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Participação, Empreendedorismo e Educação: o Projeto Livro em Roda

 

Hoje em dia é amplamente aceita a idéia de que a comunidade na escola amplia a sua forma de participação e pode determinar uma nova relação com o espaço público, envolvendo-se em decisões relacionadas à elaboração, execução e controle das atividades desenvolvidas nesse local. Dessa forma se poderá construir uma escola que vá ao encontro dos anseios e interesses da população.

Uma escola que de fato tenha como produto final de seu trabalho o aprendizado dos alunos e que contribua para a formação de um cidadão crítico que seja protagonista de sua história.

Quando as pessoas, de forma direta ou indireta ligadas à escola, interessam-se pelas atividades e tomam a iniciativa de participar do trabalho que ali é realizado, acabam conquistando, cada vez mais, outros espaços e inserindo-se como membros efetivos daquela comunidade. Cabe lembrar que não existe participação suficiente ou acabada. A participação não é uma dádiva e existe somente na medida de sua própria conquista. Quando se considera que a participação esteja completa, nesse exato momento se começa a regredir (DEMO; 1999).

Assim, a própria comunidade é quem deve abrir espaços para que sua participação, a cada dia, mais efetiva, deve organizar-se para a conquista de seu espaço, para gerir seu próprio destino. Nesse sentido a comunidade deve ser empreendedora, buscar alternativas para os problemas existentes e por meio de soluções criativas contribuir para uma escola melhor.

O presente estudo tem por objetivo trazer para o debate a questão da participação com foco no empreendedorismo social na educação por meio da análise da experiência de um projeto social empreendedor: o Projeto Livro em Roda. Desta forma, o artigo se divide em sete seções das quais a primeira é esta introdução, a segunda debate a questão da participação e do empreendedorismo social, a terceira faz uma breve apresentação do contexto em que foi criado no estado da Paraíba, a quarta mostra as tomadas de decisão no início do projeto, a quinta apresenta a metodologia do projeto, a sexta apresenta o ganho de qualidade do ensino do município de Conde e a sétima traz alguns comentários a guisa de conclusão.

1. EMPREENDEDORISMO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO

O Empreendedorismo Social tem sido apontado como um elemento de transformação por meio da criação de novos mercados e da identificação de brechas no sistema (Elkington & Hartigan; 2007; Elkington & Tickell; 2006). Isto é, o reconhecimento de oportunidades de atuação em áreas que não são atendidas pelo setor privado e também pelo setor público.

Kristof (2008) apresenta os empreendedores sociais como sendo os “tipos” mais marcantes na sociedade atual. O autor afirma que nos anos 60 foram os cidadãos que protestaram contra a guerra, nos anos 80 foram empreendedores como Steve Jobs e Bill Gates que por meio da criação de empresas, revolucionaram o mercado por meio do uso de novas tecnologias. Os empreendedores sociais seriam os exemplos marcantes da atualidade.

No entanto, o comportamento empreendedor não pode ser considerado uma inovação. Ele existe há séculos assim como o termo “empreendedor” cujo uso é atribuído originalmente a Jean Baptiste Say (Dees; 2001). Há uma ampliação do conceito e um ganho de popularidade em curso, mas não é um fenômeno novo.

Segundo Bill Drayton, empreendedores sociais não dão o peixe e nem ensinam a pescar, o objetivo deles é revolucionar a indústria de pesca. Muhammad Yunus identifica os empreendedores sociais como sendo indivíduos que transformam Bonsai People em potenciais consumidores. A metáfora utilizada pelo criador do Grameen Bank remete a mudas de árvores enormes que quando plantadas em pequenos vasos e sem o solo apropriado se tornam cópias menores das originais, ou seja, Bonsais. Assim são as pessoas ignoradas pelo setor privado e não atendidas pelo setor publico: indivíduos capazes, mas sem um meio e sem oportunidades para se desenvolver. Dees (2001) classifica os empreendedores sociais como uma “raça rara” de empreendedor, como elemento fundamental para o desenvolvimento social.

A busca pelo desenvolvimento social associada à revalorização dos ideais propiciados pelo princípio da comunidade é uma possibilidade de fundar novas energias emancipatórias por parte da sociedade, através da produção de uma nova cultura política e uma nova qualidade de vida pessoal e coletiva. Assim, abre-se um campo imenso para a participação de novos atores - já que a relação dicotômica entre o Estado e o mercado é suavizada, prevalecendo mais a noção de Estado – mercado - sociedade civil.

Ao considerar a educação, uma crítica que se faz em relação às recentes propostas de participação é o fato de a sociedade civil vir a compensar as deficiências da ação do Estado em detrimento de uma visão mais alargada de participação. Em outras palavras, se por um lado alguns grupos dos setores governamental e empresarial têm a participação da sociedade como uma forma democrática para solucionar os problemas apresentados no setor educacional, de outro lado, alguns estudiosos (Torres, 1999; Gentilli, 1999) entendem que a proposta de envolvimento da população na gestão escolar, apresentada pelas reformas educacionais, são estratégias para solucionar os problemas apresentados no setor educacional de forma a complementar o papel do Estado.

Além de dever do Estado, a universalização do saber é considerada algo desejável do ponto de vista social, no sentido da melhoria da qualidade de vida da população, trata-se, então, de buscar alternativas que apontem para o oferecimento de um ensino de boa qualidade para todos os cidadãos. Como argumenta Paro (1992), tal busca não pode restringir-se apenas às fórmulas mágicas que, colocadas em prática, conseguiriam solucionar de vez o problema da carência de escolaridade.

Segundo o autor, há também uma relação de exterioridade que se estabelece entre usuário e educação escolar numa sociedade capitalista. É uma sociedade em que o ensino passa a ser percebido como mais uma "mercadoria" a ser adquirida de uma "unidade de produção" que é a escola. A educação vista como um processo de transformação social busca a autonomia do educando e não essa independência da produção em relação ao "consumidor". Na elaboração do "produto" da educação, no processo de ensino-aprendizagem, o educando é sujeito, portanto, co-produtor de sua educação.

O Projeto a ser apresentado em seguida é um exemplo de participação da comunidade na educação ao mesmo tempo em que pode ser entendido como uma forma de empreendedorismo já que por meio de uma alternativa simples e original foi capaz de preencher uma “lacuna” no sistema educacional.

2. O BACKGROUND DO PROJETO

O Projeto Livro em Roda foi criado na área rural do município de Conde no Estado da Paraíba, Nordeste brasileiro. Com objetivo de traçar o pano de fundo que deu origem ao projeto, serão apresentadas algumas características da cidade nesta seção.

Conde é uma cidade pequena com pouco de mais de 20 mil habitantes de acordo com a última contagem populacional feita pelo IBGE. Está localizado na Microrregião Conde e na Mesorregião Mata Paraibana do Estado da Paraíba.

O projeto foi criado em 1997. Neste período a taxa de analfabetismo do município, segundo o INEP, era 31,6 %.  Este valor é muito elevado se comparado à realidade da região Nordeste (taxa de 26,1%), do Estado da Paraíba (29%) e até mesmo da capital João Pessoa (11,4%) cuja distancia é inferior a 20 km.

Em 1996, a rede escolar era compartilhada pelo estado e município mesmo na etapa inicial da educação básica. O Estado administrava um estabelecimento de educação infantil na área urbana enquanto o município possuía seis estabelecimentos (dois na área rural e quatro na área urbana).  Atualmente o município é responsável pela totalidade da oferta da educação infantil com 25 estabelecimentos (20 em área rural e cinco em área urbana). O processo de municipalização foi acelerado pela introdução do FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do ensino Fundamental em 1996.

No tocante ao ensino fundamental, não houve mudança significativa no total de estabelecimentos de ensino nos últimos dez anos. O Estado é responsável por três estabelecimentos em área urbana e o município é responsável por 27 estabelecimentos (20 destes na área rural).  Além disso, o município possui apenas uma escola estadual de ensino médio na área urbana.

A distorção idade-série no município também era muito elevada nos anos iniciais do projeto: 72.6 na área rural e 62.5 na área urbana ao considerar o ensino fundamental. Atualmente estas taxas sofreram uma redução significativa: 46.2 na área urbana e 36.7 na área rural. Deve ser ressaltado que o cálculo destes valores compreende a totalidade do ensino fundamental e que, se classificarmos por séries, o valor chega a 62.1 para a oitava série na área rural em 2006 segundo dados do INEP.  Isto é um indicador do elevado número de repetências e ao mesmo tempo de um processo de melhora já que a distorção nas séries inicias caiu expressivamente. A conclusão que se chega é que houve um avanço e que alguns alunos que já possuíam alta distorção idade-série ainda estão concluindo o ciclo, o que faz com que este indicador ainda seja bastante elevado na etapa final.

Destarte, a educação era um obstáculo para o desenvolvimento do município. O analfabetismo era bastante elevado e as crianças que freqüentavam escolas apresentavam grandes dificuldades de aprendizagem. Outro ponto que merece ser destacado é a ausência de estabelecimentos particulares de ensino em 1996. Atualmente são apenas três estabelecimentos. Além dos problemas citados um outro fato que agravava o quadro era a inexistência de um programa de transporte escolar, o que impossibilitava que grande parte das crianças menores tivesse acesso à educação nas áreas rurais e aumentava a distorção idade-série nas séries iniciais já que a entrada na escola se dava fora do período normal.

O programa de transporte escolar foi criado há poucos anos e juntamente com o projeto Livro em Roda foi responsável pela alteração do perfil do sistema educacional do município.

Os problemas do sistema educacional eram conhecidos por duas professoras da rede pública de ensino. Elas sentiam a falta de material para trabalhar com seus alunos, a falta de estímulo à leitura, ausência de livros infantis e carência de bibliotecas nas escolas públicas. Entendiam que o alto grau de analfabetismo dos pais dos alunos era mais um obstáculo para o aprendizado já que não tinham acesso a livros em casa e nem quem os ajudasse. Essas professoras reconheceram o problema, a falta de ação do setor público e ausência de interesse do setor privado e resolveram agir.

Shane e Venkataraman (2000) apresentaram o domínio do empreendedorismo como resultante da junção do processo de reconhecimento de oportunidades e da presença de indivíduos interessados em explorá-las. Os autores analisaram casos de empreendedorismo gerencial voltado para negócios lucrativos, mas é plenamente possível utilizar esta visão na área social. Segundo Schumpeter(1934), o empreendedor é o agente que inicia as mudanças no sistema originalmente em equilíbrio e que identifica e gera novas oportunidades. Após viver e trabalhar no município, as professoras reconheceram uma falha no sistema (uma oportunidade?) e a exploraram para combater o analfabetismo e alta distorção idade-série.

Elkington e Hartigan (2007) afirmam que empreendedores sociais vêem a possibilidade de ajudar as pessoas a construir um futuro enquanto outros vêem barreiras. Os empreendedores reconhecem que no meio de cada dificuldade há uma oportunidade.

A presente seção retratou alguns problemas do sistema educacional do município de Conde com objetivo de identificar a dificuldade que levou estas professoras empreendedoras a reconhecer a oportunidade de mudar a realidade local. A próxima seção apresentará o processo de “efeituação” do projeto.

3. O INÍCIO DO PROJETO LIVRO EM RODA

O início de um empreendimento social envolve um processo de tomada de decisões, de seleção de efeitos que podem ser alcançados por meio de diversas alternativas possíveis. Sarasvathy (2001) definiu duas formas de tomada de decisão: o processo de Causation (causação) e o de Effectuation (traduzido aqui como efeituação).  Segundo o autor, os modelos de “causação” consideram um determinado efeito desejado. O modelo de “efeituação” considera um conjunto de meios (causas) como dados e se concentra na seleção (escolha) entre possíveis efeitos que podem ser criados com aquele conjunto de meios. A teoria de efeituação constrói o critério de decisão com base em perdas aceitáveis, ao invés de retornos esperados.

Os modelos de “causação” selecionam estratégias ótimas, comparando o retorno das alternativas e escolhendo aquelas que maximizam o retorno esperado. Já num modelo de “efeituação”, o empreendedor, determina previamente qual a perda que considera aceitável no empreendimento e experimenta com tantas estratégias quanto possível, com os meios limitados de que dispõe. O tomador de decisão baseado no modelo de “efeituação” prefere alternativas que gerem mais opções no futuro do que aquelas que maximizem o retorno (esperado) no presente (Castanhar, 2007).

Outro ponto a ser considerado é o modelo de empreendimento social que será implantado. A literatura apresenta várias classificações de projetos sociais e formas de empreendedorismo social. Neste estudo será adotada a tipologia criada por Elkington e Hartigan (2007). Os autores identificaram três modelos de Empreendedorismo Social: o empreendimento com poder de alavanca (“leverage”) sem fins lucrativos (modelo 1), o empreendimento hibrido sem fins lucrativos (modelo2) e o empreendimento social com estrutura de negócio (modelo 3) .

O primeiro modelo tem como característica a provisão de um bem ou serviço à parcela mais vulnerável da população. São pessoas que não têm acesso ou não tem condições de pagar pela utilização de tal bem.  Neste modelo há o apoio de parceiros externos que dão suporte financeiro e em alguns casos político ao empreendimento. O desafio é convencer o resto da população de que sua missão é importante e viável.

O segundo modelo se distingue do primeiro por envolver a participação do mercado. Há venda de bens e serviços com objetivo de financiar o empreendimento.

O terceiro modelo é constituído por empreendimentos que começam sob a forma de negócio, mas com um fim social. Há lucro, mas a meta não é maximizar ganhos, estes negócios têm como finalidade beneficiar comunidades carentes e expandir o campo de atuação por meio do reinvestimento do que for arrecadado.  O empreendedor busca parceiros interessados em retorno financeiro e social.

O Projeto Livro em Roda é uma biblioteca itinerante que funciona, principalmente, na área rural do município de Conde, Litoral Sul do estado da Paraíba. A biblioteca oferece material e um programa de incentivo a leitura para alunos residentes na área rural, que estudam em escolas que não possuem bibliotecas escolares.

Assim, o projeto se enquadra no modelo 1 de empreendimento social. É voltado para alunos sem acesso a livros e sem condições de adquiri-los. Não há comercialização de serviços e geração de lucros. As diferenças na concepção do empreendimento social incorrem em formas distintas de financiamento entre os modelos.  Empreendimentos com poder de alavanca sem fins lucrativos têm o empreendedor como ponto central para que viabilizem a provisão de seus serviços e consigam crescer ao longo do tempo. O financiamento muitas vezes começa com recursos próprios (perda aceitável) ao mesmo tempo em que o empreendedor enfrenta o desafio de convencer possíveis parceiros da importância e da viabilidade de seu empreendimento.  A busca por recursos e o acesso ao financiamento é um período difícil, um dos maiores desafios dos empreendedores do modelo 1.  Elkington e Hartigan (2007)  ressaltam ainda que embora a figura do empreendedor tenha um papel central neste tipo de empreendimento social, há uma consciência de que para crescer é preciso que aos poucos os beneficiários assumam esta responsabilidade para que a iniciativa cresça e consiga se manter ao longo do tempo.

O projeto Livro em Roda teve início numa escola da comunidade Capim Açu em fevereiro de 1997. Assim como a maioria dos empreendimentos do modelo 1 da tipologia utilizada,  as professoras começaram com recursos próprios. O empreendimento começou atendendo apenas uma escola com aproximadamente 50 alunos e contava com um acervo de 80 livros adquiridos com recursos próprios ou doados por familiares das fundadoras. O carro utilizado era o meio de transporte pessoal das professoras e o combustível era pago com recursos próprios e doações de amigos e familiares que acreditavam na idéia.

Empreendedores não vão da causa para o efeito, mas sim do efeito para a causa (Sarasvathy, 2001).  As professoras de Conde não começaram mudando escolas, treinando professores etc. Criaram um método simples (uma alternativa) de atingir de forma imediata as crianças em idade escolar (o efeito buscado). O fato de ser uma biblioteca ambulante faz com que um número muito maior de crianças tenha acesso ao acervo. Além disso, as crianças não precisam buscar os livros, as educadoras buscam as crianças e o interesse pela leitura surge quase que de forma instantânea. A metodologia do projeto livro em Livro em Roda será apresentada de forma detalhada mais adiante. 

Como financiar este projeto? Como ter o reconhecimento da comunidade? Essas eram as principais questões a serem respondidas quando as professoras iniciaram a biblioteca ambulante.  Por ter contatos pessoais na secretaria de educação do município, a abertura das escolas para o projeto não foi um obstáculo.  Em menos de um ano, com muita dificuldade e contando apenas com amigos e familiares, as professoras conseguiram aumentar o acervo de livros e passaram a visitar mais algumas escolas.  No final do terceiro ano o projeto já atendia a 16 escolas com um total de 1500 alunos. As professoras já eram reconhecidas pela comunidade como “mulheres dos livros”. O reconhecimento veio pelo empenho e pela qualidade do serviço realizado. A mudança na sala de aula, o interesse pela leitura se deu de forma imediata. O engajamento dos alunos no projeto chamou a atenção dos professores da rede de ensino e aos poucos, várias pessoas da comunidade passaram a colaborar com o projeto. A prefeitura passou a colaborar com as despesas de combustível e logo veio o primeiro prêmio: o PROLER. Em seguida o projeto teve menção honrosa no prêmio Itaú – Unicef (1999 e 2001). O diferencial deste empreendimento é a eficiência do programa. O custo baixo e a forma simples de atuação conseguiram reverter o quadro educacional de um grande número de crianças em pouco tempo. O número de alunos atendidos e a média de empréstimos por aluno não param de crescer. Após 12 anos o projeto já atende escolas desde a educação infantil ao ensino médio e está presente em quatro municípios do estado da Paraíba.

Essa expansão do projeto se deu, assim como no modelo de Elkington e Hartigan (2007), por meio da participação dos beneficiários e pelo surgimento de novos interessados (nos outros municípios) em dar continuidade ao empreendimento. As professoras ainda coordenam a sede, mas não são mais responsáveis de forma direta pela manutenção e financiamento do projeto.

A metodologia do projeto e a forma pela qual se deu a participação da comunidade e o seu crescimento serão descritos a seguir.

4. A METODOLOGIA DO PROJETO LIVRO EM RODA

O Programa de incentivo à leitura consiste em duas partes: levar o material de leitura até as crianças e a apresentação regular de um texto. A partir do ensino fundamental, as crianças têm a oportunidade de ficar com o livro durante uma semana para que possam lê-lo no seu ritmo, no ambiente e horário de sua escolha.  A apresentação regular do texto consiste na leitura semanal de um livro por turma. O diferencial desta leitura na percepção das professoras e presente no discurso dos alunos é o fato de ser uma leitura sem cobranças. O aluno é livre para ouvir, sonhar, desenhar e comentar (caso tenha vontade). Não há tarefas ou qualquer tipo de interpretação de texto. A narração das histórias é feita por participantes do projeto e por beneficiários. Um grupo de alunos do ensino médio que tiveram acesso ao projeto enquanto estavam no ensino fundamental já atua na contação de histórias nas escolas de educação infantil. O transporte para a realização destas atividades e o fornecimento de livros para a narração são fornecidos pelo projeto.

Fica evidente a passagem do empreendimento centrado nas professoras responsáveis para um projeto mais amplo, mantido pela comunidade e por “alianças estratégicas”. Conforme ressaltado neste texto, o financiamento inicial foi feito com recursos próprios. Mas, a partir do segundo ano apareceram as primeiras “alianças estratégicas”.  O modelo de “efeituação” de Saravasthy (2001) dá ênfase ao conceito de alianças estratégicas, como uma maneira de reduzir ou eliminar incertezas num determinado campo de ação de um empreendimento.  No caso do Projeto Livro em Rodas, a primeira parceria firmada foi com a prefeitura do município de Conde e em seguida com a Stichting Dleutercentra Vrienden Brazilie (SKVB). Após a ampliação do projeto foram firmadas parcerias (alianças estratégicas) com a prefeitura do município de Assunção e com a UNESCO.

Após estabelecer alianças estratégicas, o foco passou a ser a ampliação do trabalho e desenvolvimento de uma metodologia própria. O projeto de incentivo à leitura segue uma metodologia de trabalho bastante simples. Em linhas gerais, essa metodologia adota algumas diretrizes básicas: (1) as atividades de leitura são desenvolvidas, de comum acordo com a direção e com as professoras das escolas, na própria sala de aula; (2) cada escola que faz parte do projeto é visitada uma vez por semana, pela biblioteca ambulante; (3) cada livro é catalogado e possui uma ficha de empréstimo onde são anotados o nome da escola, o nome da criança, a série e a data de devolução. Os livros são identificados e categorizados a partir de algumas convenções. São afixados nos livros pequenos adesivos nas cores branca, vermelha, verde, azul e amarelo que obedecem a seguinte simbologia: (a) adesivo branco é usado para livros sem texto verbal e livros ricamente ilustrados, recomendados para crianças ainda não alfabetizadas ou em fase de alfabetização; (b) adesivo vermelho é usado para livros com histórias curtas e ainda com bastante ilustração, indicados para crianças em fase de alfabetização; (c) adesivo verde, livros com histórias mais longas e ainda com ilustrações, recomendados para crianças alfabetizadas; (d) adesivo azul, livros com pouca ou nenhuma ilustração, textos mais longos, aconselhados para aqueles leitores que já possuem a prática e prazer pela leitura, de forma mais autônoma; (e) adesivo amarelo, livros informativos. É preciso acrescentar que essa categorização visa apenas facilitar o trabalho dos educadores do projeto na indicação e sugestão de livros e, inclusive, na hora da separação dos livros em caixas de plástico que também possuem essas cores. Evidentemente nada impede que os alunos-leitores subvertam essas categorias. O respeito às escolhas dos alunos faz parte de uma metodologia que visa à formação de leitores autônomos e cidadãos conscientes, fato que evidentemente não os exime da tarefa de informar, aconselhar, sugerir. A experiência tem demonstrado que alguns alunos, mesmo ainda não tendo acesso ao texto escrito, guiados pelas ilustrações que os encantam, escolhem livros que, em princípio, não seriam indicados para eles; outros levam livros para que os pais ou os irmãos mais velhos leiam.

Os encaminhamentos atualizados a cada semana de visitas às escolas são os seguintes: (1) logo que se chega à sala de aula, a primeira atividade a ser desenvolvida é o recebimento dos livros emprestados na semana anterior; (2) em seguida, passa-se a leitura de histórias para o grupo, desenvolvida pelas educadoras ligadas ao projeto ou por algum aluno que se disponha a fazê-lo; (3) a fase de empréstimo dos livros é a última a ser desenvolvida, com caixas de livros espalhadas pela sala de aula (ou no pátio da escola). Cabe aos alunos a tarefa de escolher o livro com o qual ficarão por uma semana. Nessa fase, comumente as crianças trocam informações: sugerem, recomendam algum livro, desencorajam a escolha de outros, solicitam ou dão informações sobre o conteúdo da história.

Enfim, é um momento de troca de experiência de leitores em que flui a sua autonomia, criatividade e inventividade. Os funcionários das escolas atendidas também com freqüência participam ativamente desse momento, não apenas auxiliando, sugerindo leituras, mas também escolhendo livros para lerem. Essas são atividades que acompanham a rotina do projeto. Eventualmente, respeitando o horário disponível cerca de uma hora em cada sala de aula e a rotina estabelecida pela própria escola, também se desenvolvem atividades como: brincadeiras relacionadas às histórias lidas/contadas; criação de histórias com as crianças quer seja oralmente, por escrito ou através de desenhos; resgate de história oral, contadas na comunidade; confecção artesanal de livros, cartões etc.

Em depoimentos, professoras fazem constantes referências à contribuição que essa prática trouxe para a realidade da sala de aula e para a aquisição dos conteúdos de ensino. No entanto, torna-se necessário acrescentar que o foco é a formação de leitores que sintam prazer pela leitura, que não a vejam apenas como uma tarefa escolar a ser cumprida.  A preocupação é desenvolver uma adesão mais espontânea por parte do aluno, sem pressão ou objetivos meramente escolares para a leitura. A prática tem demonstrado que, mesmo sem a obrigatoriedade e sem receber nota para ler, os alunos revelam uma assiduidade no empréstimo de livros surpreendente. O índice de alunos que semanalmente retira livros chega a 90% ou mais e é grande o número de livros em circulação. Há perda/danificação de exemplares, mas é um número pequeno e de acordo com a professora responsável pelo projeto: “aceitável (mas uma perda aceitável com objetivo de gerar o efeito desejado)”.

Os próprios alunos (beneficiários) contribuem para que o número de leitores aumente, quando passam a incentivar os colegas, sugerem livros, comentam as leituras realizadas ou levam livros para os pais ou irmãos lerem (o efeito começa a atingir a causa). Outro dado a considerar é a diversidade de títulos a que os alunos têm acesso. Esse é um aspecto que sustenta o sucesso do projeto e revela o nível de autonomia dos próprios leitores que reclamam quando há poucos livros nas caixas ou há bastantes livros que já leram, diminuindo a possibilidade de escolha. Essa experiência demonstra, por um lado, que o prazer pela leitura é uma prática que carece de condições mínimas como a presença de livros; por outro, que é preciso não negligenciar a função de quem se dispõe a ser um agente de formação de leitores. A disposição de encantar, comover e conquistar leitores, não é tarefa menor.

Evidentemente, um projeto empreendedor pretende ver a sua ação ampliada; necessita ter seu acervo bibliográfico constantemente ampliado e renovado, precisa ter ações concretas que resultem, no mínimo, na ampliação e reposição de sua ferramenta básica (o acervo bibliográfico) e na ampliação de seu quadro de pessoal por meio da qualificação de agentes multiplicadores. Esta ampliação e a renovação são garantidas por meio de doações e das alianças estratégicas estabelecidas. O projeto continua crescendo e já chegou a municípios mais distantes da sede. Um livro com a metodologia de trabalho foi desenvolvido e alguns agentes das novas comunidades foram treinados para que o projeto se desenvolva sob responsabilidade exclusiva dos beneficiários (inclusive para buscar novas alianças estratégicas).

Atualmente, o projeto possui uma pequena sede no centro do município de Conde onde há uma biblioteca e uma sala de atividades para jovens da comunidade. São oferecidas aulas de informática a um pequeno grupo de jovens que tiveram acesso ao projeto ao longo do ensino fundamental e hoje atuam como contadores de história. Mesmo sendo uma sede fixa, o a idéia de ir até o aluno se mantém: o transporte destes jovens é feito pela mesma caminhonete que visita a escolas. Há um processo de diversificação de atividades e ampliação do número de beneficiários em curso. Não é somente por meio de aulas de informática, mas também através da narração de histórias para adultos. Na perspectiva de Saravasthy (2001), a causa cada vez mais é atacada pelo efeito.

Esta seção apresentou a metodologia do projeto, a próxima seção trará uma breve análise da evolução do sistema educacional do município.

5. CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO E O ENSINO NO MUNICÍPIO DE CONDE

Os alunos participantes do projeto Livro em Roda são carentes, tanto financeiramente quanto de material escrito, o que pode dificultar a atribuição de significados à leitura de textos. O projeto é um espaço onde os alunos podem vivenciar uma prática textual intensa e múltipla, o que os tornam leitores mais envolvidos e proficientes.

Embora o empreendimento tenha como foco a prática da leitura e não o ensino formal, o desenvolvimento do gosto pela leitura traz enormes benefícios para o aprendizado, para a sala de aula e para a comunidade como um todo. As redes de alianças que se constituíram a partir do empreendimento fizeram com que a escola se tornasse de fato um elemento próximo à comunidade, um espaço de integração, de troca de experiências e acima de tudo de aprendizagem.

Existem inúmeras experiências que comprovam os benefícios da participação da comunidade na escola como, por exemplo, o Programa Abrindo Espaços (Athias, 2006) por essa razão a abordagem terá como foco a contribuição para o produto final da educação, isto é, a aprendizagem dos alunos.

A leitura e as competências leitoras têm ocupado espaço considerável na educação e na mídia brasileira. Em 2003, o Brasil obteve desempenho insatisfatório no PISA - Programa Internacional para Avaliação de Estudantes, ocupando o 37º lugar na avaliação de leitura. Além da avaliação internacional, os resultados dos exames de proficiência nacionais como o SAEB e a Prova Brasil também são insatisfatórios.

Nesse sentido, inúmeras ações têm tentado mobilizar escolas, professores, diretores e a sociedade para mudar este quadro. Destacam-se o PNLD - Programa Nacional do Trabalho Didático, campanhas como "Literatura em Minha Casa”, prêmios como o “Viva Leitura” e especificamente no meio rural o Programa Arca das Letras. Estas iniciativas mostram algo em comum: a utilização de textos literários e a proposta para o uso de diversos tipos de textos nas ações voltadas para leitura. No entanto, nota-se que as instituições de ensino encontram dificuldades em fazer uso da literatura como objeto de leitura.

Além do trabalho com os tipos de linguagens, o Livro em Roda trabalha com o uso não artificial da língua, o que faz com que os alunos percebam a relevância do que se lê, pondo fim ao imaginário de que todo texto será utilizado na aula, ou só para responder algumas perguntas sobre compreensão e interpretação, como comumente ocorre nas escolas. Nas leituras feitas no âmbito do Projeto, as escolhas dos textos não são para fazer uma avaliação ou responder uma ficha de leitura, mas sim para desenvolver o hábito da leitura significativa ou interagir de forma mais prazerosa com os textos narrativos. E está aí uma das diferenças entre a leitura no projeto e a leitura na escola.

Como já exposto nesse trabalho, houve uma significativa melhora nos indicadores educacionais do município como a distorção idade-série e a taxa de atendimento do ensino fundamental. De acordo com dados do Censo Escolar 2009 a rede de ensino do município atende a 4454 alunos de um total de 6836 alunos (considerando todas as redes). Logo, 65% do atendimento é responsabilidade municipal.

No entanto, somente esses indicadores não são suficientes para mensurar a qualidade de um sistema de ensino. É possível aumentar o acesso e não a aprendizagem, a busca pela quantidade associada à qualidade tem sido constante no sistema educacional brasileiro. Uma rede educacional que reprova sistematicamente seus estudantes fazendo com que grande parte deles abandone a escola antes do tempo não é desejável. Tampouco pode ser considerado satisfatório um sistema que aprove seus alunos ao mesmo tempo em que permite que estes saiam da escola sem ter adquirido o nível de conhecimento apropriado (o que reduziria a distorção idade-série).

Com objetivo de combinar estas informações para que seja possível avaliar de fato o ganho de qualidade da rede de ensino será utilizado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O IDEB é calculado por meio da combinação das notas padronizadas da Prova Brasil  e da taxa média de aprovação dos alunos. Logo, combina informações referentes ao desempenho dos alunos com dados de fluxo escolar (promoção, repetência e evasão). O Quadro 1 apresenta os resultados do município em análise.

Quadro 1. O IDEB do Município de Conde

Ensino Fundamental

IDEB Observado

Metas Projetadas

2005

2007

2007

2009

2011

2013

2015

2017

2019

2021

Anos Iniciais

2,8

3,2

2,9

3,2

3,6

3,9

4,2

4,5

4,8

5,1

Anos Finais

2,6

2,9

2,6

2,8

3,1

3,5

3,9

4,1

4,4

4,7

Fontes: Prova Brasil e Censo Escolar

Observa-se que o município teve um ganho expressivo entre os anos de 2005 e 2007 tendo inclusive atingido as metas projetadas para 2009 no ano de 2007. Cabe ainda a ressalva de que o projeto teve inicio nove anos antes e que sua maior atuação foi na área rural. As escolas da área rural não são avaliadas pela Prova Brasil e, conseqüentemente, a melhora do ensino nesses estabelecimentos não foi mensurada pelo índice. Acredita-se que o aumento de qualidade nas áreas atendidas desde o inicio do projeto seja maior do que o aqui exposto, entretanto, faltam dados que nos permitam mensurar esse ganho.

6. COMENTÁRIOS FINAIS

Este estudo analisou o processo de desenvolvimento de um Empreendimento Social com foco na inovação e nos arranjos sociais que tiveram impacto direto no quadro educacional da área rural do estado da Paraíba. A participação da comunidade foi fundamental para o êxito dessa iniciativa.

O empreendedorismo social foca no efeito e por meio deste combate a causa. O processo começa por meio de pequenas mudanças que aos poucos alavancam todo o sistema e possibilitam grandes mudanças no longo prazo. O empreendedor social, como no caso do projeto analisado, muitas vezes começa por conta própria, utilizando recursos próprios, mas, assim como o empreendedor de negócios, constrói alianças estratégicas e aos poucos perde o lugar central que passa a ser ocupado por membros da comunidade e beneficiários em geral.

Assim, o projeto cresce, diversifica o escopo de atuação e consegue gerar uma grande transformação nas comunidades atendidas. O trabalho evidencia o poder de transformação que uma simples idéia explorada por um empreendedor, pode ter na educação de uma comunidade.

O que a experiência nos mostra é que mesmo na ausência de recursos é possível inovar, mobilizar a comunidade, conquistar a participação e assim obter um melhor resultado de um determinado serviço. Resultado este que beneficiará toda a comunidade. No caso de Conde, a formação de novas redes, a abertura das escolas e a prática de leitura tiveram impacto direto no ganho de qualidade do produto final da educação do município, isto é, no aprendizado dos alunos.

Referencias bibliográficas

Athias, G (2006). Dias de Paz: a abertura das escolas paulistas a comunidade. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0017/001785/178541POR.pdf

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