado no domínio público que, na nossa perspectiva, explica que os governos da nova direita tenham aumentado consideravelmente o controlo (sic) sobre as escolas (nomeadamente pela introdução de currículos e exames nacionais) e, simultaneamente, tenham promovido a criação de mecanismos como a publicação dos resultados escolares, abrindo espaço para a realização de pressões competitivas no sistema educativo. (p. 116-117)

O que se questiona é que o Estado Avaliador propõe uma preocupação voltada para consumidores/as que priorizam os resultados para divulgar novas reformas, criação de currículos e até mesmo, estabelecer condições para possíveis privatizações, como a terceirização da merenda escolar, e assim, tornando-se mais mercado e menos Estado, transferindo para a comunidade a lógica da emancipação, através da convocação para a participação. Todos esses elementos cumprem um papel na conjuntura mundial, em que a globalização estende seus domínios nas políticas educacionais.

Entretanto, as formas de avaliações externas exercem pressões sociais entre a escola democrática e a escola meritocrática, que ao mesmo tempo é discriminatória, quando o sistema educativo impõe um currículo mais instrumental e avaliações (que selecionam) sem valorização das avaliações formativas num contexto social e político. Se no processo educativo, os argumentos marcam desigualdades, as mesmas seguem as tendências da legitimação do mercado educacional, por isso, a realidade apresenta contradições como, alguns alunos/as, talvez a minoria daqueles que prosseguirem seus estudos, na escola pública, possivelmente precisarão pagar pelos seus estudos universitários; enquanto, outros/as da escola particular, poderão escolher a universidade federal, portanto, gratuita, para dar continuidade aos seus estudos.

Santos (2006), quanto trata da desigualdade e a exclusão, que decorrem das exigências do sistema produtivo em contrapartida aos desmandos do Estado Avaliador, ele expõe que:

regulação social da modernidade capitalista se, por um lado, é constituída por processos que geram desigualdade e exclusão, por outro, estabelece mecanismos que permitem controlar ou manter dentro de certos limites esses processos. Mecanismos que, pelo menos, impedem que se caia com demasiada frequência na desigualdade extrema ou na exclusão/segregação extrema. Estes mecanismos visam uma gestão controlada do sistema de desigualdade e de exclusão, e, com isso, a redução das possibilidades de emancipação social às que são possíveis na vigência do capitalismo. (p. 282)

Retomando a complexidade da concentração e delegação de ordens, a gestão mantida pela regulação e emancipação, onde o sistema como um todo, ignora a desigualdade e a exclusão, universalizando-as com a indiferença, impedindo e negando para se distanciar de ações voltadas para os direitos humanos e mantê-las dentro das proporções determinadas. Esta é a razão pela qual o Estado Avaliador, não democrático, controla os processos de escolarização com características ausentes de compromissos públicos.

Partindo desse pressuposto, antidemocrático, temos a exacerbação do individualismo presente em todas as instâncias da educação, tanto na gestão quanto pedagogicamente, onde o indivíduo é livre para fazer o que bem entende e por isso, a principal função da escola é proporcionar condições para que cada indivíduo desenvolva suas capacidades intelectuais e contribua, através de seu esforço, para uma sociedade consumista.

Afonso (1999), em entrevista, relata que a realidade social das políticas neoliberais intensifica a valorização do mercado, reduzindo o papel do Estado que se traduz em termos de avaliação educacional, como diminuição acentuada de recursos, em contrapartida, o aumento da capacidade de intervenção:

Mas paralelamente a este controlo (sic) do Estado, emergiu também o mercado, que teve expressão em políticas como a valorização da liberdade de escola dos pais – redefinidos como consumidores – a necessidade as escolas publicitarem os seus resultados e da criação de um ‘ranking,’ etc... Encontramos aqui factores (sic) aparentemente contraditórios que a nova direita vai conciliar de uma forma muito interessante, criando e exigindo modalidades de avaliação mais do tipo criterial, isto é, que possam aferir e medir os objectivos (sic) previamente definidos, o que é congruente com a centralização do Estado relativamente aos currículos e aos objectivos (sic). (p. 3 - Entrevista)

Em termos das políticas educativas, o aumento do tempo de escolarização e programas sociais, são indícios de alterações nas prerrogativas do Estado Avaliador porque diante das constatações, ainda se preservam mesmo que em algumas escolas, a avaliação formativa, que não sustenta o ritmo de competição, comparação, mas sim para corresponder aos objetivos pedagógicos organizados coletivamente. E o entrevistado complementa que: “a escola que mais se democratizou, que mais se abriu aos diferentes grupos sociais, foi, por definição, a escola básica” (Afonso, 1999:4) reiterando dessa forma, a diversidade cultural como prática pedagógica, em determinadas escolas. Porém, de acordo com os dados relevantes do ensino atualmente, a perda de conhecimentos e a falta de níveis de exigência nas avaliações formativas faz com que as mesmas, dificultem ainda mais a democratização do ensino, principalmente pela falta de valorização política, cultural e pedagógica, consequências do modelo de avaliação vigente no país.

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