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EDUCAÇÃO E EPISTEMOLOGÍAS. O CONTRIBUTO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NA
(DES) CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO-EMANCIPAÇÃO

 


Boaventura de Sousa Santos refere-se aos Orçamentos Participativos (OP) como “uma iniciativa urbana orientada para a redistribuição dos recursos da cidade a favor dos grupos sociais mais vulneráveis, através dos meios da democracia participativa” (Santos, 2003: 377). Ao enquadrarmos em projecto de tese os orçamentos participativos e o movimento das cidades educadoras como espaços que permeiam a educação na cidadania, propomo-nos compreender, no presente artigo, como é que estes movimentos sociais{1} despertam novas epistemologias, isto é, novas formas de conhecimento que se desenvolvem, essencialmente, a partir de experiências originárias do Sul (Santos, 2010a).

A partir da teorização do conceito de cidadania, pretendemos abordar a problemática: educação e epistemologias.

Importa, assinalar o interesse da análise dos Orçamentos Participativos para a compreensão e interpretação da diversidade epistemológica, uma vez que este Projecto se alicerça na construção de saberes voltados para uma prática emancipatória reconhecida na lógica de um paradigma emergente que

“Inclui todas as formas alternativas de sociabilidade doméstica (...), baseadas na (...) autoridade partilhada (...) e na democratização do direito doméstico [que impele para] o novo senso comum emancipatório do espaço doméstico [baseado] numa  tópica retórica orientada pelos topoi da democracia, da cooperação e da  comunidade efectivas” (SANTOS, 2000: 311-312).

O Orçamento Participativo manifesta-se, então, como alicerce local de uma comunidade doméstica cooperativa (Santos, 2000).

Reconhecida no mundo inteiro, a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre{2} é um marco importante  para o enquadramento das novas políticas públicas de gestão do espaço urbano, em particular das cidades, e dos seus cidadãos e cidadãs, na medida em que se torna num movimento de participação e de proximidade para aqueles que, no entendimento de Santos (2003), são grupos socialmente mais vulneráveis ou como nos diz Paulo Freire se encontram oprimidos.

(...) “O que se sente, dia a dia, com mais força aqui, menos  ali, em qualquer  dos  mundos em que o mundo se divide, é o homem simples esmagado, diminuído e  acomodado, convertido em espectador, dirigido pelo poder dos mitos que forças  sociais poderosas criam para ele” (Freire, 1967: 45).

Pelo Orçamento Participativo o cidadão e a cidadã encontram, na sua vida na cidade, um espaço que se predispõe a escutar e a atender às manifestações básicas que potenciam o município, em torno de uma rede de cuidados que permeia a coesão social, por intermédio de uma gestão pública equitativa. O Orçamento Participativo concretiza-se como uma ferramenta da cidade que educa, uma vez que

“É uma forma de gestão pública que procura romper com a tradição autoritária e  patrimonialista das políticas públicas, recorrendo à participação directa da população em diferentes fases da preparação e da implementação orçamental, com uma preocupação especial pela definição de prioridades para a distribuição dos recursos de investimento” (SANTOS, 2003: 384).

1. O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NO REDESENHAR DO CONCEITO DE CIDADANIA

Neste entendimento, importa compreender o conceito de cidadania, enquadrando-o na perspectiva do Orçamento Participativo e do seu locus de acção: a Cidade. Assumindo que o OP “transformou a cultura política das organizações comunitárias, que passou de uma cultura do protesto e da confrontação para uma cultura política do conflito e da negociação” (Santos, 2003: 426), compreende-se o papel fulcral dos cidadãos na condução dos processos de diálogo que mediaram a construção de um Programa Social, o OP, em prol daqueles que habitam a cidade. Desvelam-se as precariedades sociais e parte-se delas para a (des)construção de um espaço social mais justo.

O conceito de Cidadania “(...) evokes the idea of belonging to some sort of community or socio-political entity (...) it suggests a status that has been historically linked to nationality” (Palacios, 2004: 383).  Contudo, as fronteiras entre as Nações transformaram-se. Hoje, estamos conectados das mais diversas formas, mesmo virtualmente, e o apelo à mobilização dos cidadãos pelos mais diversos territórios mundiais, não só é mais criativo, como também tornou-se mais facilitado, o que impele a reconstrução do conceito de cidadania. Verificamos que

“A mobilidade das pessoas através das fronteiras nacionais aumentou ainda mais no último século e meio, devido aos avanços tecnológicos e à intensificação do capital, bem como dos fluxos de comércio que o mundo tem testemunhado nas últimas décadas”{3}(PALACIOS, 2004: 384). 

A definição tradicional de cidadania, subordinada no entender de Yasemin Soysal ao modelo de Estado-Nação, “pressupõe a existência de actores, cujos direitos e identidades são consubstanciados dentro dos limites de colectivos nacionais”(Soysal, 1994: 1).

No seu entender, esta perspectiva encontra-se descontextualizada a partir da “experiência dos imigrantes do pós-guerra na Europa, e por outro lado, revela que as práticas contemporâneas de cidadania estão cada vez mais dissociadas da pertença ao colectivo nacional” (Soysal, 1994: 1).  Compreende-se que os limites da cidadania já não se encontram localizados no interior do Estado-Nação. Em contrapartida constrói-se uma cidadania concertada entre uma dimensão local e uma dimensão transnacional.

No entendimento de Soysal estamos perante dois paradoxos fundamentais para a compreensão e desvelamento das actuais formas de construção da cidadania. Por um lado, a crescente dissociação entre conceitos-chave para a formação da cidadania, como são os conceitos de direitos e de identidades, e, por outro, a novas formas de mobilização e de reivindicação colectiva legitimadas através de “discursos universalistas da pessoalidade” (Soysal, 1994: 1).

Neste enquadramento, a “identidade ocupa um lugar fundamental nas narrativas de actores individuais e colectivos. (...) As identidades tornam-se cada vez mais expressivas, autorizando, por vezes, os nacionalismos étnicos e as declarações de grupo particularistas de vários tipos”{4} (Soysal, 1994: 3).  Assim, a cidade, cada vez mais entendida como um espaço cosmopolita, se confronta com a necessidade de incluir o cidadão em espaços emancipatórios, que sabedoramente acolham a diferença. Soysal afirma, todavia, que:

“Citizenship defines bounded populations, with a specific set of rights and duties, excluding ‘others’ on the grounds of nationality. Yet guestworkers, who are formally and empirically constituted as aliens within the national collectivity, are nonetheless granted rights and protection by, and thus membership in, a state that is not “their own”(SOYSAL, 1994: 2).

Para Paulo Freire estamos perante uma sociedade que possui o seu centro de decisão fora dela, isto é, uma sociedade

“Reflexa na sua economia. Reflexa na sua cultura. Por isso alienada. Objecto e não  sujeito de si mesma. Sem povo. Antidialogal, dificultando a mobilidade social vertical ascendente. (...) Comandada por uma elite superposta a seu mundo, ao invés de com ele integrada” (FREIRE, 1967: 48-50).

É neste entendimento que poderemos assumir as novas formas de gestão pública da cidade, por intermédio dos OP, a uma nova governança do poder autárquico que se assume socialmente responsável e como tal, na perspectiva de Juan José Palacios, como uma “cidadania corporativa [definida] como uma filosofia e uma prática que visa ganhar a confiança pública e a legitimidade” (Palacios, 2004: 391).

A experiência do OP configura uma gestão autárquica comprometida com o cidadão e cuja acção vê-se legitimada por este, no âmbito dos processos de accountability (prestação de constas) e de transparência a que o processo compromete-se. O OP caracteriza “um modelo de co-governação, ou seja, um modelo de partilha do poder político mediante uma rede de instituições democráticas orientadas para obter decisões por deliberação, por consenso e compromisso” (Santos, 2003: 437).
Neste prisma, perspectiva-se uma aproximação ao cidadão, independentemente do seu grau de pertença ao território nacional, uma vez que o pilar base de construção deste Programa Social é o acolhimento das minorias e a inclusão das diferenças, dos “aliens” (Soysal, 1994) e dos socialmente oprimidos (Freire, 1967,  2005).

Desta forma, muito embora a componente política pareça estar imersa na organização do Orçamento Participativo, por estar em correlação a satisfação das necessidades proferidas pela comunidade e a capacidade da autarquia em encontrar formas eficazes e competentes para a sua concretização, é facto que o OP, também, contribui para a (des)construção das práticas culturais da cidade. A este respeito, diz-nos Carlos Alberto Torres (2001) que:

“Se entendemos política como uma luta de poder, estes movimentos sociais não deveriam ser interpretados exclusivamente em termos políticos, uma vez que eles também representam práticas culturais e morais centralizadas na construção de  identidades e espaços colectivos” (p. 147).

Assim, os Orçamentos Participativos apresentam-se como um espaço onde o próprio conceito de cidadania apresenta-se transformado. O movimento do OP como que se transforma numa “corporate citizenship [cidadania corporativa]” (Palacios, 2004) legitimado pelos cidadãos e pelo governo da cidade. Perspectiva-se que esta “constelação institucional” (Santos, 2003: 444) conceba novas formas de repensar a cidadania defrontando “(...) a prevalência da lógica dos direitos de propriedade sobre a lógica dos direitos pessoais, e os fundamentos dos direitos humanos como base para a igualdade e a justiça” (Torres, 2001: 146).

Ao campo epistemológico e ontológico da formação do conceito de cidadania demonstra-se pertinente uma aproximação a Ulrich Beck (2002) e ao enquadramento da sociologia cosmopolita. Para Beck (2002) reconhecendo que as fronteiras “já não são predeterminadas, mas escolhidas (e interpretadas) e simultaneamente  redesenhadas e relegitimadas”{5} (Beck, 2002: 19) destaca-se, com relevância, uma abordagem metodológica diferenciada, a partir de uma sociologia cosmopolita que “impõe questões fundamentais de redefinição, reinvenção e reorganização”{6} (Beck, 2002: 21).

Esta nova sociologia do espaço público que nos é proposta por Beck (2002) reforça o enquadramento epistemológico de Boaventura de Sousa Santos (2000, 2003, 2010b) ao questionar o paradigma dominante e a sua indiferença face ao conhecimento que se (des)constrói no Sul, naquele mesmo Sul geográfico que viu nascer o Projecto do Orçamento Participativo em 1989, no Brasil.

A abordagem sociológica que os OP e as Cidades Educadoras contemplam são, por natureza, espaços propícios e propiciadores de diálogo, de confrontação e de dialéctica que exigem do cidadão a capacidade de tornar compreensível e inteligível aquilo que para o Outro é diferença e no pior dos alinhamentos, exclusão. Este princípio teórico é operacionalizado em Palmela pelas Reuniões Públicas descentralizadas, entre o Executivo e os cidadãos. O objectivo é reforçar o diálogo comunitário, para, partindo dele, aperfeiçoar as práticas de governança local, tornando os projectos públicos aprovados, claramente alinhados com as necessidades locais.

Neste sentido, e reforçando o papel das Cidades Educadoras na formação cívica dos seus cidadãos, bem como do OP como processo de abertura à participação cidadã, encontramos no Relatório Mundial da UNESCO – “Investing in Cultural Diversity and Intercultural Dialogue” – um reforço do princípio da governança democrática das sociedades a partir de processos de empowerment ao sustentar o seguinte:

“Building cohesive societies requires developing and implementing policies that ensure empowerment of all groups and individuals, as well as their political participation. Power-sharing arrangements, such as consensus democracy, should be complemented by empowerment policies in the fields of education, culture and the media” (UNESCO, 2010: 29).

2. O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO COMO EXPRESSÃO SOCIAL DE UM CONHECIMENTO-EMANCIPAÇÃO

E porque falamos em Educação e Epistemologias importa enquadrar o OP como ferramenta que despoleta o conhecimento-emancipação associado ao Sul. Sul que é definido

“Como o metatopos que preside à constituição do novo senso comum ético [e] como uma metáfora cultural [que preside enquanto] um lugar privilegiado para a escavação arqueológica da modernidade, necessária à reinvenção das energias emancipatórias e da subjectividade da pós-modernidade” (SANTOS, 2000: 340).

Tal como propõe-nos Boaventura de Sousa Santos é importante estarmos alerta para a necessidade de “aprender que existe um Sul”, reconhecendo o oprimido e o opressor, para que consequentemente possamos “aprender a ir para o Sul” experienciando uma praxis que nos permita “aprender a partir do Sul e com o Sul” (Santos, 2000: 342).

Ficamos confrontados com a necessidade de desenvolver-se a competência intercultural (intercultural competence) do cidadão, definida como “a capacidade de interagir efetivamente com pessoas de culturas que reconhecemos como sendo diferentes da nossa”{7}, o que nos persuade a compreender que a eficácia e competência transversal daquela interacção cultural significa “accomplishing a negotiation between people based on both culture-specific and culture-general features that is on the whole respectful of and favourable to each” (Guilherme, 2000: 297).

Pretende-se, na linha de Young Yun Kim (2001, 2008) a construção de uma pessoa (pessoalidade{8}) intercultural que emerge a partir de uma “luta contínua que pretende buscar a autenticidade em si e dos outros através das fronteiras entre grupos”, num  “trabalho através de todas as experiências culturais” (Kim, 2001: 196) para a criação de novos constructos culturais. O conceito de pessoa intercultural, apresenta-se, assim, como “uma forma de relacionamento consigo mesmo e com os outros que é construída sobre uma concepção dinâmica de identidade, adaptável e transformadora - que conjuga e integra, ao invés de separar e dividir”{9}(Kim, 2008: 360).

Neste sentido, concertamos a perspectiva de Boaventura de Sousa Santos (2000) sobre a necessidade de “aprender que existe um Sul”, de “aprender a ir para o Sul” e de “aprender a partir do Sul e com o Sul”, com a perspectiva ontológica do aprender a ser um sujeito intercultural de Young Yun Kim (2001, 2008). Partindo da posição de Geof Alred, Michael Byram e Mike Fleming (2003), compreendemos que para “aprender a partir do Sul e com o Sul” (Santos, 2000) o sujeito cognoscente, aquele que se predispõe a aprender com o Outro, necessita de imbuir-se daquilo em que consiste um ser intercultural (being intercultural). De acordo com os autores,

“Being intercultural (...) is the capacity to reflect on the relationships among groups and the experience of those relationships [, isto é,] the awareness of experiencing otherness and the ability to analyse the experience and act upon the insights into self and other which the analysis brings” (ALRED, BYRAM E FLEMING, 2003:  4).

Embora dependente de uma identificação mútua, esta dinâmica intercultural, que permite o reconhecimento do Outro, da Alteridade (ou Outridade), e a partir dele a emancipação de um cidadão que se pretende interculturalmente esclarecido e crítico, fomenta a (des)construção da cidade em movimentos sociais democráticos. Apreendemos o facto de que “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu” (Freire, 2009: 41).

Tornamo-nos pessoas interculturais porque nos afirmamos por uma praxis que verdadeiramente acolhe outras identidades. É um exercício de cidadania, para o qual a agenda política deverá estar focalizada. Importa alertar para a realização de estudos sobre as identidades, enquanto aspecto fulcral na construção de uma nova teoria do multiculturalismo, tal como nos é apresentado por Tariq Modood:

“While societal effort, including from dominant groups, will be required to formulate appropriate policies and adjust social relations, this movement from ‘inside’, these identity discourses are critical in the formation of a multiculturalist society” (MODOOD, 2007:  42).

Uma vez mais, o OP manifesta-se como um exercício de cidadania, entendida por Moacir Gadotti “essencialmente [como] consciência de direitos e deveres e exercício da democracia” (Gadotti, n.d.: 1), que desenvolve a competência intercultural do cidadão em processos de negociação que se alicerçam na gestão de conflitos, que se apresentam pelas diferentes identidades em diálogo. Confrontamo-nos com “novos espaços para uma política cosmopolita, para diálogos interculturais, para a defesa da autodeterminação e da emancipação, espaços possibilitados pela globalização das práticas sociais” (Santos,  2000: 307).

O OP aproxima-se à necessidade do estudo das identidades (Modood, 2007), bem como à importância do desenvolvimento das práticas de cidadania para a emancipação de pessoas interculturais (Kim, 2001, 2008), na medida em que é uma ferramenta cívica ao serviço dos governos locais, para capacitar a acção da cidade em prol dos direitos dos cidadãos, da justiça social e de uma democracia maximizada na qualidade.

Este redesenhar das práticas suscita uma alternativa ao nível das epistemologias. O OP, entendido como campo gerador de conhecimento-emancipação, permeia a praxis de uma ecologia dos saberes, entendida como “um conjunto de epistemologias que partem da possibilidade da diversidade e da globalização contra-hegemónica e pretendem contribuir para as credibilizar e fortalecer” (Santos, 2010b: 143).  O OP ao permitir o esbatimento das fronteiras entre o poder Executivo e os munícipes, pelos momentos concertados de diálogo que os processos de consulta pública vão possibilitando, é gerador de conhecimentos-emancipação pela funcionalidade e utilidade das práticas e instrumentos que produz.

Defendendo a ideia de que a ciência moderna ocidental “arrasou, marginalizou ou descredibilizou todos os conhecimentos não científicos que lhe eram alternativos, tanto no Norte como no Sul” (Santos, 2010b: 143), a ecologia de saberes  apresenta-se balizada do seguinte modo: por um lado diz-nos que “não há epistemologias neutras”, e por outro, que “a reflexão epistemológica deve incidir não nos conhecimentos em abstracto, mas nas práticas de conhecimento e seus impactos noutras práticas sociais” (Santos, 2010b: 143).

E porque o lado inovador do OP está centrado precisamente nas práticas sociais e no conhecimento em concreto que lhes é atribuído, urge argumentar algumas das teses elencadas por Boaventura de Sousa Santos aquando o enquadramento da ecologia de saberes como “a epistemologia da luta contra a injustiça cognitiva” (Santos, 2010b: 146) da qual assenta a injustiça social.

Admitindo formas diferentes de conhecimento e salvaguardando que “o reconhecimento da diversidade cultural não [significa] necessariamente o reconhecimento da diversidade epistemológica do mundo” (Santos, 2010b: 145), a ecologia de saberes adverte-nos para o facto de que “as crises e as catástrofes produzidas pelo uso imprudente e exclusivista da ciência são bem mais sérias do que a epistemologia científica dominante pretende” (Santos, 2010b: 146) ou não estivéssemos a viver o incumprimento das promessas da Modernidade{10} (Santos, 1999).

Não nos esqueçamos que “se a modernidade se define como fé incondicional no progresso, na técnica, na ciência, no desenvolvimento económico, então esta modernidade está morta” (Morin, 2002: 76).  Há que estabelecer um rumo ao back to basics; às origens dos erros, das ilusões e das cegueiras do próprio conhecimento científico como dos paradigmas que ditam os pressupostos das ideologia(s) dominante(s), tal como nos propõe Morin (2002).

“O egocentrismo, a necessidade de autojustificação, a tendência para projectar noutro a causa do mal fazem que cada um minta a si próprio sem detectar, no entanto, esta mentira de que é o outro” (Morin, 2002: 26).  Enquanto, tal erro desumanizar, estaremos afastando-nos do potencial de aprendizagens que o Sul nos reserva. Não por ser o outro, ou tão somente, a alternativa; mas essencialmente porque no seu reconhecimento contempla-se uma maior capacidade de entendimento da diferença, da opressão e das vias emancipatórias de um outro mundo de potências.

Do incumprimento da Promessa da Igualdade (Santos, 1999) estrutura-se, também, a importância do Orçamento Participativo na dinamização da cidade e da política de governação local, ao promulgar-se por práticas sociais, os direitos da cidadania, entre eles a democracia e a igualdade de oportunidades, que como vimos com Freire (1967; 2005), necessitam de dinâmicas conscientizadoras e alternativas face à leitura que fazemos do Mundo.

A este respeito, o do incumprimento da Promessa da Igualdade, saliente-se que para a ecologia de saberes “em igualdade de circunstâncias deve preferir-se a forma de conhecimento que garanta a maior participação dos grupos sociais envolvidos na concepção, execução, controlo e fruição da intervenção” (Santos, 2010b: 148).  O OP é o espaço social estratégico que permeia tal forma de conhecimento. Ele é, por definição, o pilar base para a participação dos cidadãos na (des)construção dos diversos sistemas que compõem a cidade e a governação local.

Neste contexto, destacamos a experiência do Orçamento Participativo no Concelho de Palmela onde as Reuniões Públicas de Informação e Debate sobre o Plano de Actividades e Investimentos Municipais representam um espaço importante de participação cidadã. Os Palmenses são chamados a participar, salvaguardando o princípio da democracia representativa que a Constituição da República Portuguesa apresenta. Por outras palavras, as pessoas são convidadas a participar no processo de decisão, mas não a decidir em nome da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal. Para a Câmara Municipal este processo de diálogo serve para que os seus projectos sejam cada vez mais focalizados em torno daquelas que são as reais necessidades do Concelho, uma vez escutadas as suas posições sobre os investimentos camarários.

Apresentam-se, desta forma, como principais aspectos subordinados à participação das pessoas nas Reuniões Públicas (descentralizadas, isto é, realizadas pelas cinco freguesias do Concelho, a saber, Palmela, Marateca, Poceirão, Quinta do Anjo e Pinhal Novo) os seguintes:

“[Contribuir] para diminuir as possibilidades de erros ou omissões. [Auxiliar] o trabalho de definição de prioridades. [Aumentar] o grau de compromisso entre eleitos e população, permitindo um processo regular de informação e prestação de contas directamente às pessoas. [Melhorar] a informação de que os serviços municipais dispõem sobre cada localidade” (ORÇAMENTO PARTICIPATIVO PORTUGAL, 2011).

Neste cenário, compreende-se que se exija ao cidadão uma maior plasticidade, na forma e no conteúdo, como interage com os outros e como a partir daí lê e interpreta o Mundo. Como é enquadrado por Young Yun Kim, a plasticidade aqui referida, refere-se à “capacidade de aprender e mudar através de novas experiências, destaca-se como uma das características mais profundas da mente humana e como a própria base sobre a qual os indivíduos adquirem uma identidade”{11} (Kim, 2008: 362-363).

Parece-nos compreensível que o sucesso das práticas sociais emergentes do OP necessitam desta habilidade do cidadão que facilita a sua comunicação com as diversas dimensões da cidade, uma vez enquadrados como sistemas abertos, cuja entropia (Bertalanffy, 1975) vê-se minimizada pelos processos de troca de informação entre aqueles que ocupam o espaço social e a ele se adaptam e transformam. Presenciamos, desta forma, o facto de que “a ecologia de saberes tem de ser produzida ecologicamente [ou seja] com a participação de diferentes saberes e seus sujeitos” (Santos, 2010b: 146).

Vemos que “uma característica (...) dos novos movimentos sociais é seu enfoque cognitivo e ideológico em repensar os paradigmas sociais e culturais preexistentes como parte de uma política de identidade” (Torres, 2001: 150). O Orçamento Participativo, enquanto movimento social{12} que reforça e promove a cidadania democrática, legitima a cidade em torno da correcção das desigualdades e na promoção de identidades.

Perspectiva-se com a aplicação do OP uma mudança social como resultado de uma transformação na gestão da cidade, encabeçada por um novo desenho ideológico, em que o cidadão vê reforçado o seu papel activo e essencial na (des)construção daquele espaço.

Esta pluralidade de sujeitos em interacção reforçam a importância e a aplicabilidade da ecologia de saberes, uma vez que, como esta nos alerta, “a existência de múltiplas bússolas faz com que a vigilância epistemológica se converta no mais profundo acto de reflexividade” (Santos, 2010b: 153).  A cidade mostra-se, assim, compreendida a partir das suas diversas histórias de vida, perspectivando outros horizontes que possibilitem a aceitação de outras identidades, de outras práticas sociais que limitem a acção dos mecanismos da opressão.

Não nos esqueçamos que “a opressão é sempre o produto de uma constelação de saberes e de poderes” o que importa ver reforçado o facto de a ecologia de saberes propor-se “facilitar a constituição de sujeitos individuais e colectivos que combinam a maior sobriedade na análise dos factos com a intensificação da vontade da luta contra a opressão” (Santos, 2010b: 152).

O OP, pela dinâmica de trabalho que acolhe, potencia esse diálogo e reforça a posição do cidadão na luta por uma cidade mais justa e democrática. Confronta crenças e ideias e baliza propostas multifacetadas para a cidade, em torno de um local que se constitui como um espaço aprendente. Analisando criticamente o contexto social da cidade, enquanto mosaico institucional, o OP manifesta-se como um mecanismo pertinente para o minimizar de assimetrias sociais, ao promover a participação e a proximidade do governo local aos cidadãos.

3. A CIDADE DESVELANDO A LITERACIA MULTICULTURAL

As competências interculturais, que são exigidas à cidade numa hodiernidade polissémica e polifacetada, apelam na linha de Henry Giroux (2005), a uma “literacia multicultural”, entendida como “intervenção discursiva (...) essencial, não só para uma noção mais ampla de auto-representação, mas também para uma noção mais global de intervenção democrática” (Giroux, 2005: 140).  Este entendimento da cidade por intermédio do desenvolvimento de competências que permitem ler o mundo culturalmente diversificado, enfatiza o papel da “literacia multicultural” como “o espaço no qual se tornam possíveis novas práticas dialógicas e relações sociais” (Giroux, 2005: 140).

A cidade que é entendida nesta lógica como um espaço que educa e que pedagogiza, apresenta-se como sistema essencial à renovação crítica do conceito de cidadania, na medida em que esta “se vai privatizando e os jovens são cada vez mais formados para se tornarem sujeitos consumidores e não sujeitos sociais críticos” (Giroux, 2005: 138).

Cabe, portanto, não só aos educadores como também aos agentes sociais que fomentam as dinâmicas sociais e culturais da cidade a habilidade para desenvolverem “uma linguagem crítica na qual as noções de bem público, as questões públicas e a vida pública se tornem centrais e prevaleçam sobre a linguagem de mercado despolitizante e privatizante” (Giroux, 2005: 138) que hoje apresenta-se-nos como uma visão irrefutável de mundo.

Ao introduzirmos, anteriormente, o conceito de literacia multicultural de Giroux, compreendemos como aquela intervenção contesta os mecanismos de dominação assentes em aparelhos ideológicos dominantes, como o discurso da ciência moderna ocidental ou a dimensão epistémica do Norte, alienado do conhecimento emergente e de emancipação proposto no Sul. A literacia multicultural é enquadrada por Giroux como a “ponte necessária à democracia” (Giroux, 2005: 140), ao mesmo tempo que permite uma outra leitura e/ou tradução do mundo, bem como dos diferentes topoi que o constituem.

Assim, as competências interculturais, no seu entender “devem ser relacionadas com as dinâmicas centrais do poder de modo a assumir as diferenças e exclusões” (Giroux, 2005: 140) nos processos e ou mecanismos de conflito e de negociação. Compreendemos que as competências interculturais

“Actuam (...) como modos de interpretação crítica nos quais o diálogo e a interpretação estão intrinsecamente ligados a modos de intervenção, nos quais as diferenças culturais são vistas como um recurso e não como uma ameaça à democracia” (GIROUX, 2005: 141).

Actualmente, este é um dos maiores desafios direccionados à governação do espaço público local{13}, em particular à cidade, na medida em que o esbatimento das fronteiras é cada vez mais significativo entre os diversos mundos sociais e culturais que a compõem.

Esta “noção globalizada de cidadania” (Giroux, 2005: 133), no entender de Giroux, “expande o conceito de contrato social para além das fronteiras do estado-nação” (Giroux, 2005: 133) e redefine o conceito de democracia, alargando o seu horizonte, uma vez que “o global se torna o espaço onde se exercita a coragem cívica, a responsabilidade social, a política e a compaixão pelo destino dos outros” (Giroux, 2005: 133).

Neste entendimento e tal como nos é apresentado por Ramón Grosfoguel (Grosfoguel, 2008), a partir do trabalho de Walter Mignolo (Mignolo, 2000), situamo-nos num tempo global cuja resposta epistémica à (des)construção de alternativas de conhecimento, que se incorporam na denominação de conhecimento-emancipação de Boaventura de Sousa Santos (2000, 2010b), conceptualizam-se na etimologia do termo de pensamento de fronteira. Como resposta ao “monologismo”(Grosfoguel, 2008: 137) global do Ocidente, “as epistemologias de fronteira subsumem / redefinem a retórica emancipatória da modernidade a partir das cosmologias e epistemologias dos subalternos, localizadas no lado oprimido e explorado da diferença colonial” (Grosfoguel, 2008: 138).

Pretende-se “uma redefinição / subsunção da cidadania e da democracia, dos direitos humanos, da humanidade e das relações económicas para lá das definições impostas pela modernidade europeia” (Grosfoguel, 2008: 138) para a qual a leitura do mundo, alinhada nos postulados de uma hermenêutica diatópica, apresentam-se como pilares cruciais no processo de governação da cidade que educa. O Orçamento Participativo manifesta-se, pela proximidade que compromete o cidadão e o Poder Autárquico, num mecanismo que permeia “um diálogo de tipo horizontal” (Grosfoguel, 2008: 139) necessário à territorialização de práticas de inclusão do cidadão e da cidadã, naquilo que são as suas idiossincrasias.

4. A HERMENÊUTICA DIATÓPICA NA (DES)CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO SOCIAL

Tal como apresentam-nos Boaventura de Sousa Santos e João Arriscado Nunes, “a incompletude das culturas e das concepções da dignidade humana, do direito e da justiça exige o desenvolvimento de formas de diálogo (a hermenêutica diatópica) que promovam a ampliação dos círculos de reciprocidade.” (Santos e Nunes, 2004: 46) Deverá ser apanágio da cidade educadora potenciar estes espaços de diálogo, permeando a tolerância pelas diferentes identidades que a constituem.

Neste sentido, e assumindo a cidade como um espaço privilegiado para o diálogo entre diferentes topoi, compreendidos como “os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura” (Santos, 2010b: 414), importa enquadrar, na temática da educação e epistemologias, o conceito de hermenêutica diatópica de Boaventura de Sousa Santos com o intuito de “ampliar ao máximo a consciência da incompletude mútua [das culturas] através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra” (Santos, 2010b: 414).

Embora reconhecendo que o OP se poderá alicerçar como um mecanismo que, ao educar na cidadania, também fomenta práticas sociais em torno dos direitos humanos, como “o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade” (ONU, art. 27º) e potencia, pela liberdade de participação, a emancipação dos cidadãos socialmente desprotegidos, compreendemos que

“A luta (...) pela defesa e promoção da dignidade humana [que tal expressão de emancipação sugere] não é um mero exercício intelectual, [mas antes] uma prática que resulta de uma entrega moral, afectiva e emocional ancorada na incondicionalidade do inconformismo e da exigência da acção” (SANTOS, 2010b: 414).

Sabendo que esta “luta (...) pela dignidade humana nunca será eficaz se assentar em canibalização ou mimetismo cultural” (Santos, 2010b: 414) reconhecemos que a cidade que educa tem que fomentar práticas sociais culturalmente competentes, que promovam actividades locais de cariz global, isto é, que enquadrem o cidadão enquanto sujeito que lendo o mundo local se prospectiva no espaço global, ou não fossemos agentes de uma cidadania cosmopolita (Giroux, 2005) e de uma cidade cujas fronteiras territoriais, sociais e culturais encontram-se desvanecidas.

São exemplos destas práticas de acolhimento do cidadão na participação cultural e social no Concelho de Palmela, as seguintes: Fantasiart{14}(Projecto de Educação pela Arte), Palmela Acessível{15}(Plano Municipal de Promoção das Acessibilidades), Festival Internacional de Gigantes – FIG{16}(divulgação da expressão artística, valorização do património cultural e da multiculturalidade), Viver Melhor, Viver com Autonomia{17} (Programa de Iniciativa Comunitária Leader, dirigido à população idosa do Concelho), Fórum Cultura{18} (debate público sobre o presente e o futuro da cultura no Concelho), Movimento das Cidades Educadoras{19}, entre outros.

A Carta das Cidades Educadoras é, também, exímia na corroboração do postulado de Giroux (2005) ao estabelecer que:

“A cidade deverá promover a educação na diversidade para a compreensão, a cooperação solidária internacional e a paz no mundo. Uma educação que deverá combater toda a forma de discriminação. Deverá favorecer a liberdade de expressão, a diversidade cultural e o diálogo em condições de igualdade. Deverá acolher tanto as iniciativas inovadoras como as da cultura popular, independentemente da sua origem. Deverá contribuir para a correcção das desigualdades que surjam então da promoção cultural, devido a critérios exclusivamente mercantis” (ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES EDUCADORAS, 2004, Art. 2º).

Desta forma, por mais fortes que sejam os diversos topoi de cada cultura, a cidade deverá ser capaz de gerir estrategicamente o diálogo entre as diversas identidades que compõem o seu espaço de interacções. “O reconhecimento de imcompletudes mútuas é condição sine qua non de um diálogo intercultural” (Santos, 2010b: 417) que requer “uma produção de conhecimento colectiva, participativa, interactiva, intersubjectiva e reticular” (Santos, 2010b: 420).

5. CONCLUSÃO

A cidade que educa por um OP que dá voz às minorias, como também a todo o cidadão que se revê como parte inclusiva do espaço social, necessita de engajar-se deste procedimento hermenêutico, para que, ao ler o seu mundo, reconheça a diversidade que nele habita e aja de forma interculturalmente competente.

Enquanto processo social e político, cuja dinâmica inibe a projecção de grandes conclusões, como alerta-nos Boaventura de Sousa Santos (2003), é facto que “o OP tem sido um meio notável de promover a participação dos cidadãos em decisões que dizem respeito à justiça distributiva, à eficácia decisória e à responsabilidade do Executivo municipal” (Santos, 2003: 453), o que nos coloca a possibilidade de olhar este mecanismo de governação da cidade, como ferramenta de aproximação dos cidadãos em torno de um bem comum.

A cidade, que ao acolher os seus cidadãos e ao interpretá-los nas diferentes idiossincrasias que os alicerçam, age como um espaço que aprende a ser interculturalmente competente, onde o OP pedagogiza criticamente os conflitos e as negociações que aquela aprendizagem acarreta.

Se é permitido aos Orçamentos Participativos e ao Movimento das Cidades Educadoras alinharem as suas práticas em torno de entendimentos colectivos, a partir da compreensão das idiossincrasias de um sujeito cognoscente,  estaremos a agir ao encontro de uma verdadeira cidadania planetária.

Encontramos em Bryan Turner uma visão alargada da teoria da cidadania de T. H. Marshall, na qual o OP pode encontrar a sua epistemologia, isto porque, “a cidadania é como se fosse impulsionada para frente pelo desenvolvimento de conflitos sociais e lutas sociais dentro de uma arena política e cultural, onde grupos sociais competem uns com os outros pelo acesso aos recursos” (Turner citado em Torres, 2001: 154).

O OP e a cidade educadora que o acolhe são, então, possíveis movimentos que permeiam este redesenhar das práticas de cidadania, apresentando-se como espaços sociais, cujo construtivismo crítico da sua praxis, apela a uma educação para a liberdade.

A cidade que educa assume, assim, o desafio “de promover o equilíbrio e a harmonia entre identidade e diversidade, salvaguardando os contributos das comunidades que a integram e o direito de todos aqueles que a habitam, sentindo-se reconhecidos a partir da sua identidade cultural” (Associação Internacional das Cidades Educadoras, 2004, Preâmbulo).

Não pretende-se a educação dos indivíduos como uns “trânsfugas oblatos” (Vieira, 2004) que “rejeitam a cultura de partida” (Vieira, 2004: 62) e que se silenciam numa pedagogia monocultural, mas antes, uma acção cultural e social da cidade que eduque em prol de um “eu intercultural” (Vieira, 2004: 60) que se apropria das características culturais que considera pertinentes para a sua vida em sociedade, a partir dos contactos que estabelece com outros “códigos culturais” (Vieira, 2004: 59).

O OP propicia a (des) construção desse eu intercultural por mediação do diálogo que potencia, como também pela abertura de canais de comunicação alinhados com o poder autárquico o que, pela proximidade que se institui, permite uma acção mais concertada e territorializada do Executivo da cidade.

Esta possibilidade tem vindo a ser caracterizada como viável, na medida em que, a própria liderança do Concelho tem alinhado as suas práticas de governança local, por um conjunto de políticas públicas que tendem a gerar proximidades com os cidadãos. Esta realidade está expressa nas Reuniões Públicas do Executivo com os cidadãos, nas Reuniões do Executivo com a Comissão de Acompanhamento do OP, bem como na aplicação e tratamento de inquéritos aplicados aos munícipes e aos trabalhadores da Câmara no intuito de averiguar o nível de satisfação das pessoas face ao Projecto. De acordo com a Presidente da Câmara,

“[E]m Palmela, temos trabalhado esta ambição de aumentar a efetividade da participação da população numa direção própria: a de procurar construir um processo participativo que, sendo consultivo, procure construir condições para alguma capacidade de controlo do processo por parte dos participantes. Como? Através do carácter universal, descentralizado e regular (todos os anos) do processo de consulta/debate público, com uma forte componente de prestação de contas; e através da constituição de uma Comissão de Acompanhamento, com representantes dos participantes no debate público (participação aberta, por voluntariado)” (VICENTE, 2008: 9-10).

Torna-se relevante que as práticas subjacentes à governação da cidade alicercem-se na “solidariedade social e política de que precisamos para construir a sociedade menos feia e menos arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos”, na qual a “formação democrática” (Freire, 2009: 42), a partir dos empreendimentos da cidade que educa, é uma condição essencial para o sucesso das suas intervenções. Reconheçamos, pelo que aqui foi dito, que “há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço” (Freire, 2009: 45) e para tal muito contribui o olhar epistémico alternativo que o projecto do Orçamento Participativo possibilita.

 

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{1} Consideramos o Orçamento Participativo como um movimento social, na medida em que como situa Torres (2001), “se os grupos procuram transformar as relações sociais de poder em acções culturais, valores éticos, ciência ou produção, eles podem ser classificados como movimentos sociais” (p. 147).

{2} Projecto adoptado pela cidade de Porto Alegre, Brasil, desde o ano de 1989.

{3}Tradução do autor.

{4}Tradução minha.

{5}Tradução minha.

{6} Tradução minha.

{7}Tradução minha.

{8} Relativo a personalidade.

{9} Tradução minha.

{10} Promessa da Igualdade, Promessa de Liberdade e Promessa de Paz (Santos, 1999).

{11} Tradução minha.

{12} Importa reforçar que “os movimentos sociais resultam de relações de classe que incorporam o domínio da historicidade sobre as práticas sociais e culturais (sistema de acção histórica). Eles contestam a apropriação da criatividade colectiva pela classe dirigente em nome de uma concepção cultural do sujeito histórico” (Faria, 2009: 58).

{13}Neste enquadramento, salientamos o papel importante que o Concelho de Palmela (locus da nossa investigação) tem desenvolvido no âmbito da “literacia multicultural” (Giroux, 2005) ao enquadrar as políticas de governação locais com os princípios consignados na Carta da Agenda 21 da Cultura, da qual é signatária desde 2004. Esta Agenda reforça o comprometimento das cidades e em particular das suas autarquias “com os direitos humanos, a diversidade cultural, a sustentabilidade, a democracia participativa [na qual o OP é um mecanismo representativo] e a criação de condições para a paz” (Cidades e Governos Locais Unidos, 2008: 3).  Embora em construção, a análise documental ao Plano Municipal de Ordenamento do Território, bem como ao Plano Director Municipal, tem-nos demonstrado uma preocupação do Município em alinhar as estratégias de desenvolvimento territorial com os Princípios da Agenda 21 da cultura.

{14} Cf.Fantasiartin http://www.cm-palmela.pt/pt/conteudos/areas+de+intervencao/educacao /Educa%C3%A7%C3%A3o+pela+Arte1/Fantasiarte/

{15} Cf.Palmela Acessível in http://www.palmela-acessivel.org/

{16} Cf. Festival Internacional de Gigantes in http://www.figfestival.org/

{17} Cf. Viver melhor, viver com autonomia in http://www.cmpalmela.pt/pt/conteudos/areas+
de+intervencao/desporto/Programas+Municipais/viver+melhor+viver+com+autonomia/?WBCMODE=PresentationUnpublishel

{18}Cf. Fórum Palmela in http://www.cm-palmela.pt/pt/conteudos/areas+de+intervencao /cultura/F%C3%B3rum+Cultura/

{19} Cf. Movimento das Cidades educadoras in http://www.cmpalmela.pt/pt/conteudos/areas +de+intervencao/educacao/movimento+das+cidades+educadoras/Movimento+das+Cidades+Educadoras.htm?WBCMODE=AuthorloginFO