REICE 2014 - Volumen 12, Número 2
AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE PORTUGUÊS EM ESCOLAS SECUNDÁRIAS DE SINTRA

INTRODUÇÃO

A entrada em vigor de um novo programa de ensino no ano lectivo 2002/2003, marcou um momento de viragem para o ensino da língua materna em Portugal, enquadrado no movimento mais generalizado de revisão do ensino secundário homologada em 2001, implicando alterações relevantes no quadro de referências do exercício profissional docente, em particular dos professores de Português. Desde o início da sua implementação em todas as escolas secundárias do país desenvolvemos a ideia de avaliar as percepções dos professores relativamente ao programa e à sua inserção nos paradigmas educacionais constantes do currículo do secundário, bem como estudar o seu impacto e eventuais transformações nas práticas pedagógicas.

Este contexto de mudança legitimou a vontade de procurar respostas para questões como a verificação do grau de conhecimento das modificações arquitectadas pela revisão curricular do ensino secundário e o reconhecimento das alterações consubstanciadas pelo novo texto programático. Simultaneamente, tornou significativa a busca de compreensão dos modos e processos de apropriação, por parte dos professores, do currículo oficial da área do Português, tendo em conta a consequente mudança de paradigma educacional, exigida, em geral, pelo currículo e pelo programa de ensino em particular.

O estudo levado a cabo, de natureza descritiva-interpretativa, estabelece relações entre o sistema educativo, o currículo e o processo de ensino-aprendizagem e inscreve-se numa linha de orientação que pretende averiguar o impacto das transformações curriculares na prática profissional dos professores de Português no quadro da revisão curricular do ensino secundário. Elegeram-se as escolas secundárias do concelho de Sintra, por ser o local onde, há quase três décadas, temos leccionado e desenvolvido trabalho no campo da formação de professores.

Dez anos volvidos sobre a chegada às escolas do programa de ensino, torna-se legítimo averiguar o estado da adequação aos princípios consignados, a consonância entre o currículo prescrito pela Administração e o currículo em acção, a adesão ou o distanciamento produzido face a contingências de carácter pessoal e/ou local e assegurar o balanço e respectiva transmissão de conclusões que potenciem uma melhoria futura no ensino-aprendizagem da língua materna.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. Dimensões do currículo

As práticas escolares podem ser determinadas pelas tradições, técnicas e perspectivas dominantes em torno do currículo num sistema educativo influenciado por um momento histórico preciso. O currículo assume-se, assim, como a expressão de um conjunto de interesses e forças, de valores e pressupostos que gravitam sobre o sistema educativo, configurando uma opção historicamente situada (Gimeno Sacristán,2000).

No contexto do sistema de ensino português, marcado teoricamente por uma reforma curricular centrada no ensino-aprendizagem por competências e na gestão flexível do currículo, é fácil verificar que este é entendido como algo que adquire forma e significado à medida que sofre processos de transformação dentro das actividades práticas que o têm mais directamente por objecto.

Por seu lado, a noção de reconceptualização inerente ao status actual assenta no princípio de que o importante não é desenvolver técnicas de reprodução do currículo mas conceitos que permitam compreender o impacto do currículo (Silva, 2000) nas escolas e na sociedade. Assim, o currículo surge como veículo de competências, um conjunto de aprendizagens que são pessoal e socialmente necessárias aos cidadãos no sentido da construção de sentidos e significados.

Consideram-se como factores determinantes em interacção na dinâmica da construção e evolução dos currículos, a sociedade, os saberes científicos e o conhecimento e representação do aluno, “currículo escolar é –em qualquer circunstância– o conjunto de aprendizagens que, por se considerarem socialmente necessárias num dado tempo e contexto, cabe à escola garantir e organizar” (Roldão, 1999: 24).

Pacheco (2008) procede à abordagem do currículo, observando-o em três grandes dimensões: o currículo prescrito (competências da Administração Central), o currículo em projecto (competências curriculares da escola) e o currículo em acção (competências do professor). Autores como Perrenoud (1995) ou Gimeno Sacristán (2000) referem-se a estas dimensões do currículo com outras designações, tais como currículo formal e currículo real. Gimeno Sacristán apresenta-nos, ainda, o currículo apresentado, através de mediadores curriculares, como os manuais escolares, por exemplo, o currículo realizado, expressão dos resultados da interacção didáctica e o currículo avaliado, que inclui a avaliação de todos os intervenientes.

À educação escolar atribui-se, por norma, o papel de veículo de preservação da herança cultural e de transmissão de valores e saberes definidos de forma homogénea para todo o país, prefigurando uma concepção curricular uniforme, estática e cumulativa. Este cenário induz a reprodução, pelo que o currículo e os elementos que o configuram são seleccionados e organizados a nível nacional, exigindo-se às escolas e aos professores que cumpram o que está programado.

Numa outra perspectiva, pelo contrário, reconhece-se à escola e aos seus agentes a competência para envolver recursos locais em contextos reais, incorporando a diversidade de situações e a flexibilização de percursos. De facto, os alunos não chegam à escola com mentes vazias, trazem consigo representações do mundo, do núcleo familiar e do grupo social a que pertencem. Os contributos da escola integram-se nas estruturas de pensamento já alicerçadas. Neste sentido, o currículo deve ser transformativo, rico em diversidade, problemática e heurística, constituindo-se, assim, como referente na construção de um ambiente educativo que estimule a exploração e a indagação.

Oscila-se, pois, entre o sentido a dar à acção e a programação coerente dessa acção, entre a utopia e a tecnocracia. Enquanto território educativo, qualquer projecto curricular deve partir da crença de que o desenvolvimento de aprendizagens significativas conducentes ao sucesso passa pela reconstrução do currículo nacional, tendo em conta os contextos de realização. Ao fomentar uma cultura de reflexão e de análise dos processos de ensinar e de aprender, pressupõe o trabalho cooperativo entre os professores, situando estes não apenas no terreno da execução mas também nos da decisão e da organização.

1.2. Construção do currículo e gestão curricular

A proposta de um currículo nacional como projecto social, que funcione como guião prescritivo de todas as aprendizagens, numa lógica normalizadora, não se coaduna nem com a autonomia das escolas, nem com a autoridade profissional dos professores, nem com a aprendizagem significativa num contexto de escola inclusiva (Sola Martínez, 2007).

Todos os alunos do Ensino Secundário têm, actualmente, o Português como disciplina da formação geral. Os professores de Português devem gerir directamente o currículo em sala de aula, tornando-o visível aos alunos, de forma a ser possível vivenciar a operacionalização proposta e articulando-o com características específicas de cada um. O que se pretende é, afinal, que o professor seja capaz de gerir as possibilidades de construir currículo para além do currículo previamente definido.

Ao actuar como gestor curricular nas suas exigentes dimensões, o professor aceita e compreende as propostas que lhe são colocadas de descentralização e autonomia, evitando persistir na uniformização de práticas, valorizando a cooperação, a participação e a inovação. Esta mudança de paradigma implica uma execução activa no sentido da reconstrução, da diferenciação e da adequação curricular, garantindo a todos uma qualidade educativa satisfatória. Ou seja, o professor “de executor passa a decisor e gestor do currículo exercendo a actividade que lhe é própria – ensinar, isto é, fazer aprender” (Roldão, 1999: 48).

O professor tem assumido um estatuto marcado pela dependência de decisões administrativas centrais, pouca intervenção nas decisões relativas ao seu trabalho concreto, repetição de rotinas pré-estabelecidas e pela dependência quase exclusiva de manuais e do trabalho docente não partilhado. Contudo, estão-lhe adstritas algumas características distintivas o poder de decidir e a reflexividade, traduzida na capacidade de analisar e avaliar o desempenho, introduzindo eventuais ajustamentos, o domínio e a produção de saber específico(Giméno Sacristán, 2000).

O objectivo explícito da revisão curricular de 2001 foi o de adequar melhor o currículo às finalidades consignadas na Lei de Bases do Sistema Educativo e ao processo de mudança que se verifica a nível nacional e internacional. A revisão torna-se um "Ajustamento" imposto pelas diversas circunstâncias, contrariando alguns princípios básicos, nomeadamente o da subordinação do secundário às exigências do ensino superior e a ideia de que o currículo deve ser igual para todos.

De igual modo, e de acordo com os princípios expressos pelos documentos que suportam a entrada em vigor da revisão curricular, a coerência entre currículo e avaliação é tida como fundamental, passando a constituir um eixo central neste ajustamento curricular.

Todas as transformações ocorridas afiguravam-se previsíveis, garantindo não só a abertura do sistema educativo e formativo ao mundo exterior, através do reforço das ligações com a sociedade em geral e o mundo do trabalho em particular, mas também uma resposta inequívoca aos novos contextos e aos objectivos estratégicos do Ensino Secundário.

1.3. O Programa de ensino como referencial curricular

Os princípios da revisão curricular apostam em currículos contextualizados, flexíveis, significativos e adaptados às exigências dos novos tempos e conceitos pedagógicos e científicos. No entanto, a integração desses princípios na gramática escolar foram tudo menos pacíficos, sobretudo ao nível da explicitação curricular consubstanciada nos programas de ensino.

Para Amor (1999:35) e Zabalza (2003:16), o programa de ensino é uma peça essencial do currículo, constituindo-se como um seu prolongamento. Assume-se como um referencial genérico de princípios que orientam os propósitos do ensino, definindo, a nível disciplinar, os objectivos, os conteúdos, as estratégias, os recursos e o processo de avaliação, assumindo as directrizes paradigmáticas nas quais se inscreve.

Segundo Roldão (2003), o programa de ensino deve constituir-se como “um plano de acção, um meio para alcançar fins pretendidos seguindo uma dada linha e sequência”(p.28), permitindo ao professor que ensina e ao aluno que aprende situarem-se face às expectativas e exigências que o sistema educativo lhes coloca. Acrescenta que “o programa é um auxiliar da acção, não é um decreto. (…) Um programa não se cumpre, o que se tem de cumprir é o currículo, a aprendizagem para cuja consecução ele foi organizado” (Roldão, 2003:29). A principal função de um programa será, pois, a de materializar as intenções curriculares, tornando-as explícitas, para poderem servir de orientação aos diversos agentes que intervêm na planificação e concretização do processo de ensino e aprendizagem.

Segundo o novo programa, a aula de Português deve gerir a interdependência das diferentes categorias de competências, na procura da construção de sujeitos competentes, capazes de compreender, interpretar e produzir discursos orais e escritos em situações de comunicação diversas, através da ascensão a um estatuto de autonomia progressiva. Este sujeito mobiliza diversas fontes cognitivas em situações complexas, “orquestrando múltiplas operações” (Figueiredo, 2004:37), ou seja, quanto mais competente, mais autónomo.

A inovação nas práticas pedagógicas pretendida no âmbito da revisão curricular e, por extensão, no novo programa de ensino da língua materna, exige a reconfiguração profissional do professor de Português e a consequente concretização de um discurso pedagógico alternativo, configurado a partir de um aparelho conceptual que leva em linha de conta as premissas de uma nova pedagogia, entre as quais se destacam:

  • O ensino-aprendizagem por competências.
  • O princípio cognitivista-construtivista da aprendizagem.
  • A aprendizagem significativa.
  • A importância dos conteúdos processuais ou procedimentais.
  • A diferenciação curricular e a deliberação docente.

Estas premissas, contudo, só produzem sentido quando relacionadas umas com outras. Assim, tentámos estudar os horizontes da sua intervenção em contexto de implementação do novo programa de Português, em escolas secundárias de Sintra.

2. OPÇÕES METODOLÓGICAS

Com este estudo pretendeu-se, por um lado, fechar um ciclo, que passou pela concepção, divulgação, formação, operacionalização e avaliação de um programa de ensino de grande importância e visibilidade na sociedade portuguesa; por outro, motivar melhorias no sistema educativo, pelo contributo que esta análise pode trazer às questões da prática pedagógica na área do Português em particular.

Passados que estão dez anos após a sua introdução no currículo de Português, com as transformações ao nível dos conceitos e das práticas que pretendia suscitar, que impacto concreto terá tido nas escolas, nos professores e nos alunos? Parece ser agora o tempo certo para, de forma lúcida e consistente, seguir as pisadas de quem o vivencia quotidianamente nas escolas, buscando a compreensão do seu processo de apropriação e entender as suas formas de operacionalização.

O problema de investigação inerente a este estudo consiste na averiguação sobre a implementação do Programa de Português do Ensino Secundário, pretendendo conhecer os modos concretos da sua gestão quotidiana nas escolas e o grau de autonomia dos professores e das suas práticas face ao currículo prescrito pela Administração. Foi realizado em nove escolas secundárias do concelho de Sintra, distrito de Lisboa, o segundo maior concelho do país, marcado por grandes assimetrias feitas de comunhão de estilos, tempos, culturas, propostas e paisagens muito diversificadas.

Diferentes procedimentos metodológicos são convocados para resolver o problema educativo em questão. De cada paradigma deriva uma metodologia investigativa e a sua articulação favorece o pluralismo metodológico, integrando instrumentos de índole quantitativa (o questionário) e qualitativo (entrevistas e documentos pedagógicos – planificações e critérios de avaliação). É neste contexto que se enquadra o nosso estudo, na medida em que temos a noção de que a realidade a estudar apresenta múltiplas dimensões e que um método de estudo só por si não daria resposta a todas as questões que essa realidade coloca (tabela 1).

De acordo com os conceitos apresentados por Latorre et al (2005), considerámos:

Tabela 1. Relação entre população, amostra convidada, amostra participante e amostra produtora de dados

População Professores por escola

Amostra convidada

Amostra participante

Amostra produtora de dados

% de participantes relativamente à amostra convidada

Escola 1 - 18

18

18

18

16,82

 

Escola 2 - 12

12

12

12

11,21

 

Escola 3 - 12

12

11

11

10,28

 

Escola 4 - 10

10

8

8

7,48

 

Escola 5 - 10

10

8

8

7,48

 

Escola 6 - 12

12

9

9

8,41

 

Escola 7 - 12

12

11

11

10,28

 

Escola 8 - 11

11

9

9

8,41

 

Escola 9 - 10

11

10

10

9,35

 

Total

107

107

96 .  .

96  .   .

89,72

Fonte: Elaborado pelos autores

O concelho de Sintra foi escolhido de entre os actuais 308 concelhos do país, tendo-se realizado uma selecção:

  • Ao acaso simples que, de acordo com Cohen e Manion (2002), se define pelo facto de que cada membro da população em estudo ter a mesma oportunidade de ser selecionado; neste método de probabilidade, a amostra deve conter sujeitos com características similares às da população como um todo;
  • Por conveniência-de conhecimento e de proximidade geográfica; por ser um concelho com grande densidade populacional na área metropolitana de Lisboa.

A opção por duas tipologias de instrumentos prende-se com a natureza eclética da metodologia de investigação (descritiva e interpretativa). O questionário padronizado e realizado em amostra representativa constitui uma forma de recolha de dados transmissora de uma visão geral da realidade, relacionada com os objectivos a atingir. Apesar de facultar uma informação parcial, permite perceber, de forma mais rápida e objectiva, as percepções dos inquiridos. A entrevista e a análise documental são instrumentos de natureza qualitativa que fornecem informação complementar e supostamente mais aprofundada relativamente ao questionário, permitindo o contraste e a interpretação dos resultados constantes dos três instrumentos, de modo a perceber como os sujeitos percepcionam, representam e exploram o currículo prescrito, configurado no programa de ensino e que significado lhe atribuem.

3. RESULTADOS

O tratamento e a análise de dados é fundamental para a concretização de uma investigação, dado permitir o apuramento de conclusões fundamentadas. O tratamento dos dados quantitativos requereu a realização de estatísticas descritivas que permitiram conhecer as características de distribuição da informação recolhida. A sua análise é o processo pelo qual se lhes confere ordem, estrutura e significado para, posteriormente, os transformar em conclusões úteis e credíveis do ponto de vista científico. Realizámos a descrição dos resultados das variáveis demográficas e estabelecemos correlações entre as várias escalas do questionário e entre algumas das variáveis demográficas e as escalas do questionário.

Na tabela 2, sintetizam-se os dados significativos encontrados no cruzamento entre as variáveis demográficas e os resultados do questionário organizados na dupla vertente “Pressupostos curriculares percepcionados no Programa” e “Concepção estratégica do ensino-aprendizagem”. Os aspectos recorrentes encontram-se assinalados com o mesmo número, o que pressupõe correlação entre as variáveis.

A correlação entre as variáveis demográficas e os resultados do questionário evidencia não haver total conformidade entre as percepções dos professores relativas ao currículo prescrito e as suas crenças acerca da forma como ele deve ser abordado, por um lado, e a forma como concebem o processo de ensino e aprendizagem, por outro. Veja-se o exemplo da variável demográfica “Formação Profissional” que revela não haver correspondência entre o que os professores percepcionam no Programa e o modo como o implementam.

Quanto à análise de dados qualitativos foi realizada através da conexão interactiva de três tipos de actividades: redução dos dados, apresentação/exposição e interpretação/extracção das conclusões. O procedimento de análise organizou-se em torno de um processo de categorização que consiste numa operação de classificação de elementos por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo a analogia entre eles. As categorias são rubricas que reúnem um grupo de unidades de registo sob um título genérico, em função das suas características comuns. Adopta-se o critério de categorização semântico, supondo que a decomposição-reconstrução desempenha uma função na indicação de correspondências entre as mensagens e a realidade a que reportam.

O protocolo de triangulação utilizado nesta investigação é o da triangulação metodológica, que compreende o emprego de mais de um método na persecução dos objectivos. Destacam-se, de seguida, os aspectos convergentes e os aspectos divergentes que ressaltam nesta triangulação.

Tabela 2. Dados significativos na correlação entre as variáveis demográficas e os resultados do questionário

Variáveis demográficas

Resultados do questionário

Pressupostos curriculares

Concepção estratégica do ensino-aprendizagem

Género

1. as professoras concordam mais que o Programa permite o desenvolvimento de competências e valores

2. as professoras valorizam mais a aprendizagem e a avaliação do funcionamento da língua em contexto

1. as professoras têm mais como referência as sugestões metodológicas/estratégias do Programa

1. as professoras planificam mais as diferentes modalidades de avaliação e programam mais estratégias, técnicas e instrumentos de avaliação diversificados e integrados na aprendizagem

3. as professoras valorizam mais frequentemente as competências nucleares na organização do processo de avaliação

4. as professoras consideram mais que o seu processo de avaliação é diversificado e integrador

Idade

5. a idade não influencia a percepção relativa aos pressupostos curriculares

1. os professores maiores de 49 anos adequam mais o currículo ao contexto

4. os professores maiores de 49 anos consideram mais que o seu processo de avaliação é diversificado e integrador

Habilitações académicas

 

1. os professores com mestrado concordam mais do que os pós-graduados que o Programa se insere nos princípios orientadores da revisão curricular

6. os professores com mestrado valorizam mais do que os pós-graduados o processo na aprendizagem e avaliação da escrita

3. os professores com mestrado valorizam mais frequentemente do que os pós-graduados  as competências nucleares na organização do processo de avaliação

Tempo de docência

6. os professores com mais tempo de docência valorizam mais o processo na aprendizagem e avaliação da escrita

2. os professores com mais tempo de docência valorizam mais a aprendizagem e da avaliação do funcionamento da língua em contexto

5. o tempo de docência não influencia a concepção estratégica do ensino e da aprendizagem

Formação Profissional Inicial

7. os professores com estágio integrado concordam mais do que os profissionalizados em serviço que o Programa valoriza os paradigmas construtivistas

5. a formação profissional inicial não influencia a concepção estratégica do ensino e da aprendizagem

Formação Profissional Contínua

7. os professores com formação em implementação do Programa de Português do Ensino Secundário consideram que o Programa valoriza os paradigmas de aprendizagem construtivistas

5. a formação profissional contínua não influencia a concepção estratégica do ensino e da aprendizagem

Fonte: Elaborado pelos autores

3.1. Aspectos convergentes obtidos na triangulação metodológica

Na tabela 3, elencam-se os aspectos preponderantes encontrados na triangulação, que mostram a convergência das crenças e/ou das práticas dos professores relativamente a determinados domínios do ensino-aprendizagem do Português.

Tabela 3. Aspectos convergentes obtidos na triangulação metodológica

ASPECTOS

Q

E

D

Articulação  existente entre o Programa de ensino e os seus documentos legais enquadradores

X

X

 

Mudanças significativas do Programa de ensino face a programas anteriores

X

X

 

Paradigma construtivista subjacente às propostas do Programa

X

X

 

Importância atribuída pelo Programa às competências e aos conteúdos processuais

X

X

 

Atribuição de importância às competências funcionamento da língua e expressão oral formal, pela relevância que o Programa lhes atribui

X

X

 

Importância atribuída pelo Programa a metodologias activas que transformem o aluno no construtor do seu próprio saber

X

X

 

Desenvolvimento de processos de regulação do ensino e da aprendizagem

X

X

X

Desvalorização do envolvimento dos alunos na deliberação curricular

X

 

X

Visão pouco integradora do currículo, mostrando tendência para a descontextualização dos conteúdos e para a ausência de tarefas complexas que integrem várias competências em interacção

X

X

X

Pouca importância atribuída à equidade na avaliação das competências

X

 

X

Avaliação sumativa externa condiciona a gestão curricular (nomeadamente o trabalho sobre a competência de oralidade, flexibilidade, contextualização) e o processo de avaliação (ponderação das competências, contextualização), restringindo as práticas

 

X

X

Valorização de mediadores do currículo, como os manuais e os exames, o que compromete a gestão curricular

 

X

X

Fraco investimento didáctico revelado na mobilização dos conteúdos processuais, sobretudo ao nível do trabalho no âmbito das competências de oralidade

X

X

X

Pouca adesão a estratégias sugeridas pelo Programa, por exemplo, oficina de escrita, que aparece pouco referenciada

X

 

X

Relevância atribuída aos conteúdos declarativos prescritos, sobretudo os de leitura

X

X

X

Reconhecimento das tipologias textuais como elemento importante a trabalhar, fazendo a maioria das escolas corresponder pontualmente as sequências de ensino-aprendizagem às tipologias textuais

X

 

X

Gestão integrada das competências no processo de ensino-aprendizagem, à excepção da competência de oralidade que é entendida como um caso à parte

X

X

 

Preferência por estratégias e instrumentos de avaliação formais, uniformizadores e descontextualizados, numa lógica de aplicação e de não diferenciação

X

X

X

Fonte: Elaborado pelos autores
Nota: Q:questionário, E:entrevista, D:documentos

Verificamos que a presença de alguns desses aspectos é recorrente em todos os instrumentos utilizados no estudo:

  • É notória a preocupação dos professores pelo desenvolvimento de processos de regulação do ensino e da aprendizagem;
  • Regista-se uma tendência para a descontextualização dos conteúdos e para a ausência de tarefas complexas que integrem várias competências em interacção, evidenciando uma visão pouco integradora do currículo;
  • Manifesta-se um fraco investimento didáctico na mobilização de conteúdos processuais, sobretudo ao nível do trabalho no âmbito das competências de oralidade;
  • Atribui-se relevância aos conteúdos declarativos prescritos, sobretudo os de leitura;
  • Manifesta-se preferência por estratégias e instrumentos de avaliação formais, uniformizadores e descontextualizados, numa lógica de aplicação e de não diferenciação.
  • 3.2. Aspectos divergentes obtidos na triangulação metodológica

Na tabela seguinte, elencam-se os aspectos preponderantes encontrados na triangulação, que mostram a divergência das crenças e/ou das práticas dos professores relativamente a determinados domínios do ensino-aprendizagem do Português (tabela 4).

Tabela 4. Aspectos divergentes obtidos na triangulação metodológica

Questionário

Entrevistas

Documentos

Não percepção das potencialidades do Programa ao nível da contextualização nas suas múltiplas dimensões

Percepção de mudanças positivas na liberdade de gestão proporcionada pelo Programa ao nível da contextualização

 

Crença de que o Programa não assegura uma cultura literária canónica

Valorização da leitura literária em contexto de contrato de leitura, do texto literário como objecto estético e da cultura literária é referida como principal característica do Programa

 

Não valorização das características do paradigma construtivista nas propostas do Programa ao nível da contextualização nas suas múltiplas dimensões

os professores reconhecem o paradigma construtivista subjacente às propostas do Programa

Não valorização das características do paradigma construtivista nas propostas do Programa ao nível da contextualização nas suas múltiplas dimensões

 Reconhecimento da importância das competências no desenvolvimento do ensino-aprendizagem

Reconhecimento da importância das competências no desenvolvimento do ensino-aprendizagem

As competências transversais não são valorizadas, primando pela ausência

Reconhecimento da importância atribuída pelo Programa a metodologias activas que transformem o aluno no construtor do seu próprio saber

Reconhecimento da importância atribuída pelo Programa a metodologias activas que transformem o aluno no construtor do seu próprio saber

Ausência desse perfil de aluno nas planificações

Crença na importância dos processos, da contextualização e no contributo do desenvolvimento de competências para a aprendizagem do Português, por oposição à centralidade dos conteúdos

Crença na importância dos processos, da contextualização e no contributo do desenvolvimento de competências para a aprendizagem do Português, por oposição à centralidade dos conteúdos

As opções curriculares correspondem a um paradigma uniformizador, que valoriza os conteúdos como referentes curriculares preferenciais e eixo estruturador do currículo

Valorização das competências como matriz organizadora do currículo

Defesa da Literatura e da História da Literatura como eixo organizador do ensino-aprendizagem do Português

Defesa da Literatura e da História da Literatura como eixo organizador do ensino-aprendizagem do Português

Crença no paradigma de avaliação subjacente ao processo de ensino-aprendizagem

Crença no paradigma de avaliação subjacente ao processo de ensino-aprendizagem

Valorização de um paradigma de avaliação numa lógica de acumulação e não emergindo do próprio processo de aprendizagem

Valorização das competências nucleares na organização do processo de ensino-aprendizagem e de avaliação

Valorização das competências nucleares na organização do processo de ensino-aprendizagem e de avaliação

Apenas duas escolas o evidenciam nos documentos

Constatação do não envolvimento frequente dos alunos em processos de aperfeiçoamento e de superação de lacunas

Crença e implementação de estratégias de superação das dificuldades  dos alunos

Ausência de princípios e/ou estratégias conducentes à superação do erro e/ou das dificuldades dos alunos

 

Reconhecimento da importância da colegialidade e da construção curricular como estratégias de aproximação dos professores ao Programa e da colegialidade como fundamento das práticas induzidas pelo Programa

Aparente ausência de deliberação em questões de deliberação curricular e de escassa interacção ao nível do grupo disciplinar

Elevado grau de reconhecimento da importância de uma avaliação autêntica

Elevado grau de reconhecimento da importância de uma avaliação autêntica

Ausência do princípio de autenticidade nas práticas preconizadas

Envolvimento dos alunos na avaliação do seu desempenho e/ou nos dos colegas como mecanismo de aprendizagem

Envolvimento dos alunos na avaliação do seu desempenho e/ou nos dos colegas como mecanismo de aprendizagem

Escassa previsão de trabalho colaborativo, de interacção e da auto e da co-avaliação

Fonte: Elaborado pelos autores

A tabela evidencia os resultados divergentes verificados na triangulação dos instrumentos utilizados para a recolha de informação, dos quais destacamos os seguintes pela sua relevância:

  • No questionário e nas entrevistas os professores reconhecem o paradigma construtivista subjacente às propostas do Programa; no questionário e nos documentos os professores não valorizam as características do paradigma construtivista nas propostas do Programa ao nível da contextualização nas suas múltiplas dimensões (não diferenciam o currículo ao nível das estratégias e tendo em conta as necessidades concretas dos alunos, as características das turmas e o contexto de inserção da escola);
  • No questionário e nas entrevistas existe o reconhecimento da importância das competências no desenvolvimento do ensino-aprendizagem; no entanto, as competências transversais não são valorizadas (documentos), primando pela ausência;
  • No questionário e nas entrevistas é evidente a crença na importância dos processos, da contextualização e no contributo do desenvolvimento de competências para a aprendizagem do Português, por oposição à centralidade dos conteúdos; nos documentos, as opções curriculares correspondem a um paradigma uniformizador, que valoriza os conteúdos como referentes curriculares preferenciais e eixo estruturador do currículo, minimizando a importância atribuída ao desenvolvimento de competências e evidenciando um perfil de professor organizador de conteúdos prescritos, obliterando as margens flexíveis do currículo;
  • No questionário e nas entrevistas assume-se um paradigma de avaliação subjacente ao processo de ensino-aprendizagem, no qual as tarefas avaliativas emergem das tarefas de aprendizagem, percepcionando uma consonância entre currículo e avaliação; no entanto, nos documentos é evidente a valorização de um paradigma de avaliação numa lógica de acumulação e não emergindo do próprio processo de aprendizagem;
  • Nas entrevistas, salienta-se o reconhecimento da importância da colegialidade e da construção curricular como estratégias de aproximação dos professores ao Programa e da colegialidade como fundamento das práticas induzidas pelo Programa; nos documentos, destaca-se uma aparente ausência de deliberação em questões de deliberação curricular e de escassa interacção ao nível do grupo disciplinar.

O tratamento e análise de dados é um trabalho complexo, resultante de uma grande amplitude de informações e de procedimentos e, de acordo com Colás Bravo (1998) “da inexistência de guias procedimentais precisas e concretas” (p. 276). A partir dos resultados significativos para a investigação, propõem-se inferências e interpretações que se coadunam com os objectivos previstos. Nesse sentido, sublinha-se a necessidade de verificação das conclusões seguindo-se critérios e procedimentos de credibilidade para produzir constatações e inferências com garantias de verosimilhança (Colás Bravo: 1998). Os resultados especificados motivaram as conclusões que a seguir se apresentam.

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Globalmente podemos afirmar que a interpretação, enquanto componente de análise, começa por ser redutora para, em seguida, “ser criadora através da elaboração de explicações e de novas questões que transcendem a secura dos resultados”(Van der Maren, apud Lessard-Hébert e al, 2005:123). Nesta linha de pensamento encontrámos dados significativos que nos levaram a revisitar a literatura de referência para procurar enquadramento amplificador das inferências realizadas.

As perspectivas de ensino do Português sofreram alterações ao longo das últimas décadas que não foram reconhecidas de igual modo pelos professores desta disciplina. As tendências de reconceptualização do ensino secundário na área do Português configuram não só um afastamento teórico relativamente ao discurso antecedente como a emergência de práticas pedagógicas mais consentâneas com a modernidade conceptual bem patente na investigação e literatura de referência.

O presente trabalho pretende potenciar uma reflexão mais consciente sobre os modos de implementação dos programas de ensino em Portugal, concretamente na área do Português, verificando as opções curriculares dos professores e o seu impacto nas práticas pedagógicas. Os resultados obtidos nos questionários, nas entrevistas e na observação de documentos pedagógicos como as planificações e os critérios de avaliação, a sua análise e as inferências realizadas permitiram-nos chegar a determinadas conclusões sobre a implementação do texto programático em escolas secundárias do concelho de Sintra. O confronto desses resultados com os objectivos específicos da investigação inicialmente concebidos, permite-nos concluir que os mesmos foram atingidos, contribuindo para uma abordagem mais fundamentada da questão em estudo.

Assim, salientamos as conclusões relativas aos objectivos de investigação a que nos propusemos:

  • Apurar as percepções dos professores relativamente a pressupostos curriculares do texto programático
    • Parece evidente o reconhecimento da articulação existente entre o Programa de ensino e os seus documentos legais enquadradores - Lei de Bases do Sistema Educativo e documentos da revisão curricular 2001 – assim como das mudanças significativas deste Programa de ensino relativamente a programas anteriores;
    • Reconhecimento da importância atribuída pelo Programa às competências e aos conteúdos processuais, bem como à mobilização de metodologias activas que transformem o aluno no construtor do seu próprio saber, de acordo com o paradigma construtivista que é reconhecido nas propostas apresentadas pelo Programa;
    • Percepção da importância do Programa como promotor da reconceptualização do papel dos intervenientes no acto educativo;
    • Ao nível da contextualização, os professores identificam a liberdade de gestão curricular como uma mudança positiva, contudo não percepcionam as potencialidades do Programa ao nível da contextualização nas suas múltiplas dimensões.
  • Descrever as concepções de ensino-aprendizagem subjacentes às abordagens curriculares valorizadas
    • Valorização de uma visão pouco integradora do currículo, mostrando tendência para a descontextualização dos conteúdos e para a ausência de tarefas complexas que integrem várias competências em interacção;
    • Valorização de uma visão prescritiva, formal e uniformizadora do currículo;
    • Aposta na não diferenciação do currículo ao nível das estratégias e tendo em conta as necessidades concretas dos alunos, as características das turmas e o contexto de inserção da escola;
    • Desvalorização do envolvimento dos alunos na deliberação curricular;
    • Valorização de mediadores do currículo, como os manuais e os exames, o que compromete a gestão curricular;
    • Valorização das competências como matriz organizadora do currículo;
    • Valorização da importância das competências no desenvolvimento do ensino-aprendizagem, no entanto, as competências transversais não são valorizadas;
    • Reconhecimento da necessidade de atribuir importância às competências funcionamento da língua e expressão oral formal, pela relevância que o Programa lhes atribui;
    • Valorização de um paradigma reflexivo relativamente à aprendizagem da competência funcionamento da língua, tomando-a como objecto de estudo autónomo;
    • Reconhecimento da necessidade de desenvolver processos de regulação do ensino e da aprendizagem;
    • Conformidade entre as crenças e as práticas dos professores relativamente à utilização da avaliação como mecanismo de regulação do ensino;
    • Desvalorização do perfil do aluno como construtor do seu próprio saber;
    • Pouca importância atribuída à equidade na avaliação das competências;
    • Constatação da importância de um paradigma de avaliação subjacente ao processo de ensino-aprendizagem, no qual as tarefas avaliativas emergem das tarefas de aprendizagem.
  • Identificar as percepções dos professores relativamente às suas práticas na operacionalização do Programa, ao nível da planificação, implementação e avaliação
    • Inexistência de deliberação curricular docente, mesmo em zonas do currículo em que essa deliberação é solicitada, sobretudo ao nível da organização dos conteúdos;
    • Valorização das competências nucleares na organização do processo de ensino-aprendizagem e de avaliação;
    • Reconhecimento das tipologias textuais como elemento importante a trabalhar, fazendo a maioria das escolas corresponder pontualmente as sequências de ensino-aprendizagem às tipologias textuais;
    • Crença na importância dos processos, da contextualização e no contributo do desenvolvimento de competências para a aprendizagem do Português, por oposição à centralidade dos conteúdos; no entanto, as propostas curriculares correspondem a um paradigma uniformizador, que valoriza os conteúdos como referentes curriculares preferenciais e eixo estruturador do currículo, minimizando a importância atribuída ao desenvolvimento de competências e evidenciando um perfil de professor organizador de conteúdos prescritos, obliterando as margens flexíveis do currículo;
    • Preocupação evidente com os recursos educativos a mobilizar; no entanto, no planeamento didáctico, a gestão dos recursos é aparentemente desvalorizada pelos professores;
    • Os professores consideram ter uma acção relevante no estímulo à metacognição e mobilização dos conhecimentos linguísticos em contexto de produção;
    • Valorização da avaliação sumativa externa na deliberação e gestão curricular, restringindo as práticas (nomeadamente o trabalho sobre a competência de oralidade, flexibilidade, contextualização) e o processo de avaliação (ponderação das competências, valorização dos testes formais, idênticos aos exames, atribuição de percentagens aos instrumentos/actividades de avaliação);
    • Gestão reactiva do currículo em função da avaliação externa que não contempla a oralidade, através da não atribuição da mesma importância, na avaliação, às diferentes competências nucleares;
    • Assumpção de um paradigma de avaliação subjacente ao processo de ensino-aprendizagem, no qual as tarefas avaliativas emergem das tarefas de aprendizagem, percepcionando uma consonância entre currículo e avaliação; no entanto, é evidente a valorização de um paradigma de avaliação numa lógica de acumulação e não emergindo do próprio processo de aprendizagem;
    • Percepção da importância da implementação de estratégias de superação das dificuldades dos alunos; no entanto, constata-se o não envolvimento frequente dos alunos em processos de aperfeiçoamento e de superação de lacunas que tenham por base o pensamento reflexivo e a metacognição nem surgem previstos princípios e/ou estratégias conducentes à superação do erro e/ou das dificuldades dos alunos;
    • Aparente envolvimento dos alunos na avaliação do seu desempenho e/ou nos dos colegas como mecanismo de aprendizagem; contudo, os professores não reconhecem aos alunos o papel de agentes construtores da sua aprendizagem e da avaliação, o que se pode verificar na escassa previsão de trabalho colaborativo, de interacção e da auto e da coavaliação.
  • Verificar o grau de adequação das práticas pedagógicas ao documento legal em apreciação
    • Valorização da dificuldade e da falta de tempo, como argumentos para a não consecução das determinações programáticas no processo de ensino-aprendizagem em algumas áreas como o desenvolvimento das competências de oralidade e da avaliação;
    • Fraco investimento didáctico revelado na mobilização dos conteúdos processuais, sobretudo ao nível do trabalho no âmbito das competências de oralidade;
    • Fraca adesão a estratégias sugeridas pelo Programa, por exemplo, oficina de escrita, que aparece pouco referenciada;
    • Relevância atribuída aos conteúdos declarativos prescritos, sobretudo aos de leitura;
    • Valorização da gestão integrada das competências no processo de ensino-aprendizagem, à excepção da competência de oralidade que é entendida como um caso à parte;
    • Preferência por estratégias e instrumentos de avaliação formais, uniformizadores e descontextualizados, numa lógica de aplicação e de não diferenciação;
    • Desvalorização das competências transversais que praticamente primam pela ausência, quer no discurso quer nos documentos;
    • Apesar do reconhecimento da importância atribuída pelo Programa a metodologias activas que transformem o aluno em construtor do seu próprio saber, é por demais evidente a ausência desse perfil de aluno nos documentos;
    • Reconhecimento da importância da gestão integrada das competências no processo de ensino-aprendizagem; no entanto, a oralidade é tida como excepção e as estratégias/actividades que as consubstanciam surgem em listas sem articulação nem integração;
    • A gestão dos recursos é aparentemente desvalorizada pelos professores;
    • Verificação de uma desconformidade entre as opções de implementação e o texto programático, no âmbito da avaliação das aprendizagens, ao nível da organização dos critérios, da explicitação do objecto e das estratégias e modalidades utilizadas;
    • Manifestação de um elevado grau de reconhecimento da importância de uma avaliação autêntica, mas as práticas adoptadas não assentam no princípio de autenticidade preconizado no Programa.
  • Determinar os paradigmas de aprendizagem que enquadram as opções pedagógicas dos professores
    • Os professores reconhecem o construtivismo como o paradigma subjacente às propostas do Programa, contudo, grande parte das suas opções pedagógicas parece contrariar este paradigma e valorizar outros;
    • O estímulo à participação do aluno no âmbito da deliberação e gestão curricular não é realizado;
    • O envolvimento do aluno na construção do conhecimento não parece ser incentivado, o que é patente na ausência quase absoluta de trabalhos de projecto e tarefas holísticas e integradoras no planeamento do ensino;
    • O aluno não é solicitado a participar activamente e de forma consistente no desenvolvimento do seu processo de avaliação.

Em suma, os resultados levam a reconhecer uma contradição entre as percepções dos professores e as suas práticas relativamente aos paradigmas curriculares, à gestão do ensino e da aprendizagem no que concerne a mobilização de competências e estratégias e ao papel da deliberação e da contextualização no planeamento didáctico.

Globalmente, os professores demonstram consciência da importância das competências, sobretudo das nucleares, como elemento matricial do currículo de Português do ensino secundário, embora essa consciência nem sempre se traduza numa gramática concreta para a sua implementação. De facto, constata-se que as competências são entendidas de forma redutora e sempre dependente dos conteúdos, tomados como um fim em si e privilegiados em todas as acções de planeamento didáctico. Destes, são alvo da preferência dos professores os conteúdos de leitura numa lógica de afunilamento do currículo em função da avaliação externa ou do que os professores entendem ser as suas premissas. Por estas razões não se vislumbra uma verdadeira integração das competências, na medida em que existe claramente um menosprezo das competências de compreensão e expressão oral, cuja didáctica se revela em desconformidade com os desígnios programáticos. Por outro lado, o pensamento reflexivo e a metacognição estão confinados à competência funcionamento da língua, à qual os professores conferem um estatuto diferenciado por reconhecerem uma terminologia específica cuja introdução no currículo é recente.

O irregular investimento no desenvolvimento de competências torna-se evidente quando se trata das competências transversais, especialmente a estratégica e a de formação para a cidadania. A primeira não está contemplada no planeamento didáctico e a segunda, apesar de surgir referida em alguns dos documentos analisados, é entendida como um mero cumprimento de regras que asseguram o bom funcionamento da aula, espelhando uma concepção de escola como um micro–cosmos da sociedade, uma espécie de tubo de ensaio do exercício da cidadania, focado em comportamentos tipificados.

Este facto tem também o seu reflexo na aparente negligência dos conteúdos processuais salientada nos instrumentos da investigação. Alegando falta de tempo e/ou a não expressão directa destes conteúdos em contexto de avaliação externa, os professores parecem não reconhecer a sua imprescindibilidade como objecto de leccionação, o que, de algum modo, cria constrangimentos a uma pedagogia baseada no desenvolvimento de competências, ao saber em uso.

A selecção de estratégias de aprendizagem apenas pontualmente se ajusta às sugestões do Programa, na medida em que os professores optam por um ensino cumulativo, tendencialmente orientado para o cumprimento de listagens de conteúdos e organizado em micro-sequências de actividades mais ou menos dinâmicas e interactivas. Longe está o horizonte das situações de aprendizagem integradoras, complexas e autênticas, nas quais é possível mobilizar e transferir conhecimentos em interacção.

No âmbito da avaliação, privilegia-se as estratégias de replicação, num cenário de formalismo e de uniformização. Os instrumentos de avaliação são recursos utilizados para obter informação que qualifique os resultados de aprendizagem, ao invés dos processos. Estão praticamente limitados ao uso de testes e outros instrumentos de natureza psicométrica, para os quais os alunos são adestrados.

A deliberação curricular opera-se sobretudo em zonas do currículo que podem comprometer os resultados socialmente mais visíveis e com mais impacto, como os dos exames nacionais, zonas essas que corresponderiam a um trabalho mais consistente sobre a oralidade e os conteúdos processuais. Parece, contudo, não haver deliberação docente em zonas do currículo onde ela é suscitada, como é o caso de escolha de obras literárias, parecendo manifestar-se uma tendência generalizada para seguir mediadores do currículo como os manuais escolares.

No planeamento didáctico transparece fraco investimento nos processos de contextualização em todas as suas dimensões, configurando um quadro de uniformização e massificação, induzido pela gramática escolar e por uma certa resistência à inovação, que persiste na concepção do indivíduo como algo de abstracto, sem história e sem raízes.

As percepções dos professores relativamente ao Programa situam-se num paradigma construtivista, alicerçadas na ideia de que o professor deve criar situações que constituam oportunidades para os alunos construírem os seus saberes; as práticas, contudo, situam-se explicitamente num paradigma alicerçado nos conceitos de uniformização, formalismo, replicação, explicitação de conteúdos, treino através de exercícios de aplicação de conhecimentos, enfoque em conteúdos, assimilação, sistematização. No fundo, acredita-se que, por repetição de um estímulo se produz uma resposta, formando-se um vínculo de aprendizagem igual para todos e relativamente ao qual todos devem dar uma resposta única.

Esta visão exclui a contextualização como elemento integrante e essencial da aprendizagem, na medida em que não é reconhecido que cada aluno interage de forma particular com o saber, seja pela importância dos conhecimentos que já possui e que são a base das futuras aprendizagens, seja pela participação activa e focalizada na construção dos conhecimentos em novas situações de aprendizagem. Pelo contrário, o paradigma de ensino que os professores reconhecem no texto programático, o construtivismo, implica a adopção de uma aprendizagem significativa, determinada pelo compromisso entre as concepções prévias e os novos conhecimentos numa construção pessoal do saber.

Na concepção programática, acredita-se que quem aprende está apto a construir significados, não assumindo apenas o papel de reprodutor do que lê ou ouve mas mobilizando formas de estruturação do pensamento e de reconstrução de conceitos e de processos, suplantando os conflitos cognitivos inerentes e construindo um contexto personalizado e único de aprendizagem. Pelo contrário, as práticas docentes demonstram uma clara sujeição do seu trabalho pedagógico-didáctico e do aluno em geral às opções curriculares e de organização prescritas quer externamente quer internamente.

Por último, através deste trabalho de investigação foi possível caracterizar as práticas docentes relativamente às formas de implementação do Programa de Português, o currículo em acção, em contraponto com as directrizes da tutela, o currículo prescrito, prefigurando uma cultura escolar enraizada na tradição e resistente à mudança.

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