PROPOSTAS ESTATAIS VOLTADAS À AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO:
BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA DO PERÍODO 1983-2008

O relacionamento entre o Estado, a Universidade e a Sociedade vem sofrendo profundas modificações, nas últimas décadas. Conforme asseveram Neave e van Vught (1991) estas transformações têm sido rotuladas pelos especialistas como caracterizando a passagem do modelo de controle para o modelo de supervisão estatal. Na medida em que o setor privado passou a ser o maior empregador dos egressos das Universidades, associado ao fenômeno do baixo financiamento do Ensino Superior público, o Estado viu-se como um ente limitado, e até certo ponto ineficiente, para se dar conta da gestão dos processos educacionais. Nesse âmbito, procurou, utilizando da retórica da autonomia, da liberdade administrativa e da auto-regulação, transferir sua responsabilidade social para a livre iniciativa. O mercado surgiu, então, como personagem principal do discurso político oficial, quer no âmbito do Estado, quer das Instituições de Ensino Superior (IES), bem ao gosto das teorias neoliberais, que tanto afagam a idéia da ineficiência do setor público como algo incontornável (Cunha, Foster y Fernandes, sem data){1}.

Curiosamente, como asseveram Amaral e Magalhães (2000), o Estado não levou esta estratégia às últimas conseqüências, visto que manteve ações reguladoras, num modelo híbrido que, entretanto, substituiu os mecanismos tradicionais de regulação pública por critérios avaliativos mercadológicos. Neste modelo, o Estado, em vez de proteger as instituições das intervenções e influências externas, toma medidas legais para que terceiros possam intervir... (Amaral y Magalhães, 2000:14). Neste contexto, o principal papel do Estado foi delinear um ethos competitivo, no qual o mercado seria o definidor principal dos critérios de qualidade educacional das Instituições de Ensino Superior (IES).
O chamado Estado-Avaliador define uma centralidade substantiva para a avaliação, pois acredita que é ela a base da mudança, capaz de garantir, através da normatização, resultados e produtos que assegurem a eficiência das IES. Conforme expresso no editorial da Revista do Provão, editada pelo MEC/INEP (2001),{2} quem tem competência que se estabeleça.... Coisa do passado? Não, coisa do futuro. Com a sociedade globalizada exigindo cada vez mais excelência, é fundamental investir na qualidade para não ficar em desvantagem... (p.8). A análise do discurso oficial indica que o Governo assumiu de modo despudorado a condição de ter o mercado como balizador da qualidade, caracterizando o processo educativo como atividade caracteristicamente competitiva. Nessa perspectiva, conforme asseveram Cunha, Foster e Fernandes (sem data), o pressuposto organizativo da sociedade constrói-se sobre o princípio da concorrência, que torna os atores sociais dependentes dos padrões externos de qualidade, regulados pelo Estado-Avaliador.

Não obstante, de acordo com Afonso Janela (2001), está em curso a transição de uma forma de regulação burocrática e fortemente centralizada para uma forma de regulação híbrida que conjuga o controle pelo Estado com estratégias de autonomia e auto-regulação das instituições educativas (p. 26). No caso do Brasil esta condição é evidente quando se analisa a situação do Ensino Superior. As IES ainda estão protegidas pelo dispositivo constitucional que lhes outorga a condição de autonomia administrativa. Entretanto, as políticas públicas do Estado-Avaliador cada vez avançam mais rumo à interferência no projeto que as IES constroem para si, conforme apregoam Cunha, Foster e Fernandes (sem data).

Na atual conjuntura das políticas avaliativas, o escore (conceito) alcançado pelas IES, assume o papel balisador, que caracteriza a sua qualidade educacional. Se o conceito é positivo, passa a ser o grande trunfo de marketing para divulgar a IES e o Curso. Se for negativo, cataliza os esforços institucionais, que procuram alterar esta posição institucional (Cunha, Foster y Fernandes, sem data).

Para Santos (2000), é preciso entender que a modernidade preocupou-se com duas formas de conhecimento: o conhecimento regulação, onde a ausência deste é entendida como caos e a presença é entendida como ordem; e o conhecimento-emancipação, onde a ignorância é o colonialismo e esta significa entender o outro como objeto, ou seja, não reconhecer nele a capacidade de ser sujeito. No conhecimento-emancipação conhecer é reconhecer, é progredir no sentido de levar o outro da condição de objeto para a condição de sujeito. Esse conhecimento-reconhecimento é o que designo por solidariedade, assevera Santos (2000:30).

No caso do Brasil, como perfil de um país dependente, a compreensão destas questões toma um caráter peculiar. Como a Universidade é uma instituição tardia na história do referido país, mais fácil se tornou desencadear processos de alteração de seus princípios constitutivos iniciais, que foram mais identificados com a perspectiva da autonomia universitária, anunciando possibilidades emancipatórias.

O estímulo à expansão da rede de Ensino Superior através dos setores privados – muitos sem qualquer tradição no campo da Educação – favoreceu a implantação de um contingente de IES emergentes, planejadas e constituídas sob a nova ordem, calcada, principalmente, na concorrência como pilar regulador. Estas IES já nasceram com esta condição e, aproveitando-se das novas configurações do trabalho, onde a flexibilização e o conceito de empregabilidade tomaram outras dimensões, incorporaram o ethos competitivo com muito mais facilidade (cunha, foster y fernandes, sem data).

No caso brasileiro é evidente o deslocamento da função de controle do Estado para o mercado. Isso, entretanto, como explica Kuenzer (2001):

(...) não quer dizer que o Estado tenha abandonado a sua função, mas que passou a desenvolvê-la de outra forma: cursos poderão ser descredenciados após a avaliação, caso insistam no descumprimento dos critérios mínimos de qualidade... que, através do “Provão”, permitem o julgamento racional do desempenho  do profissional pelo mercado, como também oferecem mais um critério, para o mercado e para os consumidores, de julgamento da qualidade dos cursos (p. 25).

Nesse âmbito, vale ressaltar, a reflexão acerca das principais dificuldades da Educação Superior brasileira, dentre as quais se destacam: o debate em torno da reforma universitária, a preocupação pelo estabelecimento de cotas para descendentes afro-brasileiros e minorias, o dilema ensino público versus privado, o baixo nível de financiamento do ensino público e seu conseqüente sucateamento, as tendências e os modelos da avaliação educacional. Esse conjunto de problemas tem provocado discussões nos diferentes fóruns, encontros, seminários e conferências nos quais participam importantes atores educacionais, conforme assevera Trindade (2004).

Assim, nasceu como decorrência dessa reflexão, a discussão em torno à Avaliação da Educação Superior brasileira, e das Instituições de Ensino Superior (IES) componentes do referido sistema educacional. Para muitos, conforme Leite (2005), o seu início desse ciclo que caracteriza o Estado Avaliador pode ser apontado no processo que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) iniciou em 1977, que é direcionado à avaliação dos programas de Pós-Graduação stricto sensu. Esta sistemática avaliativa recebeu muitas críticas e, como qualquer outra prática, carece de alterações que acompanhem as necessidades da Educação Superior brasileira. Entretanto, é inegável a contribuição que a avaliação promovida pela CAPES exerce sobre o desenvolvimento e a consolidação da pós-graduação no Brasil.

utras iniciativas voltadas para a avaliação das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras merecem menção, por entendermos que foi a partir da acumulação dessas discussões e experiências que se chegou ao que temos atualmente. Como exemplo, apresentamos as discussões que a Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES) desencadeou a partir de 1982, bem como a experiência desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP), que ficou conhecida por Lista dos professores improdutivos da Universidade de São Paulo (Goldemberg, 1992).

Destaque especial deve ser dado à experiência desenvolvida pela Universidade de Campinas (UNICAMP), no início da década de 1990, tendo claras características de processo democrático, pois buscou promover a participação dos membros da comunidade universitária. A UNICAMP utilizou abordagem qualitativa, cujo objetivo era o de melhorar a qualidade da instituição. Os resultados desta prática foram apresentados num Seminário Institucional, que contou com a participação do Prof. José Dias Sobrinho (Andriola y Oliveira, 2006).

Neste âmbito, nos deteremos, inicialmente, no detalhamento e na análise de três políticas de Avaliação Institucional, implementadas a partir de 1983 nas IES brasileiras, sendo elas: Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), Exame Nacional de Cursos (ENC) e Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Para tal seguiremos o seguinte roteiro de análise:

  1. O processo de criação, conformando aí o contexto histórico, as instituições e personagens envolvidos;
  2. Os objetivos, princípios e características fundamentais;
  3. As formas de implementação, especialmente no que se refere aos procedimentos metodológicos utilizados;
  4. A recepção e repercussão junto à comunidade acadêmica;
  5. Os resultados obtidos; e o modo como se desdobraram em políticas públicas para a universidade;
  6. As limitações que apresentaram, expressadas nas críticas e sugestões recebidas;
  7. As principais, e mais marcantes, diferenças e semelhanças entre os três programas e a tentativa de compreender mudanças e permanências;

Esta discussão nos possibilitará entender o caminhar da Avaliação institucional no Brasil e irá subsidiar as análises contidas nos capítulos seguintes. Antes, entretanto, trataremos do processo que antecede todos os programas de Avaliação Institucional das IES brasileiras: o Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU).

1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS: O PROGRAMA DE AVALIAÇÃO DA REFORMA UNIVERSITÁRIA (PARU)

Antes de tratarmos dos três programas de Avaliação Institucional (PAIUB, ENC e SINAES), faz-se necessário dedicar atenção especial ao Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU), visto que este se conforma como a primeira iniciativa, ao nível governamental, pensada para avaliar as IES brasileiras.

O PARU foi concebido e realizado pela CAPES. Iniciou-se em 1983, durante o governo militar do General João Figueiredo, e se estendeu até 1986, no governo civil de José Sarney. Sua origem, segundo o discurso oficial, foi motivada pelo crescente número de matrículas no Sistema de Educação Superior que se observou a partir da década de 1980, desencadeando preocupação do Estado com a qualidade do ensino ofertado (Andriola y Oliveira, 2006). Conforme Paul, Ribeiro e Pilatti (1992) asseveram:

Esse programa visava à identificação de ‘subsídios concretos e pertinentes tendo em vista a formulação de diferentes alternativas para a melhoria do ensino superior brasileiro’, através da coleta de dados descritivos e de opiniões de dirigentes, professores e alunos de 32 instituições de ensino superior (pp. 141-142).

O que na realidade se operou foi uma sistemática de avaliação feita pelo Estado, com o intuito de implementar a Reforma Universitária. Conforme se depreende do pensamento de Neiva (1992):

De modo consciente, ou seja, refletindo uma postura política deliberada, empreende-se uma avaliação do estado de implantação de reforma universitária, ora para confirmar algumas teses que já tomavam forma, ora para identificar pontos de estrangulamento ou problemas que emergiriam fatalmente em futuro próximo (p. 54).

Ainda de acordo com Neiva (1992), os resultados do PARU foram, então, utilizados para definir algumas medidas voltadas para a Educação Superior brasileira, dentre as quais se destaca o desenvolvimento de programas voltados para o:

(...) ajustamento da infra-estrutura física das universidades federais e das maiores universidades não-federais; nessa linha, desenvolvem-se programas de construção de campi universitários e de equipamento e instalações para as atividades de ensino e pesquisa. (...) deflagração de atividades orientadas para a institucionalização da pós-graduação e para a formação de novos quadros de magistério superior (para a docência e para a pesquisa), para a transferência de experiências de gestão e para a modernização administrativa e acadêmica das instituições de ensino superior (p. 54).

Vale ressaltar que o contexto de criação e implementação do PARU foi permeado por movimentos em defesa das eleições diretas para Presidente da República, caracterizando intenso momento de mobilização e busca de abertura política, no Brasil. Foi nesse mesmo período que surgiram associações e sindicatos de peso no cenário nacional, tais como a Central Única dos Trabalhados (CUT) e o Sindicato Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES). Podemos dizer que este foi um período em que as organizações reivindicaram direito de participar das decisões políticas do país. O que influencia, em muito, outras conquistas do PARU: o reconhecimento de setores da comunidade acadêmica da importância da avaliação institucional, provocando, assim, debates que darão origem ao Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), conforme relatado a seguir.

2. PROGRAMA DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS (PAIUB)

O Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB) apareceu em um contexto internacional que deflagrou aquilo que Eric Hobsbawm{3} chamou de fim do breve século XX. A vigência desse período deu-se, conforme o citado autor, entre 1914 e 1991, para ser mais exato, entre o início da primeira Guerra Mundial (que ocasionou o surgimento da União Soviética) e o fim do socialismo real (com a crise desta mesma União Soviética, que desagregou países e redimensionou as fronteiras políticas e econômicas de todo o leste europeu).

Em nível nacional, era ainda momento de ascensão dos movimentos sociais, conforme expresso na realização da Constituinte de 1988, e da primeira eleição direta para Presidente da República, em 1989, após a Ditadura Militar que havia sido iniciada em 1964. O cenário político brasileiro é, nesse sentido, de um governo fragilizado, resultado de tentativas de manter o equilíbrio institucional do Estado. Sendo, assim, arena aberta para propostas advindas das organizações populares, sindicais e partidárias, como a proposta de Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) realizada pelo Fórum Nacional de Educação que congregou diversas entidades da sociedade civil. A conjuntura referida resultou do processo de Impeacheament do então Presidente Fernando Collor de Mello, que colocou no poder o Governo de Itamar Franco, em 1992.

Ademais, o PAIUB, foi na contramão das propostas já realizadas a partir de 1989 pelo Consenso de Washington{4}, que previa descentralização e diminuição do Estado, bem como a mercantilização do Ensino Superior e a destruição das organizações sindicais docentes (Andriola y Oliveira, 2006).

Segundo Balzán e Dias Sobrinho (1995), Costa (1997), Catrib (1997), Gomes (2003), Stein (2003), dentre outros, o PAIUB teve suas bases na Proposta de Avaliação do Ensino Superior elabora em 1993, pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), e endossada pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB). Ainda em 1993, foi criada a Comissão Nacional de Avaliação, coordenada e financiada pela Secretaria de Educação Superior (SESu/MEC) e composta, ainda, por representantes das IES brasileiras. A relação entre universidades e governo, para a construção de PAIUB, foi de parceria, conforme destacado por Gomes (2003):

Até 1994, o papel do MEC em relação à política de avaliação foi claramente definido como sendo o de ‘coordenador, articulador e de agência financiadora da avaliação institucional, assumindo (...) a posição política de parceiros das universidades (p. 4).

Conforme Gomes (2003), essa comissão tinha por missão conduzir os processos de avaliação institucional no Ensino Superior, cuja coordenação foi dada à SESu/MEC, com a formação:

(...) de quatro associações nacionais de universidades (Andifes, Abraem, Anup e Abesc) e de quatro associações nacionais de pró-reitores (Graduação, Pesquisa e Pós-graduação, Extensão, e Planejamento e Administração), era vista como representativa e oferecia, aos olhos da comunidade acadêmica, legitimidade política ao PAIUB (p. 4).

No documento do PAIUB, a avaliação institucional pauta-se na perspectiva de Daniel Stufflebeam: isto é, está ligada à tomada de decisão, como forma de garantir a qualidade do ensino, e está voltada:

(...) ao aperfeiçoamento e à transformação da universidade, a avaliação significa um balanço e um processo de identificação de rumos e de valores diferentes, seu traço distintivo é a preocupação com a qualidade, enquanto processo contínuo e aberto (Stein, 2002:42).

O PAIUB se enquadrou, segundo Santos Filho (apud Stein, 2003), num modelo de Estado avaliador, centrado na melhoria da qualidade dos serviços oferecidos pelas universidades, sem com isso, atrelá-los a uma concepção financeira ligada à premiação e/ou punição.

De acordo com Stein (2003), era objetivo geral deste programa, identificar mecanismos de aperfeiçoamento da qualidade acadêmica das IES, sendo o mesmo detalhados em cinco objetivos específicos:

1) Impulsionar processo criativo e de autocrítica da instituição, como evidência da vontade política de auto-avaliação para garantir a qualidade da ação universitária e para prestar contas à sociedade da consonância dessa ação com as demandas científicas e sociais da atualidade;

2) Conhecer, numa atitude diagnóstica, como se realizam e se inter-relacionam na Universidade as tarefas acadêmicas em suas dimensões de ensino, pesquisa, extensão e administração;

3) (Re)estabelecer compromissos com a sociedade, explicitando as diretrizes de um projeto pedagógico e os fundamentos de um programa sistemático e participativo de avaliação, que permita o constante reordenamento, consolidação e/ou reformulação das ações da Universidade, mediante diferentes formas de divulgação dos resultados da avaliação e das ações dela decorrentes;

4) Repensar objetivos, modos de atuação e resultados na perspectiva de uma Universidade mais consentânea com o momento histórico em que se insere, capaz de responder às modificações estruturais da sociedade brasileira;

5) Estudar, propor e implementar mudanças das atividades acadêmicas do ensino, da pesquisa e da extensão, e da gestão contribuindo para a formulação de projetos pedagógicos e institucionais socialmente legitimados e relevantes (p. 44).

Segundo Gomes (2003), dois outros objetivos ainda estavam subjacentes ao PAIUB: desfazer a imagem negativa da avaliação institucional, que é proveniente da Lista dos professores improdutivos da Universidade de São Paulo (USP), bem como difundir e consolidar a cultura da Avaliação Institucional dentre as IES brasileiras.

Ressalta-se que o PAIUB tinha como foco de atenção as Instituições Federais de Educação Superior (IFES). Partia-se, pois, da realidade das Universidades Federais para as demais instituições, com ênfase nos cursos de graduação (CATRIB, 1997). Como toda proposta de avaliação, O PAIUB necessita pautar-se em fundamentos norteadores, teoricamente definidos. Assim, os princípios adotados pelo PAIUB foram os seguintes, de acordo com Ristoff (1995): globalidade, comparabilidade, respeito à identidade institucional, não-premiação, adesão voluntária, legitimidade e continuidade.

O princípio da globalidade expressa a idéia de que todos os integrantes da instituição devem participar do processo de avaliação, para que ela seja a mais completa possível. Além do que a avaliação deve contemplar todas as atividades desenvolvidas pela instituição, como ressalta Ristoff (1995):

O princípio da globalidade igualmente guarda uma visão de que o valor que buscamos com a avaliação não pode ser absolutizado a partir de indicadores parciais por melhor que seja a nossa metodologia, ou por concepções interpretativas que enrijeçam perspectivas (p. 41).

A comparabilidade é o princípio que parte da necessidade de esclarecer as categorias e conceitos trabalhados no processo de avaliação, para que estes possam ser comparados com dados de avaliações anteriores e/ou de avaliações de outras instituições. Busca uma uniformidade de metodologia e de indicadores, sem a qual a comparabilidade dos dados fica prejudicada e os resultados sem utilidade para fins gerenciais maiores, ao nível de sistema.

O princípio da comparabilidade deve ser acompanhado de outro princípio - o de respeito à identidade institucional. Este considera as especificidades de cada instituição, percebendo o que é particular a cada uma e relacionando com as diversas diferenças existentes. Afinal, "não podemos exigir das instituições competências incompatíveis com suas características" (Ristoff, 1995:43).

Não premiar e/ou não punir se apresenta como princípio fundamental da Avaliação Institucional, por garantir aos participantes que os resultados da avaliação não seriam utilizados para estabelecer classificações dentre as Instituições de Ensino Superior (IES). Isto se justifica pelo fato da avaliação servir para redefinir políticas, ações e medidas institucionais que objetivem a superação das dificuldades encontradas. Assim sendo, a avaliação deve servir para construir sendo diagnóstica e formativa e não para punir ou classificar.

O princípio da adesão voluntária garante a legitimidade política ao processo, ele expressa a idéia de que o fundamental é instaurarmos a cultura da avaliação, torná-la parte integrante do trabalho pedagógico. Este processo deve ser construído coletivamente, com a intensa e voluntária participação dos membros da comunidade universitária (Andriola y Rodrigues, 2005).

A legitimidade técnica, por sua vez é assegurada pelo uso de uma metodologia que possa garantir "a construção de indicadores adequados, acompanhados de uma abordagem analítico-interpretativa capaz de dar significado às informações" e "através da construção de informações fidedignas e sua absorção pela comunidade em espaço de tempo adequado" (Ristoff, 1995:50).

Um processo de avaliação desta natureza deve ser contínuo, para que, assim, seja possível a comparação dos dados obtidos em diferentes momentos de avaliação, apontando se os problemas identificados nas avaliações anteriores foram sanados. A partir deste mesmo princípio é possível atestar a confiabilidade dos instrumentos de avaliação e dos resultados obtidos. Afinal, é a partir da continuidade que poderemos estabelecer uma cultura da avaliação no âmbito interno da IES, mas também entre as IES que compõem o sistema brasileiro de ensino superior.

Stein (2003) também aborda os princípios do PAIUB, segundo ele, estes princípios eram necessários, dado o caráter descentralizado deste Programa. O primeiro deles se fundamentava no entendimento e reconhecimento que este processo precisava receber da comunidade acadêmica. O segundo preceito diz respeito ao “reconhecimento da legitimidade e pertinência dos princípios norteadores e dos critérios a serem adotados”. Por último, era necessário o “envolvimento direto de todos os segmentos da comunidade acadêmica na sua execução e na implementação de medidas para melhoria de desempenho institucional” (Stein, 2003:43-44).

Os princípios do PAIUB estão diretamente ligados à busca da autonomia universitária. Estes princípios “elevam a auto-avaliação à abordagem central” e “anunciam as missões e objetivos institucionais e, assim, a plena liberdade da instituição para realizá-lo” (Gomes, 2003:3).

A metodologia para a realização do PAIUB foi dividida em três momentos. O primeiro dizia respeito a auto-avaliação da instituição, que deveria ser implementada pelos componentes da comunidade acadêmica. Num segundo momento seria a vez da avaliação externa, na qual especialistas da área que está sendo avaliada eram convidados para dar o seu parecer. Finalizando o processo tínhamos o momento da síntese entre as etapas anteriores, ou seja, eram confrontados os dados da avaliação interna e da avaliação externa com a participação tanto dos membros da instituição quanto dos especialistas convidados.

Relacionava-se, pois, auto-avaliação e avaliação externa, conforme relata Stein (2003):

(...) o PAIUB propõe que a avaliação institucional seja (...) um exame apurado de uma dada realidade, a partir de parâmetros de julgamento derivados dos objetivos, que orientam a constituição, desenvolvimento ou produto das ações dessa mesma realidade. Propõe, ainda, a racionalidade dos meios e utilização de aferições quantitativas. Reforça-se assim, o equilíbrio entre as dimensões qualitativas (inclusive aquelas vinculadas ao projeto pedagógico) e as quantitativas (p. 43).

Por essas razões, o PAIUB proporcionou significativo aumento na quantidade de IES interessadas em fazer parte desse sistema de avaliação. Entre 1993 a 1997 muitas foram as adesões ao Programa. Segundo Dias Sobrinho (1997), em 1997 cerca de 80% das universidades brasileiras deram início ao processo de Avaliação Institucional a partir dos princípios do PAIUB.

Esta ampla aceitação se deveu, em muito, à natureza dos princípios adotados, especialmente no que se refere à efetiva participação de representantes das IES na construção e execução do PAIUB. Essa participação era vista como representativa e oferecia, aos olhos da comunidade acadêmica, legitimidade política. “(...) uma política de avaliação concebida e implementada sob os princípios básicos do PAIUB não foi formulada pelo governo, e sim pelas universidades federais ou por uma comissão que as representava” (Gomes, 2003:3).

Em decorrência desse processo, muitas foram as contribuições advindas do PAIUB para o debate sobre a Avaliação Institucional, conforme assevera Gomes (2003):

(...) o PAIUB representou o reconhecimento consensual de que a avaliação seria necessária para elevar a qualidade das atividades acadêmicas (ensino, pesquisa e extensão) e também que o processo e procedimentos avaliativos deveriam ser conduzidos pelas próprias instituições de ensino superior. Em outras palavras, a hegemonia política do processo de formulação da política de avaliação pertencia às lideranças universitárias, os quais definiram os termos e as condições sob as quais a avaliação deveria ocorrer (Gomes, 2003:4).

O debate e os avanços proporcionados pelo PAIUB foram de tamanha importância que até hoje “(...) Do ponto de vista das universidades, o PAIUB ainda é visto como o paradigma de avaliação. Daí emerge a posição de que o PAIUB pertence às universidades” (Gomes, 2003:5).

Por mais que tenha agradado às IES, o PAIUB desagradou a alguns setores encarregados da política educacional, nomeadamente ao Ministério da Educação (MEC), que apresentou críticas ao referido programa avaliativo. “A ausência de informações que levassem a um diagnóstico do sistema de ensino superior brasileiro, e não especificamente de uma instituição ou departamento, foi a principal crítica dirigida ao PAIUB pelas lideranças do MEC” (GOMES, 2003:5). Outra queixa centrava-se na impossibilidade de comparar e punir as IES que realizaram suas avaliações à luz dos princípios do PAIUB, pois conforme relata Gomes (2003):

(...) o PAIUB não instrumentalizava o MEC como órgão formulador de políticas para o setor, uma vez que não introduzia na dinâmica do sistema de ensino superior: (a) a real possibilidade de comparar o desempenho das IES (universidade públicas – federais e estaduais; privadas e comunitárias, instituições não universitárias, cursos por instituição) e (b) os mecanismos de monitoramento e punição periódicos das IES (p. 6).

No PAIUB a regulação era, em boa dose, da comunidade universitária, uma vez que se respeitava a autonomia da mesma. No entanto, este modelo de avaliação não atendia aos interesses do Estado que assumiu papel gerencial, pois se fazia necessário impor maior controle às IES. Assim sendo, a “(...) Lei 9.193, de 24 de novembro de 1995 instituiu o Exame Nacional de Cursos (ENC) e estabeleceu que era de responsabilidade do MEC promover a avaliação de qualidade do sistema federal de ensino superior, atropelando, desse modo, processo já desencadeado pelo PAIUB” (Stein, 2003:1).

O desativamento do PAIUB teve como objetivo esconder o estado de sucateamento em que se encontravam as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), sendo, em seu lugar, implantada a proposta de avaliação do ENC, da qual trataremos a seguir.

3. EXAME NACIONAL DE CURSOS (ENC)

Em 1995 o ex-professor universitário Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência da República Federativa do Brasil, cujo mandato teve duração de oito anos, devido à reeleição ocorrida em 1998. Com esse novo governo foram intensificadas as políticas de controle estatal, ligadas ao neoliberalismo{5}, com ataques aos movimentos sindicais e a tentativa de aprovação de reformas que visavam minimizar o Estado como, por exemplo, a reforma previdenciária.

Foi neste mesmo período que se observou expansão desordenada do Ensino Superior, especialmente no que se refere aos cursos de graduação. A política de Educação Superior, à época, favorecia a abertura de instituições educacionais de capital privado, cujo controle foi delegado ao mercado.

Algumas medidas adotadas à época foram decisivas para a manutenção deste controle estatal. No campo educacional é inegável a contribuição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96), que foi promulgada à revelia das discussões provenientes de setores representativos da educação brasileira, e que apresenta caráter neoliberal. As exigências do Banco Mundial para com o Brasil e particularmente para a educação brasileira também fazem parte da lista destas características.

A política estatal de avaliação das instituições de ensino superior vem se somar a estas medidas. Assim, em outubro de 1996 entrou em vigor o Decreto Presidencial nº 2.026, que ditou novas regras para o processo de avaliação dos cursos e das IES, que foi subdividido em cinco modalidades, conforme Catrib (1997):

1) Exame Nacional de Cursos – ENC; 2) Comissões de Especialistas, 3) Auto-Avaliação Interna, concretizada pelo Programa Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB); 4) Avaliação dos Dados Cadastrais pela Secretaria de Desenvolvimento, Inovação e Avaliação Educacional (SEDAI); e 5) Avaliação da Pós-Graduação através da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior - CAPES (p. 8).

Apesar da subdivisão foi o Exame Nacional de Cursos (ENC), popularmente conhecido como Provão, que se destacou como política preponderante de avaliação de cursos no âmbito do Ensino Superior. A permanência do PAIUB na política estatal de avaliação se deu apenas na oficialidade, pois, efetivamente, entretanto, referido programa foi relegado ao plano secundário, ocorrendo sua “extinção” por inanição, conforme destacaram Silva Júnior, Catani e Gilioli (2003):

A adoção dessa concepção proporcionou, praticamente, o abandono do debate acerca de quais variáveis devem ser utilizadas – e que peso cada uma delas deve ter – na avaliação da educação superior e priorizou a elaboração simplificada de rankings que, pretensamente, definiriam as melhores instituições\cursos e indicariam os piores desempenhos, de modo a exigir dos últimos as reformulações necessárias ou até mesmo determinar seu fechamento (p. 11).

Ao contrário do ocorrido na elaboração do PAIUB, quando representantes das IES brasileiras foram convidados a pensar uma proposta de avaliação das instituições de ensino superior, a elaboração do Exame Nacional de Cursos (ENC) prescindiu da participação dessas representações. O ENC se caracterizou como política contrária aos princípios defendidos pelas IES no PAIUB, visto que procurou extinguir o poder decisório da comunidade universitária, centralizando todo o processo de AI no MEC, conforme asseverou Gomes (2003), para quem:

O contexto de formulação do ENC não foi marcado por preocupações em torno de participação, representatividade e legitimidade política, como foi o do PAIUB. A principal preocupação aqui era a de implantar um instrumento de gerenciamento político que fosse capaz de permitir ao MEC o exercício da regulação e acompanhamento do ensino de graduação o qual passa a ser referido como a prioridade central da política oficial para o ensino superior (p. 6).

A preocupação central do Governo Federal foi a de criar mecanismos que permitissem exercer a regulação do ensino oferecido pelas IES brasileiras. Exemplo claro disso pode ser constatado a partir da instituição da Gratificação de Estímulo à Docência (GED) nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), através da Lei nº 9.678/98. Com a GED, os salários dos docentes passaram a sofrer acréscimos, com base na produtividade. No entanto, o fator decisivo para a GED centrava-se na quantidade de horas-aula que os professores ministravam. Desta forma, para Silva Júnior, Catani e Gilioli (2003), mostrava-se claro o incentivo ao ensino, em detrimento da pesquisa e da extensão.

Ainda conforme Silva Júnior, Catani e Gilioli (2003), a ligação da GED com as mudanças no cenário educacional e com a proposta de avaliação das IFES ainda se prolongou, uma vez que a referida gratificação:

(...) acentuou a lógica da competição de mercado e da produtividade nas universidades federais, contribuindo ainda mais para a mudança do ethos da instituição universitária e do campo acadêmico. Nesse sentido, o impacto do mecanismo avaliativo representado pela GED foi maior do que o do PAIUB e do ENC (p. 17-18).

Por estar voltado para a lógica neoliberal, na qual o mercado rege as normas, podemos afirmar que o ENC adotou princípios baseados na produtividade, daí o foco da avaliação institucional estar voltada para interesses associados à “medida” da qualidade dos serviços oferecidos. Assim, a educação passou a ser vista como mercadoria, como produto a ser ofertado. Segundo Silva Júnior, Catani e Gilioli (2003):

A implementação desse sistema de avaliação trouxe consigo uma concepção de educação superior baseada em princípios de mercado, condicionando uma nova lógica de produção acadêmica e alterando os próprios objetivos desse nível de ensino (p. 10).

O ENC procurou “medir a eficiência” dos serviços prestados pelas IES, atribuindo conceitos às mesmas, gerando, com isso, a possibilidade de ranking dessas instituições educacionais, bem como inevitáveis comparações e competições entre as mesmas.

Por conformarem políticas e projetos educacionais distintos, o PAIUB e o ENC apresentaram princípios e objetivos radicalmente diferentes, sendo, pois, necessária à adoção de metodologias também diferenciadas.

A metodologia utilizada pelo ENC consistia numa prova, de caráter obrigatório, aplicada aos alunos do ensino superior que se encontravam no último ano de sua graduação. Esta prova era elaborada por comissões específicas para cada curso que definiam os conteúdos e habilidades a serem avaliados, a partir dos “conteúdos mínimos das carreiras” expressos nas diretrizes curriculares para os cursos de graduação (Silva Júnior, Catani y Gilioli, 2003).

Também integravam esse processo, as visitas in loco, orientadas por um manual que continha “indicadores e padrões de qualidade a serem examinados” junto aos cursos de graduação. De acordo com Silva Júnior, Catani e Gilioli (2003), a Avaliação das Condições de Ensino (ACE) foi estabelecida pelo Decreto nº 2.026/96, que determinava os seguintes aspectos a serem avaliados:

a) organização didático-pedagógica; b) adequação das instalações físicas; c) qualificação do corpo docente (titulação, regime de trabalho, plano de cargos e salários, produtividade científica, experiência profissional, relação com os discentes); e) adequação do serviço de bibliotecas das instituições. (...) note-se aqui a ciência como critério de verdade e não a cultura e a densidade histórica das instituições (p. 16-17).

Somente o ENC “avaliava”, a visita dos especialistas oriunda da ACE era apenas para “verificar” a existência ou não do que era mencionado pela IES, isto é: um check-list. A abordagem utilizada era quantitativa, o que interessava era o resultado numérico em dado momento (avaliação estática). Os avaliadores externos eram treinados para entender o instrumento que nortearia a verificação in loco.
Esse projeto de avaliação beneficiou de modo mais acentuado o produto educacional, em detrimento dos processos empregados. Centrou-se nos resultados do ENC, sendo, portanto, a responsabilidade pela qualidade da instituição posta nos resultados obtidos pelos alunos.

O ENC recebeu muitas críticas, sendo as mais freqüentes voltadas para a forma autoritária como foi imposto, além da simplificação dos mecanismos de avaliação, haja vista reduzir toda a avaliação a uma prova, que certamente não conseguia dar conta da complexidade de uma IES, nem tão pouco das particularidades dessas instituições educacionais. Dadas as circunstâncias, a comunidade acadêmica apresentou resistências ao Provão, que se manifestaram de diferentes formas: desde o boicote realizado pelos alunos com o não comparecimento às provas ou simplesmente não respondendo às questões das mesmas, até às cartas abertas e os depoimentos de membros da comunidade acadêmica, além de dirigentes das entidades representativas das IES, que eram contrários à forma como o ENC foi imposto. Conforme Gomes (2003), citando o depoimento do Sr. Odilon Canto, ex-presidente da ANDIFES:

Quando surgiu a idéia desse provão, nós nos colocamos contra a idéia de que se pudesse fazer avaliação de um sistema complexo como é uma universidade com um simples provão. E nós já vínhamos trabalhando há muito tempo no processo de avaliação institucional (p. 6).

Com o intuito de eliminar as resistências ao ENC, o Governo Federal investiu amplamente em campanhas de marketing para convencer a população da importância deste mecanismo de avaliação. Exemplo disso foi a criação da revista Provão, que foi amplamente divulgada entre a comunidade acadêmica, bem como as diversas propagandas e/ou matérias veiculadas em diferentes meios de comunicação.

O ENC mexia diretamente no debate sobre autonomia das universidades, na medida em que impunha, a partir de Diretrizes Curriculares e dos Programas das provas, quais habilidades e conceitos deveriam ser dominados pelos novos profissionais. Desta forma, os conhecimentos a serem trabalhados nos cursos de graduação deixaram de prestigiar as necessidades específicas de cada região, o que terminou por gerar inflexibilidade curricular, prevalecendo homogeneização dos currículos dos cursos, em nível nacional.

Vale lembrar, ainda, que para ser institucionalizado, o ENC recebeu um aparato legal expresso em leis, decretos e portarias, que lhe deram poder junto à política educacional brasileira, especialmente no campo do credenciamento, recredenciamento e reconhecimento de cursos. Desta forma a “vida” das IES passou a depender dos resultados que os cursos obtinham no Provão, pois, conforme Gomes (2003):

(...) a política de avaliação do MEC não pode ser reduzida a um simples teste ("Provão") como alguns dos seus críticos costumam apontar. Com efeito, o ENC foi planejado para operar uma nova lógica da política de controle, coordenação e acompanhamento das IES pelas agências estatais reguladoras (MEC e CNE). A política de avaliação do MEC envolve manipulação de complexos e variados mecanismos reguladores que produzem impacto sobre o sistema de ensino superior como um todo. As condições estabelecidas (autorização, credenciamento e recredenciamento), a possibilidade de punição para as IES particulares (como, por exemplo, o descredenciamento), e mais a publicação dos resultados obtidos pelas IES nas avaliações de cursos e das instituições, criam juntos um poderoso instrumento de coordenação, controle e monitoramento que não encontram paralelos na história da educação superior brasileira (p. 9).

É importante destacar que, mesmo com todas as críticas aos seus paradigmas conceituais, foi a partir do Provão que a avaliação instalou-se, efetivamente, junto aos cursos de graduação.

Com o término do governo do ex-Professor Universitário Fernando Henrique Cardoso e a partir de modificações na conjuntura política brasileira, especialmente com referência às reformas implementadas pelo Estado, o programa de avaliação do ensino superior e de suas instituições educacionais sofreu alterações. Assim, já em 2003, foi constituída a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) com o objetivo de elaborar nova proposta de avaliação do ensino superior. Os trabalhos dessa comissão resultaram, em 14 de abril de 2004, na promulgação realizada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Lei nº 10.861 que implantou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), sobre o qual escreveremos agora.

4. SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (SINAES)

Ao assumir a presidência da República Federativa do Brasil, em 2003, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, tratou de trabalhar para implementar um conjunto de reformas políticas no país. No campo da educação superior iniciaram-se as discussões sobre a Reforma Universitária, que encontra no sistema de avaliação do ensino superior forte representação. Por esta razão discutir, mesmo que brevemente a referida reforma, é de suma importância para entendermos a política de avaliação que passou a vigorar no Brasil.

A proposta de Reforma Universitária encontrou na garantia da qualidade do Ensino Superior oferecido no país o seu mais forte argumento, sendo evocada a preocupação em garantir o “trinômio” “expansão-qualidade-inclusão”. Era interesse da Reforma Universitária, segundo o governo, que o Ensino Superior se expandisse em número de vagas para atender a um percentual maior da população brasileira, mas esse crescimento deveria dar-se a partir do compromisso com a qualidade do ensino oferecido.

As opiniões acerca da referida reforma divergem. O setor privado tem considerado que o Estado irá regular demasiadamente o Ensino Superior privado. O setor público, por sua vez, considera que esta regulação é ínfima. Além do quê, há uma discussão em torno da necessidade de criação de uma política de Estado que organize o Ensino Superior.

Assim, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), que ora regula a avaliação do Ensino Superior brasileiro, surgiu através da Lei 10.861, de 14 de abril de 2004. Este foi o primeiro programa de avaliação de instituições que foi apreciado e votado pelo Congresso Nacional, passando, assim, de política de governo à política de Estado. A Legislação que fundamenta o SINAES está expressa na Constituição Federal de 1988, especificamente no artigo 209. Outras Leis dão sustentação ao SINAES, sendo elas: Lei 9.131 de 1995, que criou o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a avaliação periódica das IES e dos seus cursos; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96), art. 9º incisos VI e IX; o Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei 10.172/2001.

No que tange ao conceito de avaliação defendido pelo referido sistema centra-se nas categorias integração e participação, conforme explicitado no documento do SINAES (BRASIL, 2003):

O sistema de avaliação deve articular, de forma coerente, concepções, objetivos, metodologias, práticas, agentes da comunidade acadêmica e de instâncias do governo. (...) o sistema de avaliação é uma construção a ser assumida coletivamente, com funções de informação para tomadas de decisão de caráter político, pedagógico e administrativo, melhoria institucional, auto-regulação, emancipação, elevação da capacidade educativa e do cumprimento das demais funções públicas (p. 82).

A operacionalização do SINAES se subdivide em três macro-procedimentos: Avaliação Institucional (interna e externa), Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG) e Exame Nacional de Avaliação do Desempenho dos Estudantes (ENADE). No que tange à Avaliação Institucional, há 10 dimensões que deverão ser alvo obrigatório da auto-avaliação das IES (Andriola y Rodrigues, 2005). São elas:

4.1.  A missão e o plano de desenvolvimento institucional

Deverá proporcionar informações acerca (i) das finalidades, objetivos e compromissos da IES, (ii) das práticas pedagógicas e administrativas, (iii) do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e do Projeto Pedagógico Institucional (PPI), sobretudo no que concerne às atividades de ensino, pesquisa, extensão, gestão acadêmica, gestão e avaliação institucional.

4.2.  A política institucional voltada ao ensino, à pós-graduação, à pesquisa e à extensão

Deverá permitir analisar (i) a concepção de currículo e a organização didático-pedagógica de acordo com os fins da instituição, as diretrizes curriculares e a inovação da área; (ii) as práticas pedagógicas, considerando a relação entre a transmissão de informações e utilização de processos participativos de construção do conhecimento; (iii) a pertinência dos currículos (concepção e prática), tendo em vista os objetivos institucionais, as demandas sociais (científicas, econômicas, culturais etc.) e as necessidades individuais; (iv) as práticas institucionais que estimulam a melhoria do ensino, a formação docente, o apoio ao estudante, a interdisciplinaridade, as inovações didático-pedagógicas e o uso das novas tecnologias no ensino; identificar a relevância social e científica da pesquisa em relação aos objetivos institucionais; identificar as práticas institucionais voltadas à formação de pesquisadores; identificar a articulação da pesquisa científica com as demais atividades acadêmicas; identificar os principais indicadores quantitativos relacionados à publicação científica; detectar a concepção de extensão universitária e de intervenção social, bem como a articulação de ambas com as atividades de ensino e da pesquisa; identificar o grau de participação dos estudantes nas ações de extensão e de intervenção social; valorar o impacto da extensão na formação dos discentes partícipes dessas atividades; apresentar dados e indicadores quantitativos das atividades e dos projetos de extensão.

4.3.  A responsabilidade social da instituição

Deverá possibilitar verificar a contribuição regional da UFC no que tange à inclusão social; ao desenvolvimento econômico e social; à defesa do meio ambiente; ao incentivo da memória cultural e da produção artística; à defesa do patrimônio histórico e cultural.

4.4.  A comunicação com a sociedade

Deverá permitir identificar (i) as estratégias, os recursos e a qualidade da comunicação interna e externa da IES, (ii) a imagem pública da IES nos meios de comunicação social.

4.5.  A política institucional de gestão de pessoal

Deverá potenciar analisar aspectos relacionados às políticas internas destinadas aos recursos humanos; apresentar dados referentes aos recursos humanos da IES; identificar ações institucionais que visem a aperfeiçoar os recursos humanos.

4.6.  A organização e a gestão da instituição

Deverá permitir analisar a gestão da UFC, especialmente no que tange ao funcionamento e representatividade dos colegiados, bem como à participação dos segmentos da comunidade universitária nos processos decisórios; identificar os procedimentos de gestão de informações institucionais.

4.7.  A adequação da infra-estrutura física à missão da instituição

Deverá possibilitar verificar as condições da infra-estrutura física da IES e dos equipamentos das bibliotecas, especialmente no que tange ao seu uso como apoio às atividades de ensino e de investigação científica; identificar o mérito das ações institucionais de combate ao desperdício; valorar a atuação de alguns dos principais órgãos de apoio à gestão.

4.8.  O planejamento e a avaliação institucional

Deverá tornar possível identificar a adequação e a efetividade (i) do planejamento geral da instituição e sua relação com o Projeto Pedagógico Institucional (PPI), (ii) dos procedimentos de avaliação e de acompanhamento do planejamento institucional.

4.9.  A política interna de atendimento aos estudantes universitários

Deverá permitir analisar aspectos relacionados ao atendimento aos discentes e aos egressos dos cursos de graduação da IES; identificar as ações internas propostas para atendimento aos dois segmentos citados; apresentar dados da evasão discente na graduação; mapear ações internas de combate à evasão discente; apresentar dados relevantes da participação estudantil em atividades acadêmicas; apresentar o perfil dos candidatos aos cursos de graduação da IES.

4.10.  A sustentabilidade financeira institucional

Deverá potenciar a análise da sustentabilidade financeira da IES, especialmente no que tange ao uso dos recursos em programas de ensino, investigação científica e extensão.

Acerca das funções educacionais decorrentes da efetivação do SINAES, há duas que devem ser destacadas (BRASIL, 2003):

a) avaliação educativa propriamente dita, de natureza formativa, mais voltada à atribuição de juízos de valor e mérito, em vista de aumentar a qualidade e as capacidades de emancipação e b) regulação, em suas funções de supervisão, fiscalização, decisões concretas de autorização, credenciamento, recredenciamento, descredenciamento, transformação institucional, etc., funções próprias do Estado (p. 10).

Nesse âmbito, deve ser destacado, ainda, que uma proposta de avaliação da amplitude a que se propôs o SINAES carece de princípios e critérios que sirvam de guias para as suas ações. Segundo o Ministério da Educação (MEC), estes princípios são os seguintes:

  1. Educação é um direto social e dever do Estado: ressalta a responsabilidade que uma IES tem em relação à sociedade, cabendo ao Estado a competência de garantir que esta seja efetivada.
  2. Valores sociais historicamente determinados: reflete a importância do desenvolvimento/consolidação dos conhecimentos que possibilitarão o desenvolvimento da sociedade.
  3. Regulação e controle: é papel do Estado verificar o cumprimento dos objetivos educacionais das IES.
  4. Prática social com objetivos educativos: a avaliação deve ser participativa e se transformar numa cultura da instituição, para que consiga identificar seus descompassos e redirecionar ações no intuito de atingir os objetivos.
  5. Respeito à identidade e à diversidade institucionais em um sistema diversificado: dada a complexidade da sociedade com os infinitos saberes que tem produzido, é impossível que um IES consiga destacar-se em todas as áreas do saber, nem deve ter esta preocupação. O importante é que cada instituição desenvolva adequadamente um, ou vários saberes, e que o conjunto das IES do sistema dêem conta desta complexidade.
  6. Globalidade: a instituição é composta por várias “partes” e por vários agentes. A globalidade consiste em dar conta de envolver todas as “partes” formando o todo que é a IES. Para isso, será necessário envolver os agentes responsáveis pelas “partes” da instituição.
  7. Legitimidade: se refere tanto à questão técnica, quanto à ética e política. Para tanto os instrumentos que compõem a parte técnica devem ser bem elaborados, a partir de um critério de cientificidade. Os aspectos éticos e políticos serão, por sua vez, garantidos com o engajamento da comunidade acadêmica neste processo de avaliação, destacando-se para isso o respeito às diferenças e o direito à fala.
  8. Continuidade: a avaliação não pode ser vista como estanque e pontual. Ela tem por princípio uma continuidade das suas atividades, por esta razão nunca estará “pronta” ou finalizada. Deve ser, ao contrário, permanente e sistemática.

Iremos destacar aqui o momento de avaliação interna que, conforme o SINAES:

(...) é um processo contínuo por meio do qual uma instituição constrói conhecimentos sobre sua própria realidade, buscando compreender os significados do conjunto de suas atividades para melhorar a qualidade educativa e alcançar maior relevância social (BRASIL, 2004, p. 11).

Este processo de auto-avaliação possui alguns requisitos para funcionar, sendo eles: a composição de uma equipe de coordenadores, a participação dos integrantes da instituição, o compromisso explícito dos dirigentes da IES, a validade e confiabilidade das informações e o uso efetivo dos resultados. Ela divide-se em três etapas: preparação, desenvolvimento e consolidação.

No momento de preparação é constituída a Comissão Própria de Avaliação (CPA) que deverá ter representantes de toda a comunidade acadêmica. Esta comissão irá coordenar os trabalhos de auto-avaliação da IES, que tem por próximo passo realizar um planejamento das ações a serem desenvolvidas, bem como criar mecanismos de sensibilização da comunidade acadêmica sobre a importância da avaliação interna.

A etapa de desenvolvimento se traduz na concretização das atividades, junto à comunidade acadêmica. Como exemplo dessas atividades, destacamos, de acordo com o estabelecido pelo SINAES:

a) realização de reuniões ou debates de sensibilização;

b) sistematização de demandas/idéias/sugestões oriundas dessas reuniões;

c) realização de seminários internos para: apresentação do SINAES, apresentação da proposta do processo de avaliação interna da IES, discussões internas e apresentação das sistematizações dos resultados e outros;

d) definição da composição dos grupos de trabalho atendendo aos principais segmentos da comunidade acadêmica (avaliação de egressos e/ou dos docentes; estudos de evasão, etc.);

e) construção de instrumentos para coleta de dados: entrevistas, questionários, grupos focais e outros;

f) definição da metodologia de análise e interpretação dos dados;

g) definição das condições materiais para o desenvolvimento do trabalho: espaço físico, docentes e técnicos com horas de trabalho dedicadas a esta tarefa e outros;

h) definição de formato de relatório de auto-avaliação;

i) definição de reuniões sistemáticas de trabalho;

j) elaboração de relatórios; e

k) organização e discussão dos resultados com a comunidade acadêmica e publicação das experiências (BRASIL, 2004:13 e 14).

A consolidação, por sua vez, é a etapa na qual a CPA tratará de dar o “fechamento” às atividades desenvolvidas. Assim, também será de sua responsabilidade elaborar, divulgar e analisar o relatório final que garantirá a continuidade do processo. Desta forma, a avaliação nunca estará concluída, ao contrário, será permanente.

A CPA se apresenta como instância que possibilita um olhar particular das IES, respeitado suas especificidades. Na forma como está estruturada a Avaliação Institucional, a CPA se mostra como espaço passível de desenvolver uma prática interna de avaliação, feita pelos próprios agentes das instituições avaliadas.

5. RELACIONANDO O PAIUB, O ENC E O SINAES: FRAQUEZAS E POTENCIALIDADES

Como tentamos demonstrar, a fase brasileira em que o Estado Avaliador surgiu, deu-se em meados dos anos 1970, com a implementação de sistemática avaliativa direcionada aos programas de pós-graduação (stricto sensu), através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Desde então, pelo menos quatro propostas estatais emergiram, todas voltadas à avaliação da Educação Superior.

Nesse âmbito, uma característica comum às políticas avaliativas aqui apresentadas, duas das quais direcionadas à Avaliação das Instituições de Ensino Superior (IES), é a ênfase dada ao Ensino, nomeadamente no nível de graduação. O SINAES se apresenta como uma tentativa de juntar alguns dos princípios basilares do PAIUB e do ENC. Conceitualmente falando, em muito se assemelha ao PAIUB, ao retomar a importância da auto-avaliação institucional e ao demonstrar interesse em resgatar o diálogo entre o MEC e as IES. Entretanto, as práticas e estratégias utilizadas pelo Provão não foram descartadas por esta nova política de avaliação. Ao contrário, procurou-se adequar as práticas do ENC ao paradigma do SINAES. Para tanto, as provas, censos e questionários, por exemplo, sofreram poucas alterações, as principais centraram-se na freqüência com que são realizadas (eventualmente ou regularmente) e à quantidade a que são aplicados (todo o universo ou apenas uma amostra).

Outra característica que une SINAES e ENC é o poder de controle dado às mesmas, posto que há o atrelamento dos resultados destas avaliações aos processos de reconhecimento e recredenciamento de cursos de graduação (regulação). Desta forma, o paradigma que rege o SINAES difere-se do ENC na sua concepção, e se assemelha a este nas práticas e nas estratégias de ação de controle ou de regulação estatal.

Conforme assevera Andriola (2004c), o que de mais novo e efetivo há no SINAES são as Comissões Próprias de Avaliação (CPA), que remetem ao próprio processo de como as comunidades universitárias avaliam o trabalho que realizam. De acordo com o documento da Comissão de Avaliação da Educação Superior (CONAES) intitulado Diretrizes para a avaliação das Instituições de Ensino Superior, que foi publicado em 26/08/2004, as CPAs integram o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) e estabelecem elo com este último, ou seja, permitem associar seu projeto específico de avaliação institucional ao conjunto do Sistema de Educação Superior do país.

O mencionado documento aclara, ainda, que as CPAs serão responsáveis pela “condução dos processos de avaliação internos, da sistematização e da prestação das informações, que venham a ser solicitadas pelo INEP”{6}. Emerge, então, papel crucial das CPAs na elaboração e desenvolvimento de proposta de auto-avaliação, em consonância com os interesses da coletividade acadêmica da respectiva IES da qual a CPA é sua representante perante o Ministério da Educação (MEC).

Ressalte-se, nesse momento, que a CPA é órgão de representação acadêmica e não da administração da instituição. Sendo assim, para assegurar sua legitimidade junto à comunidade acadêmica, é recomendável que os partícipes ou os atores institucionais sejam consultados durante o processo de escolha dos membros da CPA. Tal se faz necessário, pois, sem o efetivo envolvimento da comunidade, a avaliação deixará de caracterizar-se como atividade democrática e participativa.

Ainda no tocante à sua composição, deverá a CPA contar com a participação de todos os segmentos da comunidade acadêmica, bem como de representantes da sociedade civil organizada. Aclare-se que os órgãos colegiados superiores da instituição definirão o modo de organização, a quantidade de membros e a dinâmica de funcionamento. Após haver sido constituída, o funcionamento da CPA deverá prever estratégias que levem em consideração as características intrínsecas da instituição, seu porte e as experiências anteriores no campo da avaliação institucional.

Não obstante a esta inovação introduzida pelo SINAES, e apesar do pouco tempo de existência, a referida proposta avaliativa tem sofrido severas críticas. Um aspecto muito discutido acerca da Avaliação Institucional no âmbito do Ensino Superior brasileiro centra-se na operacionalização da mesma. A este respeito, o ANDES-SN (2004) aponta que o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deixou de cumprir com sua responsabilidade de investimento das IFES, mantendo, no entanto, o controle sobre as referidas instituições educacionais, a partir da política de avaliação. O governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, teria aprofundado este controle via SINAES.

O Movimento Docente (ANDES-SN, 2004) considera a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) antidemocrática na sua constituição e função, uma vez que centraliza todo o processo de avaliação e é composta, na sua maioria, por representação governamental. Neste contexto, o SINAES é percebido enquanto instrumento de premiação e/ou punição das IES, e o ENADE de premiação/punição dos estudantes. Ademais, o ENADE caracteriza-se por ser mecanismo classificatório, como o foi o Provão, pois registra no histórico escolar do estudante a sua participação no certame avaliativo.

Com relação às CPAs, que irão se encarregar da auto-avaliação da instituição, o problema maior também se centra na sua composição, haja vista que a lei delega ao Reitor das IES o poder de nomear os membros desta comissão, ao invés da escolha amplamente democrática destes representantes. Outro aspecto a ser considerado no processo de avaliação interna refere-se à orientação destas ações, que serão definidas a partir da CONAES.

Apesar das críticas referidas, cabe mencionar a Jaegger Gama (2004), para quem:

[...] o SINAES é um sistema autônomo de supervisão estatal que busca integrar dimensões internas e externas, particulares e globais dos diversos objetos e objetivos da avaliação, propondo-se a ser somativo e formativo, quantitativo e qualitativo. Sua função explicitamente regulatória, tende a suprir a ausência do Estado no que diz respeito ao aprimoramento das IES, seus objetivos e funcionamento, e à reorientação do sistema de educação superior de modo a atender as necessidades de uma Nação democrática e soberana.

Sua vigência implica criar novas regras de entrada, de permanência e de saída do sistema, comprometendo-se a não operar com a ideologia da competitividade, da concorrência e do sucesso individual, admitindo explicitamente estar impregnado pela vontade de ajudar a construir uma concepção de educação superior socialmente comprometida em seus objetivos e funções, oferecendo a garantia de se balizar, em termos conceituais e políticos, por um conjunto de princípios, tais como o de que a educação é um direito social e dever do Estado e que a vida das instituições de educação deve se pautar por valores sociais historicamente determinados. Preceitua, ainda, que a avaliação implica em regulação e controle, e que sua prática social, global, legítima, contínua e educativa deve ter respeito à identidade e à diversidade [...].

Ao longo de leitura detalhada e criteriosa acerca do SINAES,{7} nota-se, facilmente, que este se fundamentou em princípios e em objetivos ligados diretamente aos interesses sociais da Educação Superior, e cuja implementação deverá ser, portanto, ensejada por todas as Instituições do Ensino Superior (IES), sejam de caráter público ou privado.

Por exemplo, no caso da auto-avaliação das Instituições de Ensino Superior (IES), deverá esta atividade ter caráter marcadamente participativo e democrático, isto é, haverá que se buscar ampla mobilização dos setores componentes dessas instituições educacionais para, assim, ser possível a atuação contundente dos seus membros: os docentes, os discentes e os servidores técnico-administrativos.

Outros princípios que merecem destaque, conforme cita Ristoff (2000): busca pelo conhecimento global da realidade educacional, que deve ser avaliada através de diversos procedimentos metodológicos; adoção de indicadores quantitativos e qualitativos, por conta da complementaridade e da riqueza de ambos; preocupação pela ética da ação dos protagonistas, que deve estar presente durante todo o desenrolar da atividade avaliativa; prescindibilidade de comparar as IES, ou seja, a comparabilidade que se deve fazer é entre o estado atual da IES e o seu passado imediato, com vistas ao planejamento das suas ações institucionais futuras (ANDRIOLA, 2004a).

No que tange aos aspectos mais marcantes das três propostas avaliativas aqui apresentadas (o PAIUB, o ENC e o SINAES), cabe destacar, neste ponto, que, cada um deles, do seu modo, contribui para o desenvolvimento e a consolidação de consciência da comunidade universitária e, em grau diferenciado, da própria sociedade civil, acerca da relevância da avaliação institucional enquanto atividade geradora de conhecimento{8}, que permite a reflexão da comunidade e dos gestores{9}, com vistas ao planejamento de ações corretivas{10} visando ao aprimoramento contínuo{11}. Por exemplo, o PAIUB trouxe à baila a necessidade de as comunidades internas das Instituições de Ensino Superior (IES) engajaram-se no processo, enquanto protagonistas e legítimas representantes institucionais. O Exame Nacional de Cursos (ENC) permitiu a discussão acerca da relevância dos processos educacionais que dão origem a certos produtos educacionais (o aprendizado discente), a partir de um paradoxo: a referida proposta avaliativa enfatizava, unicamente, “o que” e “o quanto” os universitários aprendiam (o produto e sua magnitude), desconsiderando “o como” aprendiam (o processo). Por fim, o SINAES, que traz à baila a necessidade de as IES desempenharem papel ativo na busca do aprimoramento do Sistema de Educação Superior do Brasil, através de ações que visem acentuar sua responsabilidade social.

Desse modo, no atual contexto brasileiro, no qual se intentam consolidar práticas avaliativas voltadas ao aprimoramento e ao desenvolvimento das Instituições de Ensino Superior (IES), com as dificuldades e as limitações concernentes a uma ação dessa natureza, conforme ressaltou Andriola (2004b), cabe mencionar ao escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), que, certa feita, asseverou:

Ainda que os teus passos pareçam inúteis, vai abrindo caminhos,
como a água que desce cantando da montanha. Ou
tros te seguirão...
.


{1} Cunha, M. I., Forster, M. M. y Fernandes, C.M. (s.d.) Avaliação externa e os cursos de graduação: implicações políticas na prática pedagógica e na docência. UNISINOS

{2} INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Órgão do Ministério da Educação, Brasil.

{3} Hosbawn, E. (1994). A era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras.

{4} Sobre o assunto ver: BATISTA, P. N. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latinoamericanos. São Paulo: 1994. Texto disponível em <http://humbertocapellari.wordpress.com/2006/06/20/o-consenso-de-washington-leia-com-atencao-e-interesse-redobrado-2/>. Consultado em 11/05/2008.

{5} Por neoliberalismos se entende um conjunto de ações ligadas à lógica da redução do Estado e ampliação do mercado, que redundaram em privatizações, cortes de recursos públicos para áreas sociais, quebra de barreiras à livre circulação de bens e capitais, bem como forte foco na economia.

{6} Art. 11 da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004.

{7} Para leitura de maior fundamentação acerca do SINAES, consultar a Revista da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), que no Volume 9, Número 1, de 2004, aborda o tema de modo amplo e profundo.

{8} Nos moldes do que apregoaram, num trabalho de 1972, os autores D. Hamilton e M. Parllet, como sendo a avaliação iluminativa.

{9} Fundamentado nos princípios de D. A. Schön e de J. Dewey, que acentuam a necessidade da reflexão como atividade iminentemente educativa.

{10} Conforme as idéias de D. Stufflebeam, para quem a avaliação serve, eminentemente, para a tomada de decisões do gestor.

{11} Consoante as idéias de M. Scriven, para quem a avaliação é ato sistemático de adaptar os processos às necessidades do objeto avaliado, daí o rótulo: avaliação formativa.

 

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