REICE 2014 - Volumen 12, Número 2
OS REFLEXOS DA CAPACITAÇÃO FORA DAS GRADES:
A RESSOCIALIZAÇÃO DOS EX-DETENTOS DO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA (SC- BRASIL)

INTRODUÇÃO

O campo da Administração, talvez mais do que muitos outros campos de estudo, é marcado pelo funcionalismo, haja vista que sua origem reporta à necessidade da organização da produção, aumento da produtividade e, consequentemente, ao alcance de metas explícitas e racionalmente definidas (Misoczky, 2010).

O reflexo dessa preponderância é percebido nas escolhas de temas de trabalhos de conclusão nos cursos de Administração. E a Administração de Recursos Humanos, de modo especial, tem recebido uma ênfase significativamente postulada em princípios gerencialistas, teleológicos e calculistas. Esses estudos, tradicionalmente limitados à esfera gerencialista, são legitimadores da organização racional e tendem a excluir o conceito de sociedade do contexto organizacional (Tragtenberg, 1974). Em consonância, é evidente que a sociedade brasileira carece de estudos da área da Administração para subsidiar a análise de políticas e práticas administrativas advindas do Poder Público em favor do bem-estar dos cidadãos.

Um dos aspectos mais críticos do cenário social do país, hoje, é a questão da violência e da criminalidade, sendo que até mesmo em lugares longínquos, onde reinavam paz e tranquilidade, delitos têm comprometido a qualidade de vida da coletividade. Grande parte dos delitos é cometida por pessoas que já foram condenadas por outros crimes e cumpriram suas penas, mas não corresponderam ao processo de ressocialização.

A capacitação dos detentos no período do cumprimento da pena é um mecanismo utilizado em favor da ressocialização; porém, sabe-se que nem sempre dá conta de abarcar todos os quesitos necessários para tanto.

Apenas 17% do total dos presos brasileiros exerciam algum tipo de atividade laboral dentro do sistema penitenciário, em 2012. Dos quase 550.000 presos, cerca de 92.000 trabalhavam em atividades dentro dos presídios, 167 para cada grupo de 1.000 presos. Nos últimos 5 anos, o número de presos que trabalham dentro das prisões cresceu 6%, mas a média ainda é baixa – 164 presos cada 1.000 habitantes (Instituto Avante Brasil, 2012:23).

Dentre os estados brasileiros, Santa Catarina é o que apresenta um melhor panorama em tal quesito. Entre 2007 e 2012, para cada grupo de mil (1.000) presos quatrocentos e noventa (490) estavam em atividades laborais internas. No ano de 2012, 39% dos presos estavam trabalhando – 51% entre as mulheres e 38% entre os homens.

O Estado de Santa Catarina tem hoje uma população carcerária de aproximadamente dezessete mil (17.000) reclusos em vários regimes, alocados em unidades prisionais nas regiões Norte, Oeste, Vale do Itajaí, Planalto Serrano, Sul e Grande Florianópolis. Esta última é formada pelas seguintes unidades prisionais: Presídios Feminino e Masculino de Florianópolis, Presídio de Biguaçu, Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), Casa do Albergado de Florianópolis, Penitenciária de Florianópolis, Colônia Penal Agrícola de Palhoça, Central de Triagem de Presos da Capital e o Complexo Penitenciário do Estado (COPE), situado em São Pedro de Alcântara.

Por vivenciar a realidade do COPE, na condição de servidor atuante na Marcenaria, um dos autores deste artigo lançou o interesse inicial em investigar o desenvolvimento da capacitação dos detentos desta unidade.

A capacitação instiga a aquisição e descobertas e capacidades individuais para o mundo em que se vive, como recursos operacionais conscientes, que a pessoa possa utilizar no desempenho de suas atividades (Dessler, 2003; Marras, 2000) e, assim, pode-se afirmar que cada indivíduo é um ator participante efetivo da realidade social. A partir dos anos 90, os programas de treinamento têm buscado reproduzir o mais fielmente possível o ambiente de trabalho do treinando, pois, além de aprender o know-how, ele precisa compreender o maior número de razões pelas quais algo pode ou deve ser feito, o que, neste caso de estudo, significa afirmar que a capacitação pode ser entendida a partir da efetiva participação do detento. A capacitação profissional passou a ser entendida como um fator que vai além da simples aquisição de informações, mudanças de atitudes e desenvolvimento de habilidades, devendo incluir, ainda, a revisão de significados e referenciais de ação (Silveira, Maestro Filho e Dias, 2007).

No cenário brasileiro, a Lei nº 7.210/84 –Lei de Execução Penal– estabelece que o propósito do sistema prisional não é apenas guardar o recluso mas, sim, cuidar de sua integridade física e transformá-lo com disciplina, preparando-o para o trabalho, entende-se que a capacitação deve favorecer o alcance de tal objetivo, possibilitando a abstração de conceitos e a modificação de atitudes por parte do egresso (Milkovich e Boudreau, 2000).

Tal como no Brasil, a legislação espanhola também ressalta a importância da educação no contexto carcerário. No entanto, apesar de trabalhos desenvolvidos em vários países –dentre eles: Brasil, Argentina, Colômbia e Espanha– terem contemplado o apoio destinado às atividades de capacitação como a mediação na resolução de conflitos internos (Seller e Pérez, 2012), Programas de Pensamento Pro Social (Moledo, Montolío e Robles, 2013), espaço de “tiendas de diseño” para comercialização de produtos fabricados pelos detentos (Martinez, 2009) etc., nota-se que os holofotes ficam centrados em aspectos jurídicos, políticos, sociais e não os têm relacionado à dimensão organizacional, principalmente no que diz respeito à avaliação das atividades de capacitação que são desenvolvidas no cárcere. Pouco se discute sobre a avaliação dos resultados destas alternativas e suas concepções epistemológicas. Este estudo desenvolvido no cenário brasileiro pode oferecer subsídios para uma reflexão a respeito das práticas de capacitação adotadas nos presídios e os seus efeitos a posteriori.

Inspirados na ideia de Tratenberg (1974) acerca da necessidade de inclusão do conceito de sociedade no contexto organizacional, julgou-se interessante lançar luz às atividades de capacitação desenvolvidas no contexto do COPE e ao seu reflexo na ressocialização dos egressos do COPE. Para isso, o problema desta pesquisa foi: Quais são os reflexos da capacitação na ressocialização dos ex-detentos do COPE?

Então, este estudo objetiva analisar de forma mais delimitada os reflexos da capacitação na ressocialização dos ex-detentos do COPE e para tal, relatam-se as atividades de capacitação na unidade prisional, descrevendo as formas de ressocialização – contexto familiar, autoestima, oportunidade de trabalho e aceitação social – e apontando potencialidades e fragilidades da relação capacitação-ressocialização.

Acredita-se que este trabalho ofereça uma possibilidade alternativa de análise de um espaço de capacitação sob a óptica macro-organizacional, macrossocial e macropolítica, que ultrapassa as esferas funcionalistas de concepção da capacitação, algo ainda carente nos estudos organizacionais. A intenção é estimular inquietações a esse respeito, instigando reflexões sobre as limitações e as potencialidades da complexa atividade de capacitação da população carcerária, no sentido de conduzi-la à ressocialização e, consequentemente a uma reinserção social que o transponha da marginalidade.

Com vistas a sustentar uma melhor compreensão do leitor, o trabalho foi estruturado a partir desta introdução, que contempla os objetivos, a relevância e a motivação do estudo; de uma fundamentação teórica; dos aspectos metodológicos; da análise e discussão dos dados; e das considerações finais.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A revisão da literatura, aqui apresentada, constitui-se, sobretudo, de pressupostos teóricos a respeito da capacitação de pessoas nas organizações e das formas de ressocialização –contexto familiar, autoestima, oportunidade de trabalho e aceitação social–, uma vez que são as categorias e subcategorias centrais da pesquisa.

1.1. A capacitação de pessoas nas organizações

No contexto atual das organizações, a atividade de capacitação pode mostrar duas faces: ser uma das ferramentas mais capciosas de controle dos indivíduos, em que mecanismos normativos legitimam uma visão dominante (Silva, 2004), e, por outro lado, pode representar uma forma de empoderamento das pessoas ao se considerar o seu acesso a uma visão embasada em um paradigma mais crítico (Rockenbach, Coelho e Kanitz, 2013).

Os mais diversos autores se referem ao ato de capacitar as pessoas usando vários termos, como: treinamento, ensino, educação, capacitação etc. E cada um dos autores adota uma forma de interpretar a sua escolha semântica. Existem esforços em favor de maiores esclarecimentos, mas como não se trata do foco primordial deste artigo, aqui se utiliza a terminologia “capacitação”, que, conforme Garavan (1999), engloba várias concepções possíveis e considera diferentes visões acerca da referida atividade.

A capacitação de pessoas nas organizações objetiva treinar os indivíduos em suas atividades técnicas com vistas a desenvolver suas habilidades e otimizar a produtividade; motivá-los com a valorização da sua mão de obra; influenciar mudanças comportamentais; e promover o desenvolvimento de sua multidimensionalidade ao estender conhecimentos à sua vida pessoal. Desse modo, a ideia é que o trabalho possa lhe causar um crescimento, uma evolução real e efetiva em todas as áreas de sua vida (Dessler, 2003).

Aparentemente, a atividade de capacitar pessoas é algo bastante simples; no entanto, ao se remeter aos critérios que comprovem a sua efetividade, é possível perceber que a capacitação contém detalhes formadores de uma complexidade que tende a induzir o gestor a determinadas armadilhas. Milkovich e Boudreau (2000) destacam que em muitos casos as organizações adotam o “treinamento pelo treinamento”, o que significa que buscam cumprir exigências impostas por políticas institucionais, mas nem sempre são escolhidos trajetos metodológicos coerentes com a real situação em que se encontram as pessoas, as tarefas e a própria organização. Diante disso, acredita-se que seja de central importância o conhecimento de um processo sistematizado de capacitação, composto por quatro etapas: o levantamento das necessidades de treinamento, a programação, a execução e a avaliação (Dessler, 2003).

Em um primeiro momento, é realizado um estudo diagnóstico da situação por meio da investigação de aspectos referentes a elementos organizacionais, aos recursos humanos e às tarefas a serem realizadas. Nesta fase, busca-se identificar as deficiências e as potencialidades da organização em termos de clima organizacional, imagem que a sociedade tem da organização, sua vida financeira, dentre outros. Quanto aos recursos humanos, sugere-se que seja avaliado o contingente de treinandos e o perfil destes, com detalhamento de suas competências, sejam elas técnicas, sociais ou de negócios (Resende, 2003). Espera-se que, com isso, seja possível uma maior potencialização das tão diferentes características das pessoas, entendendo que para cada indivíduo existe uma forma de capacitação que seja mais adequada ao seu aprendizado. Em se tratando das tarefas, também são importantes o reconhecimento do padrão de desempenho e o delineamento das expectativas que se tem em relação à execução, em termos de tempo e qualidade (Rocha, 2007). É a partir desse panorama que derivam as escolhas metodológicas da capacitação.

A programação é a fase em que são definidos os propósitos, as formas de seleção dos participantes e os participantes em si, bem como instrutores, locais, datas, valores a serem investidos etc. Há autores que chamam esta etapa de “desenho do treinamento” (Bohlander e Snell, 2013).

Em seguida há o período de execução, que, conforme Rocha (2007) menciona, corresponde ao momento da prática do que foi concebido e no qual se preza pela qualidade da capacitação e seus efetivos resultados, que, na fase de avaliação, são averiguados com base em indicadores diretamente interligados aos aspectos organizacionais, de recursos humanos e de tarefas, normalmente reconhecidos no início do processo.

O processo deve ser cíclico, pautado na lógica de continuidade das virtudes e nos ajustes de fragilidades e deficiências, sendo que os resultados servem como indicadores para o próximo diagnóstico de treinamento. No entanto, uma das mais expressivas falhas do processo encontra-se no abandono do controle dos seus resultados, seja por má gestão ou até mesmo pela dificuldade de acesso aos diferentes quesitos relacionados ao treinamento em um contexto mais amplo das organizações. Há, portanto, de se concordar com Séguin e Chanlat (1992) quando afirmam que o processo cíclico da capacitação tem como alicerce formas e modelos reduzidos a planejamentos e controles, o que tende a inibir a abordagem de aspectos que transcendam a redoma organizacional e interajam de forma mais relevante com a sociedade.

Dentre os mais adversos cenários para capacitação, encontra-se a realidade do cárcere, uma vez que a capacitação dos detentos envolve não somente o desenvolvimento de habilidades e uma mera mudança de comportamento, mas também o alcance de um nível de abstração por parte do detento que potencialize as suas de ressocialização após o cumprimento da sua pena.

No que tange à realidade espanhola, estudos têm evidenciado que a legislação que prega a necessidade de educação da população carcerária tem sido respaldada por práticas de mediação de conflitos de internos (Seller e Pérez, 2012), por políticas de intervenção pedagógica (Moledo, Montolío e Robles, 2013) e pela pedagogia social (Gómez e Pernas, 2012).

Além disso, há uma preocupação significativa com a profissionalização dos presos, sendo que um exemplo disso foi o convênio firmado entre a Agencia de la Comunidad de Madri para la reeducación del menor infrator com a Consejería de Justicia e Interior para a criação de lojas que comercializassem mercadorias fabricadas pelos presos.

Em suma, de acordo com Gómez e Pernas (2012), o sistema penitenciário espanhol vem promovendo, nos últimos anos, ações agrupadas em cinco grandes áreas, a saber: os programas de intervenção, educação e formação formal, trabalho e emprego, lazer e cultura, e os programas esportivos. No entanto, afirmam que o grande desafio está na acentuação de uma identidade pedagógico-social que possibilite a constituição de princípios e valores que conduza o egresso ao convívio com todos os agentes, com os quais interagia antes do cárcere.

Nesse sentido, cabe sublinhar que a pesquisa de Moledo, Montolío e Robles (2013) demonstra que apesar da evidência legislativa e de pesquisa, a realidade prisional espanhola ainda comprova que não existe modelo em uma intervenção educativa neste meio complexo, o que inevitavelmente não causa programas eficazes e reforça a prisão como um espaço de punição com pena de prisão. Essas evidências se fazem também bastante frequentes quando se trata do sistema prisional brasileiro.

Dessa forma, entende-se que seria interessante desenvolver um estudo que investigasse os efetivos impactos das atividades de capacitação na ressocialização de egressos, com o intuito de conhecer que práticas organizativas inerentes à gestão da capacitação têm sido negligenciadas.

1.2. A ressocialização

Por ressocialização entende-se a forma de correção, de reabilitação do apenado nos campos familiar e profissional, com vistas à readaptação ao convívio em sociedade (Dotti, 1998). A ressocialização do condenado visa a inclusão social deste, oferecendo artifícios para que consiga acatar as regras de vivência em harmonia (Gomes, 1999). Já é impositivamente previsto no artigo 1° da própria Lei de Execução Penal que o objetivo fundamental da execução penal é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Tal dispositivo retrata o reconhecimento, por parte do legislador, da necessidade de se reeducar o infrator. Contudo, essa noção de execução penal não é constatada na realidade contemporânea.

Na prisão, o indivíduo teria que passar por uma reeducação de ideias sobre sociedade e comportamento para tentar mudar sua maneira de pensar e agir; mas o que acontece é que, muitas vezes, os reclusos terminam se aperfeiçoando em sua carreira criminosa por meio do convívio com outros delinquentes e tornam suas condutas piores do que a pregressa (Falconi, 1998).

Um dos princípios primordiais da Constituição Federal é o da dignidade da pessoa humana, independentemente de quem seja o indivíduo e do tipo de delito por ele praticado (Dotti, 1998). Por outro lado, no Brasil o sistema penitenciário caiu em descredibilidade por parte da sociedade e somente recebe os efeitos da indústria do crime. No geral, a sociedade se manifesta de forma contrária aos investimentos na população carcerária ao comparar os custos-benefícios do sistema, e ao se deparar com índices relevantes de reincidência na criminalidade. É compreensível. Deve-se considerar, entretanto, que além da integridade do preso há a integridade de pessoas ligadas a ele direta ou indiretamente, como família e funcionários das unidades prisionais (Bitencourt, 2001). Segundo Bitencourt (2001), é interessante ter a consciência de que a finalidade ressocializadora não é a única e nem deve ser a principal finalidade da pena, sendo apenas uma dentro de várias possíveis com função de readaptação social. O autor considera que existem outros meios que não são controlados pelo Estado, como, por exemplo, a religião.

Para fim de ressocialização, um homem com uma profissão tem mais chances de viver uma vida honrada, e o trabalho desenvolvido dentro das unidades prisionais se torna fundamental, pois, na parte disciplinar, ajuda a manter a ordem; colabora para a capacitação do indivíduo no processo educativo; e, quanto ao suporte econômico, possibilita ao detento obter dinheiro para comprar produtos para suas necessidades, conseguindo se manter dentro da unidade prisional, podendo até ajudar sua família (Alexandre, 2006).

Dentre os vários enfoques dados pelos autores à ressocialização, neste estudo foram selecionados aqueles que apresentam uma relação mais expressiva com a ressocialização dos ex-detentos da penitenciária de São Pedro de Alcântara, identificados por observação direta: relação familiar, autoestima, aceitação social e oportunidade de emprego.

1.2.1. Relação familiar

O processo de ressocialização não cabe somente ao preso e ao Estado. A família tem um papel de significativa importância – algumas vezes, inclusive, interpretado como um agente protetor (Trisotto, 2005).

Normalmente a família é um forte aliado do apenado, acompanhando-o por toda sua “caminhada”, estabelecendo contato com o advogado de defesa e fornecendo os produtos que o apenado necessita para sua permanência na penitenciária. Nesses casos, o detento sabe que após o cumprimento da pena poderá contar com o apoio da família e suas dificuldades serão amenizadas, pois terá abrigo e sustento, ou seja, em princípio não haverá argumentos que o induzam a cometer outros delitos (Alexandre, 2006). Por outro lado, o desconhecimento e a incompreensão do sistema penitenciário, o medo da exposição da família dentro da comunidade carcerária e a pressão de familiares culminada com as longas penas tendem a levar algumas famílias ao abandono. Além disso, quando o detento não corresponde às expectativas criadas e depositadas pela família no presidiário, tende haver uma rejeição. Ao apoiar o detento, a família contribui significativamente para a recuperação e a reabilitação, pois o vínculo acentuado acarreta um compromisso do detento para com sua família, que é renovado a cada visita (Pinto e Hirdes, 2006). Segundo Trisotto (2005), quanto ao comportamento há muita diferença entre os presos que recebem visitas de suas famílias e aqueles que foram abandonados. Os que não têm visitas são mais agressivos, cultivam pensamentos ruins e têm um relacionamento conturbado dentro das celas – bem diferente daqueles que contam com o auxílio de uma família que está sempre por perto, fazendo o cumprimento da pena tornar-se um pouco menos doloroso.

Sabe-se que algumas famílias acabam cumprindo pena junto com o apenado, não em função da privação de liberdade, mas pelo sofrimento psicológico estabelecido. Outras, porém, veem no sistema prisional uma esperança de se libertarem dos muitos problemas que lhe foram ocasionados por seu ente familiar, o que tende a dificultar ainda mais o processo de reinserção social do condenado.

1.2.2. Autoestima

Na Psicologia, a autoestima é a avaliação subjetiva que uma pessoa faz de si mesma como sendo intrinsecamente positiva ou negativa em algum grau (Sedikides e Gregg, 2003). Autoestima é amar e valorizar a si mesmo, aceitar a si próprio, buscar por uma melhoria contínua que induz a pessoa a uma maior motivação produtiva e de criação. Indivíduos com a autoestima elevada envolvem-se mais na procura por soluções de problemas, aproveitam as oportunidades, enfrentam desafios, têm grande facilidade de trabalhar em equipe (Castro, 1998), e, no caso de ex-detentos, buscam uma nova chance de viver em sociedade.

Muitos indicadores estão associados à autoestima, dentre eles o sentimento de estar preparado para uma profissão, ter assistência à saúde e assistência social (Thompson, 1998). Na realidade do sistema prisional é perceptível que a maioria dos presos não gosta de si mesmo e se autocondena por ter seguido o caminho errado, ou, ainda, por reincidir no crime. A maioria nunca trabalhou enquanto estava na sociedade. Os que trabalharam enfrentaram dificuldades com salários baixos e péssimas condições de vida. E ainda há os que julgam que o ingresso para o crime lhes confere status na sociedade em que estão inseridos. Assim, nesta seara, tratar de autoestima é uma tarefa considerada árdua por muitos especialistas (Wauters, 2003).

As oficinas de trabalho representam uma forma de resgatar a autoestima, pois detentos tendem a ter uma maior disposição para o trabalho. Essa disposição aumenta quando o detento encontra-se próximo de deixar a prisão, pois aumenta seu entusiasmo para começar uma nova vida (Ferreira, 1998). Quando se coloca um trabalhador no seu local de trabalho é preciso passar a ele algumas informações, tais como quem lhe dará ordens, a quem ele fica subordinado. Após, ele tem de aprender os pormenores de sua tarefa e adquirir a perícia necessária para desempenhá-la. A melhor forma de treiná-lo é no próprio local de trabalho, praticando o que realizará durante o dia de serviço.

Segundo Ettinger (1995), saber como motivar a mão de obra é muito importante para alcançar o objetivo principal da capacitação, que é, no caso dos detentos, a conscientização, utilizando recursos para sua ressocialização, bem como a compreensão de regras de convívio social e a respectiva aceitação para que se quebre o tabu de que “uma vez preso, sempre preso”.

1.2.3. Oportunidades de trabalho

Apesar de o índice de desemprego de 5,5% em 2012 ter sido o menor índice anual desde 2002 (Portal Brasil, 2013), é notável que o desemprego e a pobreza ainda sejam fatores alarmantes no Brasil, uma vez que são frutos de um processo histórico de dicotomia social.

A temática vem ganhando primazia nas preocupações da sociedade brasileira. Contudo, existem sérias dificuldades de transitar entre, por um lado, o objetivo ético e humanista razoavelmente consensual, e, por outro, as iniciativas concretas de uma política pública eficaz de combate à pobreza. Diante disso, faz-se necessária a existência de políticas públicas que reduzam tais problemas econômicos e sociais (Vinhais e Souza, 2006).

Some-se a isso as mudanças estruturais que afetam o mundo do trabalho. De acordo com Fleig (2003), a discussão sobre tais mudanças deve ser ampliada e contemplar a abordagem de várias ciências, como Economia, Sociologia, Psicologia, Administração e Antropologia. A compreensão da complexidade que envolve as questões referentes a desemprego no país pode vislumbrar novos horizontes que favoreçam a reconstrução da realidade social. O desemprego não é apenas uma externalidade do sistema capitalista contemporâneo, mas representa uma crise de valores e crenças quanto à nossa “realização pessoal”.

Nas atuais condições, em que até mesmo pessoas sem passagem pela Justiça encontram dificuldades na inserção empregatícia, o ex-detento encontra-se em considerável desvantagem, o que o leva à realização de trabalhos autônomos, informais, temporários e, na maioria das vezes, com baixa remuneração (Alexandre, 2006).

Uma pesquisa realizada em 2003 constatou que 70% dos egressos à sociedade – logo, ex-detentos – apontaram o preconceito como principal motivo de não conseguirem trabalho ao sair da prisão, mostrando como é grande a rejeição que sofrem por parte da sociedade (Wauters, 2003).

Embora alguns empresários ainda sejam contrários à realização de trabalho nos presídios, alegando concorrência desleal dos produtos fabricados em decorrência da isenção de impostos, muitas empresas vêm estabelecendo parcerias e participando da capacitação de apenados (Shikida e Brogliatto, 2007). A oportunidade de trabalho, porém, tem sido dada apenas no contexto da prisão. Após o cumprimento da pena, raramente se nota um incentivo por parte de empresas sem a intervenção de políticas públicas.

1.2.4. Aceitação social

Não é novidade que, após cumprir sua pena e se livrar da prisão, o ex-detento sofra vários tipos de humilhação, pois a sociedade demonstra preconceito e não aceita sua reinserção ao convívio comum (Wauters, 2003). Talvez isso possa ser explicado pela revolta da sociedade com relação à falta de segurança ao cidadão, que vivencia uma espécie de “encarceramento social” em razão da violência nas ruas.

Desse modo, a sociedade reprime a pessoa que acaba de sair do sistema prisional, o que leva muitos à prática de delitos em lugares onde são desconhecidos, com a crença de que ficarão impunes (Santos, 2008).

Visto isso, uma parte é culpa do governo, pois este não elabora projetos sociais a fim de favorecer a readaptação, que embora comece na unidade prisional precisa de um suporte pós-cárcere, o que nunca acontece. Diante da parceria do Estado, o ex-detento pode ser auxiliado e resgatar sua importância no cerne da sociedade (Thompson, 1998).

Assim, cabe comentar que além da relação familiar, da autoestima e das oportunidades de trabalho, a aceitação de outros atores no convívio social é um fator de extrema relevância, pois a vivência com amigos, vizinhos e conhecidos também faz o ex-detento sentir-se incluído socialmente, já que ele não deve ser marginalizado, pois não mais estará, no literal sentido da palavra, à margem da lei.

2. METODOLOGIA

Este estudo de caso apresenta uma abordagem predominantemente qualitativa com finalidade descritiva. O universo da pesquisa foi constituído por ex-detentos do COPE que exerceram algum tipo de atividade laboral nas oficinas e artesanato nas celas, e pelo gerente de atividades laborais.

Após a disponibilização de uma lista de contatos por parte do Setor Social, a amostra foi determinada pelo critério de acessibilidade. Devido a problemas com os delitos, muitos haviam mudado de cidade em busca de oportunidades de trabalho e de uma menor discriminação social, razão pela qual não foram localizados. Dentre os participantes, utilizou-se o critério de saturação, cessando as entrevistas no momento em que os dados passaram a se repetir de forma significativa. Ou seja,

O fechamento amostral por saturação teórica é operacionalmente definido como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados. Noutras palavras, as informações fornecidas pelos novos participantes da pesquisa pouco acrescentariam ao material já obtido, não mais contribuindo significativamente para o aperfeiçoamento da reflexão teórica fundamentada nos dados que estão sendo coletados (Fontanella, Ricas e Turato, 2008:20).

Nesse sentido, vinte (20) ex-detentos foram entrevistados. Uma das limitações deste estudo pode ser considerada o receio que os egressos demonstraram diante da entrevista. Por mais que tenham sido oferecidos esclarecimentos sobre o propósito da pesquisa, o fato de o entrevistador ter sido servidor do COPE no período do cumprimento da pena pode ter ocasionado um viés nos dados concedidos pelos participantes desta pesquisa.

Foram usados dados de livros, revistas técnicas, artigos científicos, sites e documentos institucionais. Com relação aos dados primários, foram realizadas entrevistas semiestruturadas que, apesar de serem guiadas por um roteiro de entrevista, ofereceram uma flexibilidade nos questionamentos emergentes na conversa com os participantes (Bryman, 2008).

As entrevistas foram realizadas do próprio telefone do Complexo Penitenciário, cujo número não é identificado. O motivo da entrevista foi apresentado a cada um dos participantes, mas, como já se supunha, alguns ficaram apreensivos inicialmente; contudo, foram entendendo os objetivos no decorrer da entrevista. O fato de o entrevistador conhecer o dialeto dos detentos facilitou o diálogo.

Foi entrevistado também o gerente de atividades laborais do Complexo Penitenciário, para esclarecimentos em vários aspectos como horas trabalhadas pelos reclusos, remuneração, controle das atividades realizadas, apoio do setor na seleção e no sucesso do programa de atividades de capacitação. Para efeito de anonimato, todos os vinte e um (21) entrevistados foram, convencionalmente designados pela letra E seguida de um número aleatório de 1 a 21.

Os dados foram tratados por categorização (tabela 1), ou seja, de acordo com as subcategorias de análise, que no caso da capacitação foram os programas e, no caso da ressocialização, foram eleitas: relação com a família, autoestima, oportunidade de emprego e aceitação social (Richardson, 1989).

Tabela 1. Categorias e subcategorias de análise

Categorias

Definição Constitutiva

Definição Operacional

Capacitação

Treinar os indivíduos a fim de torná-los técnicos, aperfeiçoando suas habilidades para que ocorra um aumento na produtividade; proporcionar o desenvolvimento de conhecimento e do indivíduo para capacitá-lo ao trabalho e à vida.

LNT

Programação

Execução

Avaliação

Ressocialização

Forma de correção e reabilitação do apenado nos campos familiar e profissional, com o objetivo de readaptação e reeducação social, privando-os da liberdade.

Relação familiar

Oportunidade de trabalho

Autoestima

Aceitação social

Fonte: Elaborada pelos autores.

3. RESULTADOS

Em termos de resultados, são apresentados o COPE, o perfil dos participantes da pesquisa, os programas de capacitação, as dimensões da ressocialização dos ex-detentos, bem como as potencialidades e deficiências na relação entre os programas de capacitação e a ressocialização.

3.1. Complexo Penitenciário do Estado (COPE) - São Pedro de Alcântara

O Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara teve seu projeto aprovado devido à superlotação na penitenciária da capital de Santa Catarina. Encontra-se localizado no bairro de Santa Teresa, aproximadamente a 25 km de Florianópolis.

Foi construído em meio à mata virgem e, após várias intervenções da Fundação de Amparo à Tecnologia e Meio Ambiente (FATMA), foi concluído em 2003 com capacidade total para 1.150 reclusos apenas de sexo masculino e em regime fechado. Esses reclusos eram distribuídos em 308 celas, espalhadas por quatro pavilhões organizados em uma visão aérea de três no lado esquerdo e um no lado direito. O pavilhão um (1) é destinado exclusivamente ao trabalho nas oficinas, com vistas a facilitar o controle de quem está fora das celas.

Hoje, o COPE tem em sua totalidade cento e dezoito (118) funcionários distribuídos em vários setores e cargos, como diretor, chefe de segurança, gerentes, agentes penitenciários, motoristas e terceirizados, efetivos na maioria.

Para melhor entender o funcionamento do COPE: o delinquente comete uma infração de qualquer natureza, e a Polícia Militar o prende e o leva para uma delegacia civil. Se o indivíduo foi pego em flagrante ou a investigação provar que é culpado, ele aguarda julgamento judicial em um presídio, quase sempre perto da comarca onde foi capturado para facilitar a ida ao fórum. Após esse período, caso seja condenado a mais de dois anos de reclusão, é transferido para o COPE.

Assim, o papel do COPE é cuidar para que os reclusos cumpram suas penas com segurança, zelando por sua integridade física e moral a fim de se tornarem pessoas regeneradas para o retorno ao convívio social – serviço que é prestado para o Estado de Santa Catarina e também para a sociedade, privando da liberdade quem, pelos mais diversos motivos, acabou se excluindo da vida social.

3.2. O perfil dos participantes da pesquisa

O entrevistado sobre os programas de capacitação foi o gerente de atividades laborais do Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, que forneceu os seguintes dados sobre os reclusos: salário, interesses nos programas de capacitação, horário de trabalho, produção, critérios de seleção e participação e apoio nas atividades desenvolvidas dentro da unidade apresentada.

Sobre o perfil dos ex-detentos integrantes da amostra desta pesquisa, foram investigados faixa etária, nível de escolaridade, motivo da pena, tempo de pena e oficina da qual participaram (figura 1).

Figura 1. Idade dos ex-detentos

Fonte: Pesquisa de campo.

Na Figura 2, foram apresentadas as idades do ex-detentos. Notou-se que a grande maioria possui mais de 22 anos e talvez isso se deva ao fato de a entrevista ter sido realizada depois do cumprimento da pena, ou seja, depois de terem passado alguns anos na prisão.

O nível de escolaridade é consideravelmente baixo, como se pode observar na figura 2, onde apenas 15% dos ex-detentos possuem ensino médio completo.

Figura 2. Nível de Escolaridade

Fonte: Pesquisa de campo.

Para investigar o motivo da pena, ou seja, o crime cometido, o questionamento foi feito de forma direcionada aos crimes mais comuns, com o intuito de evitar constrangimentos na hora da resposta. Conforme se observa na figura 3, a maior parte dos ex-detentos, 35%, foram detidos por crime de assalto.

Figura 3. Motivo da pena

Fonte: Pesquisa de campo.

O tempo de pena foi identificado junto ao cadastro no sistema Identificação Penal (IPEN), que permite acesso aos dados dos reclusos usando informações de entrada como nome, apelido ou digitais. As penas dos entrevistados foram pesadas devido a grande maioria ter cometido delitos de assalto e homícidio, o que tem ocasionado uma superlotação na unidade. Na figura 4, percebe-se que 60% dos respondentes tiveram penas acima de 8 anos de reclusão.

Figura 4. Tempo de pena

Fonte: Pesquisa de campo.

3.3. Os programas de capacitação no COPE

Os programas de capacitação do COPE referem-se a atividades laborais cuja finalidade é reeducar os detentos para o trabalho por meio de normas, procedimentos e responsabilidades. Parte-se do pressuposto que essa reeducação possa proporcionar um repensar a respeito do caráter do egresso e da forma como ele percebe a sociedade, ao prepará-lo para uma etapa de reinserção social. A ideia é que o preso possa refletir sobre sua condição, de modo espontâneo, ao aceitar que o Estado não é seu adversário, mas sim um facilitador do bem-estar social.

A partir do convênio firmado, as empresas parceiras repassam mensalmente à Penitenciária o valor correspondente a três quartos do salário mínimo por detento, sendo que, deste valor, 75% é destinado ao detento e, 25%, a um fundo rotativo para despesas com manutenção. Cumpre dizer que sobre referido valor não incide qualquer encargo e não há vínculo trabalhista.

As etapas de capacitação são desenvolvidas de maneira lenta, sendo que, primeiramente, são realizadas entrevistas com os reclusos buscando dados de sua vida profissional se for o caso de já terem trabalhado, e dados sobre suas habilidades a fim de identificar características como paciência, destreza, agilidade e higiene pessoal, bem como anteriores formas de atuação. Mediante a prévia dos reclusos, os eleitos são alocados na modalidade de capacitação mais coerente com o seu perfil, se houver disponibilidade de vaga. (E1)

Após a comunicação formal da realização da capacitação, o recluso recebe o que se chama de remissão, em que a cada três dias trabalhados há a redução de um dia de pena. Nas oficinas, os presos desenvolvem várias atividades, tais como costura de bolas, artesanato, marcenaria, malharia, oficina mecânica, padaria e lavanderia. Há, também, fábrica de esquadria de alumínios. Todavia, delinearam-se como objeto de análise deste artigo – por terem sido as mais frequentadas –quatro modalidades de capacitação: oficina da Indústria de Telecomunicação Eletrônica Brasileira (INTELBRAS), marcenaria, malharia e artesanato.

Com exceção do artesanato, que apresenta um caráter mais flexível de trabalho, nas outras três modalidades os reclusos são remunerados por produção, onde cada item produzido gera um valor que no final do mês é contabilizado conforme as notas fiscais emitidas. A jornada de trabalho é de segunda-feira a sexta-feira, das 07h às 17h30, podendo haver alterações.

Para fins de identificação de reclusos participantes das oficinas, é obrigatório o uso de crachá com os dados considerados mais importantes pela instituição: foto, matrícula e nome do recluso. Importante ressaltar que o extravio ou perda do crachá acarreta o impedimento de sair da cela para trabalhar por dez dias, o que baixa a produção e, consequentemente, o salário. Além disso, os reclusos que participam das atividades de capacitação usam camisa ou blusa de cor alaranjada para que não sejam confundidos com os servidores do COPE e, assim, estejam aptos a se deslocarem para a oficina solicitante.

Todos os entrevistados se capacitaram em pelo menos uma oficina no COPE e a maioria passou pela marcenaria –quase a mesma quantidade que passou pela INTELBRAS, o que ocorre porque o recluso passa pela marcenária antes de conseguir uma vaga na oficina da INTELBRAS. Foi identificado um baixo número de indivíduos na malharia e no artesanato, o que, talvez, deva-se à falta de apoio institucional se comparado com as outras modalidades.

3.3.1. INTELBRAS

De acordo com o material disponível no site da empresa, a INTELBRAS é totalmente brasileira, líder no mercado interno de centrais telefônicas, telefones e centrais condominiais. A empresa atua, hoje, nas áreas de telecomunicações, redes e segurança eletrônica, com presença em todo o território nacional e em diversos países na América Latina e África.

Primeira empresa a se conveniar logo após a inauguração do COPE, em parceria com o Setor Laboral, a INTELBRAS instalou uma estrutura produtiva dentro do complexo. É a oficina mais antiga e atua na fabricação de telefones e também em algumas etapas de outros produtos da empresa.

Quando um grupo de reeducandos é formado, a organização faz uma visita com muitos técnicos, para conhecimento prévio e acompanhamento individual dos detentos, observando o que estes já sabem fazer e o grau de escolaridade de cada um.

O treinamento geralmente é oferecido por setor ou célula, e no início toda a equipe é treinada ao mesmo tempo. Na sequência, aqueles que tiveram dúvidas sobre alguma etapa são atendidos individualmente. Na maior parte das vezes, um técnico da INTELBRAS traz o procedimento totalmente detalhado, com fotos dos itens e suas etapas, a fim de desenvolver e treinar os reeducandos por meio da técnica de demonstração (Dessler, 2003).

Durante o treinamento, aquele que se destaca é convidado a tornar-se o líder da equipe –da célula de produção– e será responsável pelos novos membros na célula de trabalho e por comandar a produção e os prazos. Esse líder é acompanhado por dois instrutores para controlar as mesas de serviço ou células, e manter a ordem.

Desta oficina participam mais de 120 (cento e vinte) reclusos que trabalham em um sistema de produção com metas e teste de qualidade nos formatos de uma empresa convencional. Quem passa pelo Pavilhão 1 entende como funciona e percebe nitidamente a organização em células, onde cada uma tem seu líder controlando e dando suporte à organização da produção.

São realizados vários tipos de trabalho: montagem, conserto e etapas de alguns produtos. A INTELBRAS está sempre em contato com os reclusos, observando seus procedimentos e técnicas para que se evitem desperdícios de material e de tempo. (E1)

Na maioria das vezes o resultado do treinamento tem surpreendido gestores da INTELBRAS, pois com uma equipe menor montada e em menor período de tempo, os reclusos têm apresentado maior produtividade do que os funcionários em normais condições de trabalho. Além disso, os reeducandos desenvolvem técnicas que facilitam o processo de montagem na célula com muita eficiência. Também vale sublinhar que os produtos fabricados nesta oficina passam, quase sempre, no controle de qualidade que o produto recebe quando chega à empresa para ser despachado para os clientes.

Diante de um processo cíclico de capacitação, a INTELBRAS acompanha a qualidade dos produtos fabricados quando há lotes rejeitados nos testes de qualidade, e os instrutores da empresa reforçam o treinamento junto aos reclusos. Além disso, outros indicadores da necessidade de maior atenção na capacitação são: a chegada de recluso vindo do pavilhão, quando o recluso muda de célula, ou ainda quando um item novo passa a ser trabalhado na oficina. Nesses casos, a empresa manda um técnico para treinar a primeira equipe e o recluso que tiver o melhor desempenho será o líder da mesa e fiscalizará toda a produção diária.

3.3.2. Marcenaria

Para a capacitação na oficina de marcenaria, foram firmados convênios com duas empresas: a Gaboardi Industrial de Madeiras Ltda. e a Sofia Industrial Exportadora.

A empresa Sofia Industrial Exportadora fabrica artefatos de madeira. A Gaboardi Industrial de Madeiras Ltda. produz fósforos e acendedores, palitos dentais e de picolé, espetinhos, alumínios, embalagens e prendedores de roupa, sendo este último o produto fabricado pelos detentos do COPE, atividade que assume a predominância dos trabalhos realizados nesta oficina.

Para a realização das atividades, os prendedores de roupa são encaminhados para os pavilhões dois, três e quatro, pois o trabalho é realizado também nas celas.

Como alguns treinandos desta oficina só saem de suas celas duas horas diárias para o banho de sol, o trabalho de marcenaria ajuda a reduzir a ansiedade e a angústia, por meio da transposição do pensamento ao foco do trabalho, que, embora rotineiro, requer bastante atenção. (E1)

Na oficina de marcenaria tem-se predominância da empresa Gaboardi, que deixa a produção de prendedor de roupa de madeira a cargo da própria oficina. Como a gerência das atividades laborais e os gestores da Gaboardi perceberam a incoerência entre a demanda e o contingente de reclusos em uma fase diagnóstica (Milkovich e Boudreau, 2000), na programação da capacitação optou-se por disponibilizar material para vários reclusos confeccionarem esse prendedor nas celas.

Atualmente, há mais de quatrocentos reclusos envolvidos com o trabalho de prendedor de roupa no complexo. (E1)

A capacitação tinha uma concepção pautada na escolha seletiva de disseminadores do conhecimento – conhecimento técnico, no caso. Para isso, a empresa treina um recluso para ser líder e este fica responsável pelo repasse de seu treinamento àqueles que ingressam na oficina.

Como alguns deles já elaboravam os prendedores nas suas celas, ao receberem a chance de ir à oficina possuíam o ritmo de produtividade desejado e com as habilidades bem desenvolvidas, uma vez que o trabalho é motor e requer frequência.

A empresa encaminha um de seus instrutores para treinamento no COPE quando verifica baixa qualidade na produção, ou, melhor elucidando, quando os palitos estão defeituosos ou a mola torta ou enferrujada. De acordo com o Entrevistado 1, não se tem problemas significativos com demanda, pois é feito o controle e a quantidade de pacotes prontos é repassada à Gaboardi. Assim, a empresa decide quando buscar os produtos acabados. Em média, são produzidos quatro mil (4.000) pacotes de prendedores de madeira semanalmente. Toda a produção é entregue ao responsável da galeria e no final do mês o total produzido em dúzias é pago pela empresa conveniada.

Com base nas dificuldades relatadas no desenvolvimento do trabalho são preparadas novas formas de intervenção nos treinamentos subsequentes (Bohlander e Snell, 2013).

3.3.3. Malharia

Na modalidade de capacitação malharia, a captação de reclusos se baseia nas habilidades motoras e destrezas com corte e costura, que não são inicialmente notadas em muitos dos reclusos. Além disso, também é analisado o comportamento do candidato a treinando como o motivo que o levou ao cumprimento da pena.

A produção da malharia é destinada ao consumo interno na confecção das vestimentas para os detentos. São produzidos calças, camisetas e agasalhos para uso dos próprios reeducandos de todo o complexo penitenciário. O trabalho é realizado de forma simples, à luz de uma tecnologia rotineira (Dessler, 2003).

Após esse diagnóstico a respeito das pessoas e das tarefas que serão realizadas para dar conta da demanda interna, a capacitação é programada em termos de jornada e remuneração. Os treinandos desta oficina atuam das 07h às 17h30, tal como as jornadas de outras oficinas; entretanto, o que muda é o fato de eles ganharem um salário fixo por mês, pago pelo setor laboral para que eles produzam as roupas necessárias (Milkovich e Boudreau, 2000).

Quando um reeducando é transferido para outra unidade ou passa para o regime semiaberto, ou, ainda, quando a demanda é maior que a produção, novos reeducandos são treinados.

A malharia está localizada na direção aos fundos da penitenciária, entre o pavilhão um e o pavilhão dois. Ela é a primeira oficina depois do setor de segurança, gradeada, e conta com relevantes artifícios de segurança para separar os reclusos dos corredores da penitenciária.

Frente aos resultados e às manifestações dos reeducandos, as formas de compartilhamento das técnicas de corte e costura são aperfeiçoadas na busca de, cada vez mais, corresponder às expectativas de demanda e de realização de um trabalho que aproveite ao máximo as capacidades dos detentos. (E1)

3.3.4. Artesanato

A capacitação via artesanato é a que, como já se esperava, apresenta uma relação mais flexível, com menos controle e normatizações. O artesanato não tem local próprio para acontecer, sendo realizado dentro das celas quase na sua totalidade. Cada recluso é responsável por sua produção e seu material de trabalho, sem controle de horário.

Dentre os trabalhos realizados pelos reclusos, o artesanto é aquele que precisa de menor treinamento e pouco acompanhamento do Setor Laboral. De maneira independente, o recluso efetua no interior de sua cela trabalhos de diversos tipos, que inclusive precisam de liberdade e autonomia para serem criados (Rockenbach Júnior, Coelho e Kanitz, 2013).

Pode-se dizer que o artesanato é o trabalho mais atuante dentro da penitenciária. Está presente nos pavilhões, na casa externa e nas oficinas. Diante do atraso na entrega do material para prendedores de roupa, da falta de material na oficina da INTELBRAS ou falta de tecido na malharia, os reclusos fazem artesanato para passar o tempo e aprimorar suas habilidades.

Na maioria das vezes, o maior apoio vem das famílias dos presos, que trazem o material a ser utilizado na confecção artesanal: cola, barbante, papel colorido, cartolina, palheta de madeira e novelos de lã. Com esses itens são feitas várias peças, tais como casinha de madeira, boneca de lã, porta-joias, avião de madeira e espelho com desenho. O interessante é que os presos também utilizam lixo para, de maneira criativa, realizar diversos tipos de artesanato.

Por mais que não haja uma sistematização formal, existe um espírito de cooperação entre os artesãos e as técnicas aprendidas são passadas de recluso para recluso, sejam elas aprendidas fora do COPE ou até mesmo desenvolvidas de forma autodidata. (E1)

Os reeducandos que fazem este tipo de capacitação ficam trancados o dia todo, saindo apenas duas horas para banho de sol. Segundo o E1 e também por meio da observação direta, constatou-se que demonstram desânimo com relação à vida, não cuidam da higiene pessoal, fumam muito e suas celas possuem um cheiro inconfundível de cárcere. Eles passam anos aguardando uma oportunidade de trabalho nas oficinas, o que é difícil.

Após o trabalho pronto, o recluso o envia à sua família ou negocia a troca com outros reclusos por cigarros ou produtos comprados em supermercados e entregues diretamente nas celas, sendo que a Gerência de Atividades Laborais não tem controle sobre esta dinâmica. Uma das maiores inquietações manifestadas refere-se ao fato de não saberem se o que produzem terá comprador ou se entregarão as peças para suas famílias.

3.4. A ressocialização dos ex-detentos da Penitenciária de São Pedro de Alcântara

O programa de atividades laborais inicia a ressocialização dos reclusos a fim de torná-los pessoas dignas, mudando sua forma de ver a sociedade para evitar a reincidência e diminuir a quantidade de indivíduos nas unidades prisionais. (E1)

Em se tratando diretamente do objeto deste estudo, o COPE oferece modalidades de capacitação que possam prepará-los ao desenvolvimento de novos trabalhos e até mesmo ao aperfeiçoamento dos trabalhos que já desempenhavam antes de serem apenados. No entanto, sabe-se da complexidade que enreda a mentalidade do ex-detento ao se deparar com uma sociedade que lhe ficou parcialmente alheia durante o seu período de reclusão.

Dentre os vários critérios a serem investigados sobre a ressocialização, notou-se que os que alicerçam este processo são: relação com a família, oportunidade de trabalho, autoestima e aceitação social.

3.4.1. Relação com a família

No quesito relação com a família, buscou-se averiguar como foi o convívio do reeducando com seus familiares no período prisional, bem como se após a saída da penitenciária houve alguma mudança, pois o retorno para casa é um dos aspectos fundamentais à ressocialização.

Com relação ao “apoio” (dialeto próprio dos reclusos) da família durante o cumprimento da pena, verificou-se que a maioria dos entrevistados afirmou recebê-lo. Alguns ressaltaram que não só havia apoio como havia uma frequência de visitas, o que os confortava (E2, E5, E7, E9, E17). E4 e E8, porém, não gostavam de ser visitados, em função do constrangimento causado à família. E6, por sua vez, comentou que a família não o acompanhou em sua trajetória e ainda mudou de cidade para romper de vez o contato com ele.

E5 também manifestou que se sentia pressionado pela cobrança de familiares, que sempre desconfiavam da possibilidade de reincidência e inclusive da efetivação do crime durante o cumprimento da pena, o que, segundo ele, não acontecia. No entanto, sabe-se que os participantes dificilmente assumiriam o envolvimento com algum outro delito, por mais que o anonimato lhes fosse garantido pelo entrevistador.

Quanto ao modo como o contato era estabelecido com a família – se da mesma forma como ocorria durante o período prisional ou de forma diversa – constatou-se que, dependendo do tipo de crime cometido, a família passa a rejeitar o contato com o ex-detento, deixando-o sozinho. Esse fator foi um dos principais argumentos apontados como estímulo à criminalidade novamente.(E6)

Apesar disso, pode-se afirmar que a maioria dos reclusos conta com apoio familiar dentro do sistema prisional e, depois, fora dele. Foram verificadas, nesta amostra, poucas exceções. De maneira geral, os ex-detentos dispõem de subsídios familiares para resgatar sua vida dignamente e começar sua nova jornada reabilitado para viver em sociedade.

De acordo com os dados analisados de forma categorial, foi possível notar que os detentos demonstraram satisfação em alavancar recursos financeiros junto aos trabalhos desenvolvidos na prisão, pois os valores são em parte encaminhados às famílias. A maior desmotivação vem dos detentos que conseguem desenvolver somente o artesanato, atividade que não apresenta esse tipo de retorno monetário.

3.4.2. Oportunidade de trabalho

Neste quesito, buscou-se identificar as expectativas que o ex-detento tinha na prisão com relação à chance de um novo emprego ao sair do cárcere, e se tais expectativas foram correspondidas.

Questionados se o que aprenderam nas atividades de capacitação do Complexo auxiliou em sua reinserção no mercado, muitos entrevistados, além dos desabafos sobre as condições do sistema, elogiaram as atividades. Eles se sentem preparados tecnicamente e, alguns, como E9, E10 e E19 comentaram que a dificuldade não é ter segurança no trabalho, mas, sim, convencer os contratantes de que podem se portar como pessoas idôneas e trazer benefícios a organização.

Alguns conseguiram se enquadrar novamente no mercado por meio do trabalho informal, e um dos empregos considerados mais acessíveis a eles é o de frentista de posto de gasolina, uma vez que para esta ocupação nem sempre é exigido atestado de antecedentes criminais. (E15, E16, E19)

Eles comentaram que embora a tarefa que desenvolvem atualmente não seja a mesma aprendida no Complexo, receberam durante a capacitação muitas dicas que indiretamente os têm auxiliado em sua formação profissional. Isso significa que a capacitação no COPE de certa forma conseguiu desenvolver características e potencialidades que fazem os treinandos se sentirem preparados não só para o trabalho motor, mas para conceber outros processos que requeiram um pouco mais da abstração de conceitos (Milkovich e Boudreau, 2000).

Como já se supunha, foi unânime o relato acerca da discriminação social em termos de credibilidade concedida aos ex-detentos, o que para eles representa “portas fechadas”, como citaram E6 e E11, e dificulta severamente a chance de mostrarem sua reabilitação no seio da sociedade por meio de uma atividade laboral.

Diante dos fatos relatados na entrevista, pode-se supor que se a qualificação do detento for voltada a trabalhos técnicos e especializados, a tendência é que a absorção dos ex-detentos no mercado seja facilitada por falta de alternativa ao contratante do serviço ou produto.

3.4.3. Autoestima

Neste item focou-se no nível de autoestima dos ex-detentos, especificamente no cuidado consigo, com sua aparência e saúde. Desejou-se saber se eles saíram do COPE acreditando e gostando de si.

Durante as conversas com os ex-detentos ao telefone, questionou-se se quando estavam presos pensavam em se cuidar quando alcançassem a liberdade e aproximadamente a metade dos entrevistados comentou que planeja fazer exercícios físicos, alimentar-se bem, expor-se mais ao sol, caminhar na praia, dentre outras atividades que possam construir uma autoestima mais elevada. Somente dois disseram que estão sentindo sua autoestima melhor. Os demais seguem na vida sem gostar de si mesmos... “O recluso não gosta de ninguém e nem dele próprio. A gente desgosta da gente mesmo...” (E3).

E15 fez este relato: “a gente perde a noção de certo e errado... Parece que a gente só conhece o errado, o que não pode”. Segundo ele, a concepção de valores fica equivocada, há uma espécie de transtorno, em que o detento se acostuma a ser punido quando pensa que agiu certo e da mesma forma quando conscientemente comete alguma ação errada. Assim, gera-se uma insegurança no sentido de reforçar que eles são pessoas diferentes e desviantes de um modelo dominante de ser social.

Como se vê, a autoestima tende a ficar baixa até mesmo depois da saída da prisão, sendo que o entusiasmo se dá somente do momento transversal da saída, entusiasmo que não se mantém na vida da maior parte dos ex-detentos, pois, como afirmou E4, “começam a cumprir outro tipo de pena” que é a rejeição social.

Desse modo, depreende-se que embora não caiba, diretamente, às empresas parceiras a tarefa de lidar com a autoestima do detento que está sendo capacitado, de maneira indireta, a capacitação pode ser conduzida de modo que reforce sua confiança e a segurança, fazendo com que extraia de si potencialidades e competências – e, para tanto, faz-se essencial a autonomia no desenvolvimento das atividades (Zarifian, 2001).

3.4.4. Aceitação social

A aceitação social pode ser considerada a última etapa do processo de ressocialização, quando se constata se tudo que foi feito na unidade prisional teve ou não o efeito esperado.

Quando se optou nesta pesquisa pela aceitação social como um dos indicadores da ressocialização, pensava-se em verificar como estava a relação com colegas do antigo trabalho, vizinhos, amigos e conhecidos, ou seja, com pessoas que constituem uma esfera mais ampla de convívio em sociedade. Além disso, esperava-se saber sobre eventual medo do que pudessem encontrar fora da penitenciária ou de algo que lá aconteceu, bem como saber qual a principal mudança que perceberam na sociedade depois que reconquistaram a liberdade.

Os entrevistados mencionaram que já nem contavam com a aceitação de conhecidos, pois reconheciam a possível dificuldade. Somente três (3) deles afirmaram que se sentiram aceitos pela sociedade e que não se incomodavam com a marca que a prisão deixou.

Quanto aos medos, muitos têm medo de retaliação por algo que aconteceu dentro do Complexo (E3, E5, E12). Sobre as principais mudanças sociais identificadas por eles no retorno ao convívio social, muitos citaram as alterações na infraestrutura urbana –construção de prédios, ruas e shoppings– e as novas tecnologias (E2, E4, E7, E10, E11, E13, E20). Um deles desviou a pergunta e respondeu que a maior mudança foi ver seu filho crescido e criado, sem ter acompanhado a vida da criança (E6).

Diante dessas informações, acredita-se que dentre as competências desenvolvidas no âmbito do Complexo Penitenciário seria interessante incluir estudos sobre as mudanças sociais e os acontecimentos paralelos à vida por trás das grades. Sabe-se que despenderia um esforço significativo acerca de uma pauta que não comprometesse a segurança da sociedade; no entanto, seria uma forma de mitigar a lacuna existente no mecanismo de transposição da condição de detento para a condição de ex-detento.

Para que a ressocialização tenha o resultado esperado e as atividades laborais ajudem a alcançar a regeneração dos reclusos é essencial que estes despertem vontade e interesse de mudar a sua concepção de vida, pois, em via contrária, os fatores que os levam à reincidência tornam-se mais atraentes no que diz respeito a uma aceitação social.

3.5. Potencialidades e deficiências na relação entre os programas de capacitação e a ressocialização

Diante da precariedade do sistema prisional brasileiro e em especial da grande população carcerária do COPE, os programas de capacitação são fatores determinantes no processo de ressocialização.

Os dados obtidos nesta pesquisa revelaram que os programas desenvolvidos no COPE auxiliam de forma expressiva na ressocialização do ex-detento; porém, há esferas desse processo que não são atingidas. Ao considerar que a ressocialização depende prioritariamente dos alicerces relação com a família, oportunidade de trabalho, autoestima e aceitação social, notou-se que este último é o quesito mais complicado de ser trabalhado.

Nas oficinas, o que se vê é presos menos agressivos, mais alegres e fazendo brincadeiras, coisa não muito comum dentro dos pavilhões. Entretanto, nem todos os reclusos conseguem participar das oficinas em função da restrição de vagas. Algumas modalidades de capacitação são atrativas a eles, pois recebem pelo trabalho, percebem que sua mão de obra vale dinheiro.

As atividades mais técnicas como a malharia, a marcenaria e a oficina da INTELBRAS aproximam mais os ex-detentos de uma futura atividade laboral, preparando-os melhor para novas oportunidades no mercado. Já a modalidade de artesanato, embora também auxilie numa futura recolocação, o faz de forma muito indireta, pouco objetiva, considerando-se o imediatismo esperado. Por isso, o artesanato é visto como uma atividade para passar o tempo, sem muitas perspectivas.

A capacitação aguça o reconhecimento da família quando esta participa trazendo, por exemplo, material para as atividades. Notadamente para a atividade de artesanato, quando a família recebe os objetos produzidos ou o valor da remuneração referente ao trabalho do detento. Mas poderia haver outras atividades, sobretudo voltadas às famílias, como a simulação de conflitos entre estas e os ex-detentos e consequente discussão com apoio psicológico.

Com base na observação direta, percebeu-se um evidente paradoxo: as empresas se colocam à disposição para estimular a produção dentro do Complexo Penitenciário, mas poucas têm contratado, ou seja, poucas têm estabelecido vínculo empregatício com ex-detentos nos empreendimentos fora dos muros. Nesse sentido, acredita-se que seria interessante uma ênfase a políticas por parte do Poder Público que estimulassem a contratação de egressos do sistema prisional, com o intuito de oferecer benefícios mais convincentes às empresas que acreditassem no potencial de ressocialização dos mesmos, por meio de uma chance no âmbito profissional.

A autoestima dos ex-detento é catalisada quando ele tem segurança em si como pessoa e não somente como profissional. Existe, portanto, a necessidade de trabalhar valores pessoais e sociais durante o cumprimento da pena, já que vários ex-detentos afirmaram ter dificuldade de saber se são bons ou ruins na sua essência, conforme as palavras por eles utilizadas.

A aceitação social é o reflexo de todas as outras dimensões da ressocialização, uma vez que toda a relação precisa ser construída novamente. Neste estudo, ficou evidente a dificuldade em ser aceito novamente em sociedade e os receios que os egressos têm de retaliação. De toda forma, acredita-se que diante de um apoio significativo na família, com o resgate da autoestima e com as potenciais oportunidades de trabalho, a aceitação social possa ser em muito facilitada.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O campo dos estudos organizacionais, de modo predominante, tem focado esforços na gestão empresarial, o que é passível de entendimento, uma vez que o imperativo tem sido voltado a questões mercadológicas e financeiras. Há, porém, outras dimensões do organizar que também carecem da atenção de estudiosos da área. A área da Administração, ao mesmo tempo em que é reconhecida como interdisciplinar, acomoda-se em determinadas delimitações que inibem o conversar com outras ciências, outros saberes.

A Segurança Pública é um espaço da Administração Pública que tem se mostrado um interessante campo de análise organizacional, especialmente na área de Gestão de Pessoas.

A violência cresce não somente nos grandes centros urbanos, mas em muitas outras localidades. Em decorrência disso ocorre a superlotação carcerária, uma das principais causas da precariedade do sistema prisional brasileiro.

Em Santa Catarina, o COPE é a unidade prisional com o maior número de detentos. Nele são desenvolvidos programas de capacitação, entre os quais se sobressaíram a oficina da INTELBRAS, a malharia, a marcenaria e o artesanato.

Apesar da ciência de que o receio dos egressos durante as entrevistas e de que a atuação de um dos pesquisadores no cenário analisado possam ter ocasionado vieses, buscou-se analisar as nuanças diversas observadas no fenômeno.

Foi investigada a relação que essas atividades de capacitação têm com a ressocialização e chegou-se à conclusão que, embora o governo estadual há algum tempo tenha investido nesses programas, não consegue contemplar todas as dimensões da ressocialização consideradas neste estudo: oportunidade de trabalho, relação com a família, aceitação social e autoestima.

Na dimensão oportunidade de trabalho, as oficinas têm preparado os detentos direta ou indiretamente para a reinserção no mercado; porém, de forma paradoxal, até mesmo algumas empresas parceiras no processo de capacitação não incentivam a contratação de ex-detentos. Assim, nota-se que muitas parcerias são estabelecidas para fins de cálculo e não para fins sociais.

No contexto familiar, os vínculos fragilizados por uma relação de desconfiança podem ser melhorados à medida que familiares participem de alguma atividade de interação com o ente apenado, promovida pelo Estado.

Quanto às dimensões aceitação social e autoestima, conquistada a liberdade o ex-detento depara-se com uma forte rejeição da sociedade, o gera falta de perspectiva frente às poucas oportunidades de readaptação ao convívio com outras pessoas e favorece o cultivo de uma autoestima baixa.

Dessa sorte, preconiza-se como oportuno o desenvolvimento de estudos sobre a reincidência criminal dos participantes da pesquisa, bem como um estudo comparativo entre a percepção de pessoas que se tornaram egressas antes do desenvolvimento dessas atividades de capacitação e a percepção de egressos que participaram efetivamente os programas promovidos no âmbito do Complexo Penitenciário.

O presente estudo demonstrou os reflexos dos cursos de capacitação ministrados no COPE, delineando as dificuldades de gerir um estabelecimento onde, além dos problemas ordinariamente encontrados em todo processo administrativo, ainda tem-se que lidar com autores dos mais variados crimes. Fosse simples o desafio, não estaria o Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, em pleno ano de 2013, sendo alvo de noticiários nacionais e internacionais por causa de atentados contra a sociedade advindos da reação de seus internos.

Esta pesquisa ratifica a necessidade, portanto, de um empenho peculiar de Estado, empresas parceiras, detentos e familiares de detentos para alcançar êxito naquilo que tais cursos de capacitação se propõem a fazer: ressocializar pessoas, o que foi objeto de análise desta pesquisa.

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