REICE 2014 - Volumen 12, Número 2
ESTUDO DAS METODOLOGIAS E ESTRATÉGIAS DO PROGRAMA DE PORTUGUÊS DOS CURSOS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SECUNDÁRIO: O CASO DO CONCELHO DE ALMADA

1. INTRODUÇÃO

A qualidade do ensino e da formação tem constituído uma prioridade política para os Estados-Membros da U.E., considerando que a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências são condições básicas para a cidadania activa, o emprego e a coesão social. A Educação para a cidadania assume importância vital por poder incrementar a formação e envolvimento de todos, incrementando a participação de cada um, reforçando a proteção dos direitos e deveres dos indivíduos e fortalecendo a identidade e os valores. Assim, a competência de formação para a cidadania torna-se uma opção estratégica a implementar tendo em conta a formação de cidadãos livres e responsáveis, abertos a outras culturas, capazes de apreciar o valor da liberdade e as diferenças, de acordo com os princípios inscritos na Declaração sobre a Educação para a Paz, Direitos e Democracia (Cazalma, Picado, Sola Martínez e Viseu Ferreira, 2013).

Neste sentido, requer-se uma educação de qualidade, onde a aprendizagem ao longo da vida seja uma realidade, de forma a dar resposta ao mercado de trabalho e à livre circulação dos trabalhadores da União Europeia, conforme consta do Relatório Europeu sobre a qualidade do Ensino Básico e Secundário, dezasseis indicadores de qualidade, Maio de 2000.

Como medida de reorientação estratégica, a educação e a formação têm, assim, um papel fundamental na consecução do objectivo do pleno emprego através do desenvolvimento da economia do conhecimento.

No que respeita ao Ensino Profissional, considerado até 2004 uma modalidade especial do ensino secundário ao qual se tem subordinado, foi grandemente incrementado em 1989, através das Escolas Profissionais de ensino particular e cooperativo, ao preparar os jovens para o mundo do trabalho, respondendo às necessidades empresariais das regiões e aos interesses dos alunos. Contudo, após duas décadas, a oferta formativa ficou muito abaixo das médias europeias, apesar da elevada taxa de empregabilidade proporcionada por esta modalidade de ensino, o que acabou por provocar uma escassez de profissionais qualificados, de técnicos e de quadros médios, levando o País a uma situação de carência de várias dezenas de milhar de quadros médios e profissionais especializados.

No âmbito de uma política de educação, a reforma de 2004 veio veicular a aposta do Governo “em obter resultados, efetivos e sustentados na formação e na qualificação dos jovens portugueses para os desafios da contemporaneidade e para as exigências do desenvolvimento pessoal e social” (Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de Março), promovendo uma série de iniciativas que tiveram largo alcance na natureza da educação, como sejam as mudanças nas metodologias e nas estratégias de ensino, entre outras. Assim, o ensino profissional passou a ser entendido como uma modalidade especial de ensino secundário que integra uma dupla vertente: o acesso ao trabalho e o prosseguimento de estudos, respondendo às motivações, expectativas e aspirações dos alunos e às exigências do desenvolvimento do país no seio da Europa comunitária.

São objectivos do Ensino Profissional, tal como o Documento Orientador da Revisão Curricular do Ensino Profissional os explicita, aumentar a qualidade das aprendizagens, combater o insucesso e abandono escolares e dar resposta aos desafios colocados pela sociedade da informação e do conhecimento. O levantamento destas necessidades levou à leccionação dos Cursos Profissionais nas escolas secundárias públicas e, conforme se pode ler no Jornal de Notícias de 04/01/2009, mantendo “na escola jovens que não pretendiam prosseguir os estudos do Ensino Superior e, para os quais, durante muitos anos, o País não oferecia resposta” e permitindo atingir o maior número de alunos nos 21 anos da sua existência.

O público-alvo tem sido composto por alunos com características próprias que procuram o mercado de trabalho, necessitam de competências profissionais mas trazem, muitas vezes, marcas de reprovação, repetência, desistência e abandono escolares. São grupos heterogéneos, uns com frequência do 9º ano de escolaridade, outros provenientes dos Cursos de Educação e Formação (CEF), de algum modo desmotivados e passivos e, por isso, necessitam de práticas mais consentâneas com as suas características, pelo que é com eles e para eles que a aprendizagem diferenciada faz sentido, bem como o trabalho de projecto inscrito no ensino estratégico.

O Programa de Português dos Cursos Profissionais de nível secundário decorre das necessidades enunciadas. Nesta medida, a Administração central nomeia uma equipa para elaborar o referido programa que acabou por inscrever-se no paradigma de ensino-aprendizagem por competências em que o aluno desenvolve um conjunto de competências essenciais de acordo com as suas próprias potencialidades, construindo uma aprendizagem real e efectiva, de forma a preparar-se para o exercício de uma profissão, em articulação com o sector empresarial local.

Este estudo procurou respostas através de um estudo descritivo-interpretativo que revelou a opinião dos professores sobre o programa e o modo como se têm posto em prática as metodologias e as estratégias inscritas no texto programático. Elegemos as escolas do concelho de Almada por ser o concelho onde exercemos a actividade docente, o que permitiu conhecer o perfil dos alunos dos cursos que são o foco de atenção deste estudo.

Apesar do programa em análise assentar nos paradigmas cognitivista e humanista, verificámos que as práticas lectivas se centram, predominantemente, numa metodologia transmissiva.

2. A CONSTRUÇÃO DOS SABERES/DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS

O direito à educação não passa apenas pelo direito de frequentar a escola, mas antes pela apropriação efectiva de conhecimentos para desenvolver aprendizagens significativas nos alunos.

Tendo em conta que o Programa de Português dos Cursos Profissionais de nível secundário tem uma orientação claramente cognitivista/construtivista/humanista e propõe uma nova perspectiva de ensino-aprendizagem e uma nova concepção de aluno e de professor, apresentaremos alguns aspectos inscritos no paradigma cognivista/construtivista.

Do ponto de vista construtivista, a aprendizagem é um processo interno não directamente observável, cuja construção implica um compromisso cognitivo e afectivo de quem aprende (Morissette, 2002). É um processo interactivo cuja mediação se faz entre aquele que aprende e os conteúdos de aprendizagem ministrados pelo professor ou entre professor e aluno, é uma construção constante que tem por base os conhecimentos anteriores, é produto de uma cultura e tem carácter multidimensional.

A construção dos saberes/desenvolvimento de competências implica vários processos e mecanismos cognitivos e estratégias diversificadas que vão do tratamento da informação, à aprendizagem significativa e às estratégias cognitivas e metacognitivas, mobilização e transferência das aprendizagens e resolução de problemas, de forma a desenvolver competências.

2.1. Tratamento da informação

A entrada em vigor das teorias cognitivas em educação permitiu conceber um modelo teórico para o tratamento da informação que favorecesse o registo sensorial, o trabalho da memória a curto prazo, a memorização e a recuperação da informação armazenada na memória de longo prazo, de forma a desenvolver a aprendizagem. Propunha-se descrever as etapas sucessivas e quase simultâneas do tratamento dos estímulos sensoriais que pudesse ir até à emissão da resposta. Quando se percebesse o que se passava entre os estímulos captados e a resposta, perceber-se-ia como funcionava o que antes se tinha chamado a “caixa negra” (teoria behaviorista), ou seja, o cérebro, lugar do pensamento e do inconsciente, afinal muito mais complexo que a própria máquina.

O modelo de tratamento da informação tem implicações no processo de ensino-aprendizagem uma vez que ajuda a memorizar a informação depois de tratada e organizada para ser mobilizada e transferida (Tardif, 1999) em qualquer momento de aprendizagem.

2.2. Aprendizagem significativa

A aprendizagem significativa é o mecanismo humano em que as ideias e as informações se podem adquirir e armazenar através de uma relação com a estrutura cognitiva do sujeito que aprende, nela se integrando.

A estrutura cognitiva, enquanto rede de conceitos organizados de modo hierárquico, tem variáveis a assinalar como sejam a disponibilidade de ideias pré-existentes num nível adequado de inclusividade, generalidade e abstracção (Ausubel, Novak e Hanesian, 1980). É no decurso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de aprendizagem se transforma em significado psicológico para o sujeito.

A teoria da aprendizagem significativa tem implicações no processo de ensino-aprendizagem. Efectivamente, a aprendizagem significativa tem vantagens notórias, tanto do ponto de vista do enriquecimento da estrutura cognitiva de quem aprende, como do ponto de vista da lembrança posterior e da sua utilização para experimentar novas aprendizagens, factores que a delimitam como sendo a aprendizagem mais adequada para ser promovida entre os alunos.

A teoria da aprendizagem significativa reporta-se à aquisição de um corpo de conhecimentos em situação de ensino-aprendizagem, devendo escolher-se ambientes que facilitem essa aquisição. Assim, sem prejuízo da reflexão individual, deve o professor propor tarefas desafiantes cuja relevância seja reconhecida pelos alunos, considerar os “conhecimentos prévios dos alunos”, ter em consideração que os seus pontos de vista podem ser janelas de aprendizagem, propor trabalho cooperativo cujo espaço partilhado pode ser espaço de construção, modificação e integração de ideias, sem esquecer uma avaliação essencialmente formativa. A questão da avaliação formativa é fundamental a ter em conta, visto que decorre da aprendizagem.

2.3. Desenvolvimento de estratégias cognitivas e metacognitivas para o desenvolvimento de competências

O modelo de ensino estratégico integra os trabalhos mais recentes da Psicologia cognitiva (Perrenoud, 2000), especialmente as componentes cognitivas da motivação escolar, o papel da memória e da representação dos conhecimentos e as funções da resolução de problemas e da mobilização e transferência na construção dos saberes. Foi a partir das teorias cognitivas que se desencadearam diversos programas de intervenção em alunos com dificuldades de aprendizagem e foi a teoria cognitiva do processamento da informação que mais contribuiu para o estudo das estratégias de aprendizagem. O sistema do processamento da informação descreve e explica como pensa o ser humano, definindo a aquisição de conceitos e destrezas do pensar como forma de captar, guardar, transformar, manipular e utilizar a informação (Rebelo, 1993). O modelo do processamento da informação compreende um conjunto de processos cognitivos como a atenção, a percepção, a memória a curto termo, a memória a longo termo e o raciocínio (Casas, 1994).

Assim, se queremos perceber a aprendizagem, devemos ter em atenção a habilidade mental do indivíduo para organizar o seu próprio campo psicológico em resposta às experiências. Perante o problema complexo da aprendizagem, as questões a colocar são: como é que os professores fazem aprender, como se explica o processo de aprendizagem (como se aprende), assim como a habilidade de usar técnicas para a tornarem eficiente, ou seja, que percepção e explicação para a realização escolar e a construção do conhecimento, bem como para o desempenho cognitivo e a resolução de problemas (Cruz e Fonseca, 2002).

Partindo do pressuposto que aprender implica que o aluno se depare com uma série de dificuldades que não consegue resolver sozinho, deve perspectivar-se um ensino estratégico que propicie o aprender a aprender (Novak e Gowin, 1999), aprender a evocar, aprender a pensar, aprender a resolver problemas, tornando o aluno consciente da própria actividade cognitiva para poder regulá-la, ou seja, ajudar o aluno a encontrar formas eficazes de gerir a informação e conhecer e controlar os seus processos de pensamento (Mayer, 1988; Nisbet e Shucksmith, 1998; Weinstein e Mayer, 1986), citados por Figueira (2005).

É necessário que o professor recorra a estratégias diversas para obter sucesso nos alunos (Pocinho e Canavarro, 2009). A estratégia não pressupõe apenas procedimentos isolados e desarticulados, mas antes a organização de um conjunto de meios para alcançar os objectivos traçados anteriormente, tendo sempre em conta as suas próprias características, a natureza e características da tarefa e as características do aluno. Kirby (1984) entende-as como planos que têm um papel de controlo, escolha e decisão sobre as tácticas que conduzem à prossecução dos objectivos.

O professor deve reflectir na pertinência das estratégias, tendo em conta os conhecimentos anteriores do aluno e os objectivos do currículo, deve reflectir sobre a adequação dos materiais definidos para a tarefa a realizar e tomar decisões de forma a optimizar os conteúdos e as actividades. Deve assumir-se como motivador para favorecer o compromisso, a participação e a persistência para activar modelarmente estratégias cognitivas e metacognitivas que permitam ao aluno passar da dependência à prática guiada e da prática guiada à autonomia. Embora alguns professores pensem que tudo o que é exigido para um bom ensino é a clareza, pensa-se hoje que o conjunto das emoções afecta bastante a motivação dos alunos para completar as tarefas e aprender, conforme refere Sampaio Lima e Andriola (2013).

Quando os alunos sabem utilizar eficazmente um conjunto de estratégias cognitivas (não executivas) e metacognitivas (executivas) têm maior sucesso escolar, são mais flexíveis e adaptativos e apresentam maior facilidade de análise, planificação, execução e avaliação das tarefas que lhes são propostas (estratégias cognitivas). Essa facilidade é justificada por um melhor processamento da informação e por uma utilização consciente de processamento estratégico, capacidade de resolução de problemas, monitorização da compreensão, auto-regulação e estratégias de aprendizagem (estratégias metacognitivas).

Pretende-se um aluno activo, disposto a aprender, com capacidade para processar informação de forma complexa e particular, aprendendo através da utilização activa de estratégias diversas. Como aluno eficaz, deve saber processar, interpretar e sintetizar a informação, recorrendo a uma variedade de meios diferentes para seleccionar, codificar, armazenar e recuperar informação. Este tipo de aluno assume uma maior responsabilidade e controlo da sua própria aprendizagem. Além disso, “deve também saber utilizar estratégias metacognitivas que regulam o fluir da informação através das componentes estruturais”, no dizer de Cruz e Fonseca (2002:33).

Uma das transformações mais prementes para ter alunos motivados, responsáveis e eficazes é ajudá-los a pensar, o que implica um esforço suplementar da escola e dos professores no treino de aprender, pensar, conhecer e resolver problemas. Goleman assinala que a importância da inteligência emocional se torna um preditor de êxito futuro na vida social e profissional dos alunos (Cañizares e Guillén, 2013).

Neste caso, deve valorizar-se a capacidade de iniciativa dos alunos e responsabilizá-los pela sua preparação, devendo a escola criar oportunidades para aquisição e treino das várias destrezas de atenção, raciocínio e estudo. Estas destrezas irão beneficiá-los nos seus objectivos e práticas, desenvolvendo as capacidades de pensar e aprender (Novais e Cruz, 1989), tendo em vista o sucesso: saber pensar e ler a realidade, e ter autonomia para assumir uma cidadania de pleno direito (Almeida, 1993; 2002). Se a escola não for capaz de pôr o aluno a aprender a pensar, ele ficará impossibilitado de nela obter sucesso.

No entanto, a utilização de estratégias cognitivas e metacognitivas não é suficiente para promover um bom desempenho, devendo os alunos estar motivados para a sua utilização e para regular a sua cognição e o seu esforço (Figueira, 2005). A investigação leva-nos a reconhecer a importância da motivação na aprendizagem. Como dizem Cañizares, e Guillén (2013), a “decisão” e a “necessidade” de aprender para atingir uma meta podem favorecer a construção do conhecimento, sempre que não gerem tensão que bloquei os alunos.

Isto leva-nos a concluir que importa promover uma aprendizagem auto-regulada, maximizar a motivação e as aptidões e os aspectos metacognitivos fundamentais para uma aprendizagem eficaz. A motivação torna-se, de certo modo, uma componente fundamental do modelo estratégico, visto que não basta conhecer as estratégias, o aluno tem que saber utilizá-las e antever se lhe servem para a realização da tarefa ou se, em alternativa, pode escolher e decidir por uma estratégia diferente, de forma a contribuir para a resolução do problema. A capacidade de decidir e escolher é, por si só, uma estratégia metacognitiva.

3. O PROGRAMA DE PORTUGUÊS DOS CURSOS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SECUNDÁRIO

Estamos perante um programa novo para uma nova concepção de aprendizagem. O programa considera a aula de Português como espaço de promoção de todas as competências e do conhecimento reflexivo da língua através do contacto com textos de várias tipologias e de situações de aprendizagem que favoreçam o desenvolvimento integral do aluno para uma participação activa no mundo a que pertence.

A disciplina de Português, através do Programa de Português dos Cursos Profissionais de nível secundário, 2004, (...) visa a aquisição de um corpo de conhecimentos e o desenvolvimento progressivo de competências que capacitem os jovens para a reflexão e o uso da língua materna. (...) Deve desenvolver os mecanismos cognitivos essenciais ao conhecimento explícito da língua bem como incentivar uma comunicação oral e escrita eficaz, preparando a inserção plena do aluno na vida social e profissional, promovendo a educação para a cidadania (...) sujeito que se estrutura, que constrói a sua identidade através da linguagem para poder agir com e sobre os outros, interagindo.

Tem uma orientação cognitivista/construtivista/humanista, afastando-se de uma concepção comunicativa pura do ensino e da aprendizagem que vigorou até ao momento, propondo uma nova perspectiva de ensino-aprendizagem e uma nova concepção de aluno e de professor. Integra diferentes processos de ensinar e de fazer aprender, tendo em vista as capacidades e dificuldades individuais. O Programa em análise apresenta uma nova proposta de trabalho: a redução de conteúdos literários, leccionação e avaliação das competências do oral, a introdução dos conteúdos processuais/procedimentais, a organização em módulos e a valorização de um ensino-aprendizagem por competências.

É proposta a redução de conteúdos literários de forma a ganhar tempo para o desenvolvimento de competências efectivas dos alunos.

A opção de reduzir os conteúdos literários não quis significar o menosprezo pela literatura, na medida em que o texto literário “inclui as realizações mais potenciadas da língua e permite o apuramento de valores estéticos e culturais,” mas antes por constituir o corpo do Programa de Literatura (2001:10). Refere Aguiar e Silva (1999) que

Os textos literários, pelo modo como utilizam, reinventam e potenciam, sob todos os pontos de vista, a língua portuguesa e pela sua ligação memorial ao destino e à aventura de uma terra, de um povo e de uma cultura, constituem o thesaurus por excelência da identidade nacional (p.30)

Quanto às competências do oral, foram introduzidas para ser leccionadas, desenvolvidas e avaliadas, o que implica que a oralidade não deve ser apenas espontânea mas formalizada, devendo ter o mesmo peso que as competências anteriormente consideradas mais nobres a escrita e a leitura. Os vários protótipos textuais constituem o ponto de partida para um trabalho progressivamente mais complexo sobre o processo de consciencialização da língua e da cultura e para o desenvolvimento de todas as competências.

No mesmo sentido, contemplam-se os conteúdos processuais por se considerar imperioso que os alunos aprendam a aprender de forma sistemática. Não basta ensinar (ou pensar que se ensina), é necessário que o aluno aprenda a reflectir sobre o processo de aprendizagem, tendo em conta processo e produto, levando-o a encontrar as estratégias mais adequadas para aprender, tomando consciência dos erros e dos procedimentos que lhe garantam a aquisição e o desenvolvimento das várias competências, através da mediação do professor. Este processo permite a regulação do processo de aprendizagem e consciencializa o aluno da relação entre o compromisso/responsabilização e o sucesso/autonomia.

De salientar que os conteúdos processuais implicam várias etapas para cada competência, o que faculta ao aluno um treino adequado e a aquisição de técnicas para a produção de textos orais e escritos, para a apreensão de sentido nos textos lidos e para o conhecimento explícito da língua.

A planificação, como o primeiro dos conteúdos processuais para o texto oral e para o texto escrito, implica uma série de decisões ou estratégias que o indivíduo adopta para abordar um problema ou para atingir um objectivo que vai sendo examinado para determinar a sua eficácia, podendo ser adaptado para uma melhor abordagem na resolução do problema. Envolve aspectos complexos do comportamento humano, aliás como a pré-leitura por envolver um conjunto de decisões prévias antes de iniciar a tarefa, para uma consecução mais eficaz.

Outra importante opção é a estrutura modular do Programa, cujos fundamentos assentam na perspectiva cognitivista/construtivista/humanista visando a responsabilização dos alunos pelos seus itinerários de aprendizagem, pela construção de soluções flexíveis e adequadas a cada caso, pela criação de ambientes pedagógicos fundamentados, autónomos, flexíveis e criativos que potenciem o sucesso educativo (Orvalho e Alonso, 2009) para uma aprendizagem diferenciada. Nesta medida, além das competências nucleares, foram também incluídas as diversas competências transversais como a competência de formação para a cidadania e a transversalidade da língua portuguesa.

Sobre a avaliação, propõem-se diversas modalidades de avaliação e apontam-se vários instrumentos, inclusivamente o recurso ao portefólio. Propõe-se uma avaliação decorrente da aprendizagem. Vista à luz das teorias que atravessam o Programa e que a literatura nos oferece sobre o assunto, é proposta uma avaliação mais qualitativa que quantitativa (Fernandes, 2005) para poder espelhar o desenvolvimento da aprendizagem do aluno, as suas dificuldades e posteriormente a superação dessas dificuldades, as estratégias utilizadas e o resultado do processo reflexivo a que o aluno recorre por sugestão do professor enquanto mediador.

4. ESTUDO

4.1. Contextualização do estudo

Enquanto autora do programa, encontrámos o foco da investigação na avaliação do impacto das propostas metodológicas e estratégicas do Programa de Português dos Cursos Profissionais de nível secundário nas práticas pedagógicas dos professores que leccionam estes cursos.

Os dados decorrem de uma investigação sobre o modo como os professores põem em prática este Programa de ensino, do ponto de vista das metodologias e das estratégias. Neste sentido, propomo-nos “Avaliar o impacto das propostas metodológicas e estratégicas do Programa de ensino de Português dos Cursos Profissionais de nível secundário, nas práticas pedagógicas dos professores que leccionam estes cursos nas escolas do concelho de Almada” especificando a percepção/opinião dos professores sobre o Programa, identificando as metodologias e estratégias utilizadas em sala de aula, caracterizando as práticas mais utilizadas pelos professores e concluindo sobre a utilização ou não utilização das metodologias prescritas no programa, pelos professores. Dos 45, responderam apenas 40 professores que leccionam os Cursos Profissionais nas 12 escolas do concelho de Almada.

Optámos pela metodologia quantitativa, através de questionários e pela metodologia qualitativa, através de entrevistas e de grupo de discussão.

Ainda que a concepção do programa seja de nossa autoria, a compreensão dos resultados passou, igualmente, por (re)leituras do Programa de forma a tentar encontrar os sentidos das respostas dos professores participantes.

4.2. Resultados

A análise dos resultados permite-nos concluir que há valores elevados no que se refere à percepção/opinião sobre o programa o que prova que os professores conhecem o programa, o que não implica que o ponham em prática tal como foi concebido.

No que se refere à oralidade e ao funcionamento da língua assinale-se que os valores são mais baixos que os da escrita e os da leitura, sendo a leitura a competência mais visada pelos docentes.

Também ficou provado que os professores utilizam menos as metodologias e as estratégias que se reportam ao oral formal e ao funcionamento da língua, apesar de darem especial relevância ao oral espontâneo. Privilegiam as metodologias e as estratégias que integram a escrita e a leitura, destacando-se a leitura como a competência cujos resultados se distanciam dos restantes.

Estes resultados confirmam que Administração central e os professores valorizam mais as competências de escrita e de leitura e menos a oralidade e o funcionamento da língua.

De assinalar que os professores recorrem pouco a tarefas complexas que visem a resolução de problemas, utilizam muito pouco o portefólio enquanto instrumento de avaliação e enquanto instrumento de aprendizagem e recorrem pouco a trabalho de grupo ou pares e a trabalhos de projecto.

Através de um processo de triangulação, os resultados das entrevistas e do grupo de discussão validam os resultados dos questionários no que se refere a:

  • Formação em metodologias.
  • Boa percepção do programa.
  • Fraca utilização do portefólio como instrumento de aprendizagem em todas as competências.
  • Fraco recurso a trabalhos de grupo e/ou pares.
  • Prevalência da competência de leitura sobre as restantes (nos questionários os professores colocam a escrita quase em paralelo com a leitura, nas entrevistas referem que os alunos não gostam de escrever e apresentam dificuldades nesta competência, razão por que recorrem ao oral espontâneo).
  • Resultados baixos sobre as competências de compreensão/expressão oral e funcionamento da língua mas semelhantes entre si.
  • Turmas maiores do que o desejável impedem a realização de outro tipo de trabalho com os alunos.
  • Nas metodologias gerais, temos valores baixos para a implementação do trabalho de projecto, para o recurso a tarefas complexas que visam a resolução de problemas e para a utilização do portefólio como instrumento de avaliação.

Os resultados das entrevistas e do grupo de discussão também ampliam e completam a produção de conhecimento (aportam informação acrescida):

  • Valorizam-se os conteúdos declarativos em detrimento dos conteúdos processuais.
  • Não são leccionadas todas as etapas dos conteúdos processuais no desenvolvimento das várias competências.
  • Na competência de leitura prevalecem os conteúdos literários (leitura analítica com muita contextualização); a leitura tem mais peso porque demora menos tempo e tem que se “dar os conteúdos do programa”; além disso a leitura é o que já está previamente preparado.
  • Promove-se pouco o contrato de leitura (refere-se que os livros escolhidos são complexos).
  • A competência de compreensão oral é considerada desnecessária.
  • Utilização recorrente do oral espontâneo (em detrimento do oral formal e da escrita).
  • Quando se trabalha a escrita, opta-se pelos textos utilitários (tipologias mais simples) ou por questionários (apesar deste tipo de escrita não ser compositiva).
  • A oficina de escrita não é opção da maioria dos professores; só se realiza quando há poucos alunos (os professores do grupo de discussão fazem oficina de escrita).
  • Fraco recurso a estratégias cognitivas e metacognitivas para a construção da aprendizagem (tratamento da informação, aprendizagem significativa, metacognição, mobilização e transferência de saberes e resolução de problemas).
  • Não se utiliza o portefólio de aprendizagem na sua verdadeira acepção.
  • Baixos resultados das metodologias gerais (implementação do trabalho de projecto, tarefas complexas, resolução de problemas e portefólio de avaliação).
  • A avaliação é mais certificativa que formativa (avaliação por testes no final do módulo).
  • Os professores “dão” a matéria leccionando os conteúdos declarativos e isso é cumprir o programa.
  • Prevalecem metodologias transmissivas/apresentativas (aluno passivo).

Deste modo, os professores ficam preocupados em “dar conteúdos” sem ter em conta o ritmo de aprendizagem e as aprendizagens anteriores (aprendizagens significativas) e nem sempre promovem as estratégias metacognitivas que permitem a reflexão, de forma a atingir a autonomia dos alunos. Assim, quando os alunos não desenvolvem as suas competências, é fácil instalar-se o desânimo e a desistência, enquanto os professores se queixam que os alunos não se interessam por aprender. Aprender o quê e como?

5. CONCLUSÕES

Os resultados obtidos através dos três instrumentos mostram que os professores “dão” os conteúdos (Roldão, 2009) como sendo esse o objectivo último da sua função para cumprirem o programa e pretendem ensinar mais do que fazem aprender, reportando aos alunos as causas de uma aprendizagem incipiente.

Contudo, o texto programático é claro quando propõe uma metodologia que assenta na corrente cognitivista/construtivista e na corrente humanista/transpessoal e aponta algumas estratégias específicas para desenvolver as competências. O professor, enquanto mediador, deve centrar as suas opções no ensino estratégico, visando o desenvolvimento das estruturas cognitivas para que os alunos aprendam a aprender e a pensar.

Embora os professores conheçam o programa, utilizam mais a metodologia transmissiva que caracterizamos como prática apresentativa de conteúdos declarativos. É incutida nos alunos uma atitude passiva, exigindo-lhes que memorizem os conteúdos expostos, para depois repetirem como autómatos. De uma maneira geral, os professores não valorizam o trabalho de grupo e/ou pares, o trabalho de projecto e o portefólio, não investem na aprendizagem diferenciada, “ensinando todos como se fossem um só” e partem do princípio que estes alunos não conseguem realizar tarefas complexas. Privilegiam a leitura e fornecem uma série de conceitos e de informações que não são significativos para os alunos.

Podemos afirmar que os professores conhecem o programa mas não utilizam as metodologias, as estratégias e as actividades nele inscritas. Isto significa que a mudança de paradigma do texto programático não conduz, obrigatoriamente, à mudança das práticas pedagógicas dos professores. Assim, devem os professores investigar para compreender e actuar com autonomia, reflectindo sobre o seu modo de ensinar, de forma a testar a eficácia das suas práticas educativas.

Neste sentido, queremos salientar alguns constrangimentos ao sucesso dos alunos dos Cursos Profissionais por parte dos professores: (i) resistência à mudança; (ii) falta de competências ajustadas ao novo perfil do professor; (iii) ausência de formação sobre o ensino profissional no que se refere a metodologias estratégias e actividades; (iv) baixas expectativas face a estes alunos; (v) falta de cooperação entre os professores; (vi) ausência da prática pedagógica diferenciada, do trabalho de projecto e do recurso a estratégias diversificadas; (vii) deficiente implementação da estrutura modular; (viii) recurso a uma metodologia mais transmissiva/apresentativa do que cognitivista/construtivista; (ix) avaliação mais certificativa do que formativa.

Estas questões remetem-nos para um paradigma utilizado em sala de aula e outro paradigma prescrito pelo programa:

  • O paradigma transmissivo/apresentativo recorrente em sala de aula;
  • O paradigma cognitivista que atravessa o texto programático.

Defensores do paradigma transmissivo/apresentativo, os professores esmeram-se em “dar” conteúdos declarativos aí incluindo extensas contextualizações. Propõem a redução de conteúdos (em relação ao programa dos cursos regulares) o que, em nosso entender, é um acto discriminatório pois o direito igual de aprendizagem é devido a todos os alunos sem excepção.

A solução não passa pela redução de conteúdos mas sim pela leccionação equilibrada dos conteúdos declarativos em paralelo com os conteúdos processuais. A alternativa é o paradigma cognitivista que, através da estrutura modular aplicada a estes cursos, respeita o ritmo individual do aluno. Assim, o aluno pode construir a sua aprendizagem, devendo o professor, enquanto mediador, criar dispositivos pedagógicos que permitam uma progressão efectiva, individualizada e flexível, desenvolvendo assim as competências gerais que estão consignadas no texto programático para este ciclo de estudos dos Cursos Profissionais.

Neste sentido, a melhoria das práticas educativas tem que passar por: i) caracterizar a turma e fazer um diagnóstico real para poder intervir eficazmente; ii) identificar problemas e definir prioridades; iii) definir uma estratégia educativa global, para a turma; iv) planificar as actividades lectivas e não lectivas; v) planificar a acção a desenvolver pelo conselho de turma; vi) estabelecer os critérios de avaliação do PCT, a consubstanciar no Projecto Curricular de Turma (PCT). O PCT tem que ser um projecto antecipador de uma acção concertada que tem em vista a melhoria da acção educativa, gerindo a actuação dos seus intervenientes. O trabalho do professor será facilitado se se fizer uso da cooperação com os outros docentes. A eficácia dos resultados dependerá da sinergia de todas essas características de forma a produzir efeitos visíveis junto da comunidade discente.

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